segunda-feira, 24 de maio de 2010

Os evangélicos e o antiintelectualismo

Por que o governo está reduzido verbas da Universidade da Califórnia?, perguntou, em outras palavras, André Petry, da Revista Veja (26.05.2010), a Jared Diamond, da Universiade da Califórnia. 

A resposta é aterrorizante:

"Em parte, isso decorre do antiintelectualismo americano e do fundamentalismo evangélico. 

O fundamentalismo evangélico é muito forte, tem ampla influência, inclusive sobre os conteúdos dos livros escolares. 

A base da biologia é a teoria da Evolução de Darwin. Ela ensina que as coisas vivas evoluem. Não é possível ser biólogo, nem um bom médico, se você não acrecdita na evolução. É o mesmo que um físico não acreditar nas leis de Newton. Ou um químico duvidar da tabela peiódica de Mendeleiev. Não dá pra ser astrônomo se você acha que o mundo é plano. 

Mesmo assim, o fundamentalismo evangélico de direita se opõe ao ensino da evolução nas aulas de biologia. Isso acontece no Texas, para dar um exemplo. É um absurdo. É o fundamentalismo associado ao anti-intelectualismo."


Quando leio coisas assim, não consigo ficar calado. 

Primeiro, porque sou batista e essa denominação está incluida no grupo religioso classificado como evangélico. Ainda que Diamond tenha sido feliz ao definir mais claramente "fundamentalismo evangélico de direita", o que, para um bom leitor, subentende-se que existem outros tipos de evangélicos, por exemplo, que não são fundamentalistas, que não são de direita, que não são nem fundamentalista, nem de direita, enfim, ainda assim, como estamos no Brasil, vejo em suas palavras a deixa que parte da mídia confessional - aquela que não se declara religiosa, mas que age como tal pela cultura de seus jornalistas - procura para bater nos evangélicos indiscriminadamente.

Marina Silva, por exemplo, não é evangélica fundamentalista de direita (ainda que a maior parte da liderança de sua denominação pareça ser), mas na guerra da política ela está precisando se esclarecer o tempo todo.

Não consigo ficar calado, também, porque sendo os batistas uma forte denominação nos Estados Unidos, poderíam ter outro posicionamento diante de tão grande retrocesso - a rejeição do estudo da evolução das espécies - que equipara os evangélicos aos católicos da Idade Média ou ao fundamentalismo islâmico, em termos de obscurantismo.
Estou convencido que tal posicionamento no meio evangélico não se dá por ignorância, mas por medo, pois há quem acredite que se admitirmos uma leitura não "literal" da Bíblia, ela perderia sua autoridade.
Entretanto, a autoridade da Bíblia  não está em postulados científicos, mas no que ela revela a respeito de Jesus Cristo.
O texto do Dr. Collins  - A Linguagem de Deus -, por exemplo, demonstra bem a possibilidade de compatibilizar ciência e autoridade bíblica.

De qualquer maneira, vamos registrando nossa percepção das notícias e das realidades que nos cercam e suportando preconceitos e oportunismos contra os evangélicos que, diga-se de passagem, a julgar por aqueles que usam  tal nome na mídia, bem que merecemos.

Marina x Dilma = David x Golias?



De: MARINA SILVA
Para: "Ao amado dom Moacyr

Li na Folha (22/5) sua afirmação de que sou frágil e não tenho perfil para a Presidência da República. No início, fiquei triste. Já tinha ouvido algo parecido do senhor, de forma carinhosa, mas ler assim como está no jornal tem outro peso.
 
Refletindo mais, reconciliei-me com sua mensagem.

Quando ando por aí, muitos me dizem que minha luta é de Davi contra Golias. Então vamos conversar sobre passagens bíblicas, que conhecemos bem. Elas se completam e iluminam o que quero dizer.
Quando Saul terminava seu reinado, Deus mandou o sacerdote e profeta Samuel ungir novo rei entre os muitos filhos de Jessé. O profeta procurou entre os mais belos, os mais fortes e os mais habilidosos, mas Deus descartou todos. Jessé lembrou então de Davi, o seu filho mais novo, que pastoreava ovelhas. O profeta o achou muito fraquinho, meio esquisito. Mas Deus ordenou que o ungisse rei dos israelitas, porque olhava para o seu coração, e não para a sua aparência.

Foi assim que Davi foi escolhido para ser rei. E logo provou seu valor ao enfrentar Golias, o gigante filisteu, guerreiro acostumado a usar escudo, capacete e armadura e a manejar a espada. O jovem Davi, aparentemente fraco e sem muito preparo para aquele tipo de duelo, ganhou a luta porque não tentou usar a armadura de Saul, que lhe fora ofertada e nem lhe cabia direito. Usou sua própria arma, a funda, e ali colocou a pedra para jogá-la no lugar certo, na testa do gigante.

Assim como o senhor, dom Moacyr, Samuel era homem corajoso, temente a Deus, preparado para o sacerdócio desde um ano de idade. O senhor é muito importante na minha vida, da mesma forma que Samuel foi na vida de Davi. E está me vendo com olhos cuidadosos, preocupados com circunstâncias que talvez me causem sofrimento.

Mas, como sabe por experiência própria, não podemos ficar presos às circunstâncias.

Quando o senhor chegou ao Acre, aos 36, enfrentou os poderosos e ficou do lado de Chico Mendes e de todos os que eram aparentemente fracos e despreparados para enfrentar os gigantes das motosserras.

Como me ensinou, não me intimido com as circunstâncias e procuro me encontrar com o que está no coração de homens e mulheres sinceros, que, como o senhor, buscam fazer o melhor, apesar das dificuldades e riscos.

Aprendi com o senhor boa parte dos valores que me guiam, entre eles não vergar a coluna às pressões dos interesses espúrios.

Por favor, meu amado irmão, não me diga agora que esses valores não servem para governar o Brasil e me fragilizam. Tranquilize-se: eles são e continuarão sendo a minha força e a minha funda diante dos desafios, qualquer que seja o tamanho deles."
 

sexta-feira, 21 de maio de 2010

Ser quem se é


Por Osvaldo Luiz Ribeiro

1. Desarmar-se. Acreditar na possibilidade de agir sem armas, na nudez de coração, na transparência de ser quem se é. Não, ainda não são dias de jogarmos fora os escudos. Mas as espadas, as lanças, os punhais, derretê-los ao fogo, e fazer do ferro líquido um molde de peso de papéis finos, com os quais façamos pipas e as soltemos, ao vento do outono. Desarmar-se.

2. Para desarmarmo-nos, antes de tudo, temos de decidir abrir mão das estratégias políticas, dos ataques e dos medos. Há muita necessidade de confiança no Mistério, então. Porque, quando você se desarma, e abre mão das estratégias, as coisas podem e não podem acontecer. Você não faz contas, não mexe pauzinhos, você corre riscos. Assim, é preciso coragem, mansidão, determinação para... desarmar-se.

3. Porque estar armado produz a falsa sensação de estar protegido. Tolice. Estar armado só faz de você uma pessoa pronta para derramar sangue. Desarmar-se deixa você sob a exigência de apenas deixar a vida correr, numa confiança silenciosa. E confiança silenciosa é rara, é cara, em dias de espiritualidades ruidosas, estrepitosas, radiofônicas, alucinadas. Mas bom é ter esperança, e aguardar em silêncio a salvação do Senhor (Lm 3,26).

4. Desarmar-se é poder ser quem se é, sem máscaras. É poder dizer o que se pensa, na sinceridade das palavras honestas, ainda que estranhas, ainda que causadoras de perplexidade aos que vivem armados, com medo, cientes dos riscos do jogo de viver-se armado. Mas não é possível que se viva livre, se você tem coldre e cartucho. A liberdade, nesse caso, é poder caminhar com os mesmos pés em cada lugar onde você está, é poder escrever a mesma coisa em qualquer lugar, sem compartimentos, sem reservas, na transparência das coisas translúcidas, sem medo de ter dito, sem medo do que vão pensar... Quem tem medo, arma-se. Quem se arma, recrudesce o medo. Recrudescido o medo, aumenta-se o calibre da bala... O círculo é viciado em craque.

5. Não se enganem. As palavras que emprego são palavras que nascem na carne, como a transpiração. Nem todas fazem parte dos jargões evangélicos da moda - algumas, são transgressoras. Entregar-se a jargões é entregar-se às ondas, é ser arrastado pelo vagalhão da impessoalidade desumanizante. Você diz as coisas-jargões, e você nem existe, porque são os jargões na sua boca. Prefiro dizer as coisas que sinto, ainda que enviezadas, e, assim, inspirar a alteridade, a autonomia, a subjetividade ativa, consciente, programática, a consciência de si, o ser quem sem é. Eu sei, assusta a alguns, porque revela o quanto estamos encaixados em esquemas de ser, de fazer, de dizer. Mas não há esquemas. Há a vida. Há o risco de viver. O risco de ser. O risco de fazer. O risco de dizer. Há o risco. O que me lembra a infância, quando as melhores brincadeiras eram aquelas mais arriscadas, aquelas que nos deixavam o coração à boca, o peito a explodir. Com cuja lembraça me convenço de que nossa religião ficou velha, nossos homens religiosos, velhos, nossos costumes, velhos, e eu uso a palavra velho aqui em seu sentido mais pervertido. É preciso rejuvenescer. Velhos, grisalhos, mas rejuvenescidos. Centenares, mas rejuvenescidos. Vestidos, que cabe à moda, naturalmente, mas nus.

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Projeto Ficha Limpa

O Projeto Ficha Limpa, aprovado na tarde desta quarta-feira no Senado, é uma das coisas animadoras ocorridas na política brasileira nos últimos dois anos, por pelos menos duas razões: primeiro por tratar-se de iniciativa popular; segundo, pelos possíveis efeitos do seu conteúdo na vida brasileira.

A iniciativa popular revela que quando a sociedade se mobiliza, ela demonstra ser capaz de atingir seus objetivos. Portanto, devemos acreditar que mobilizados, unidos, podemos fazer mais do que acreditamos. Basta ter clareza de objetivo, competência técnica, boa vontade, espírito público e coragem para realizarmos coisas relevantes.

Triste é saber que até para se conseguir o elementar – ter representantes políticos éticos e cumpridores da lei – é preciso uma mobilização tão grande e, não só isso, ter que ouvir o líder do governo Romero Jucá (PMDB RR) lutando, com a cara sem sinais de vergonha, contra algo benéfico à vida do país.

Quanto ao conteúdo, o Projeto visa proibir “o registro de candidaturas de pessoas que tenham sido condenadas por crimes graves ou, no caso de parlamentares e outros com foro privilegiado, que já tenham sido denunciados ao Supremo Tribunal Federal”. Hoje há dois pesos e duas medidas: candidato a concurso público precisa ter a ficha limpa; candidato a eleição, não.

Observe que não se trata de uma proposta moralista, no sentido pejorativo da palavra. Trata-se tão somente de preservar o povo brasileiro de pessoas que confundem a arcaica imunidade parlamentar com impunidade; de nos preservar de pessoas que são eleitas para fazer as leis quando elas mesmas agem como se vivessem numa terra sem leis.

Não devemos ter vergonha de lutar pela ética. Os que zombam da luta pela ética geralmente são beneficiários da ausência dela. Aprofundar nosso conhecimento sobre realidades que levam nosso povo a uma condição de vida nociva e contribuir para que elas sejam modificadas através das ferramentas disponíveis, dentre elas as leis, é postura que merece aplausos.

É claro que há muito por fazer. A educação política da população, por exemplo, é um grande desafio, até porque nosso povo mal tem aprendido a ler e fazer contas. O estímulo ao desenvolvimento de relações saudáveis com Deus - conhecido entre nós protestantes pelas palavras evangelização e discipulado – em vez de religiosidade mecânica também é desafiador.

Entretanto, anima-nos iniciativas como a do Projeto Ficha Limpa, pois mantém acesa em nós a chama da esperança de que juntos, unidos e bem intencionados, podemos fazer um país cada dia melhor.

(Visite www.blogdafichalimpa.blogspot.com e continue mobilizado)

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Irmão processa Irmão?


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- Há duas senhoras na recepção querendo falar com o senhor, disse a secretária.
- Quem são elas? Perguntou o pastor.
- Zefinha de Jesus e Madalena Cruz, respondeu a secretária. Elas disseram que precisam tomar uma decisão muito importante e precisam ouvir sua opinião de qualquer jeito.
- Peça a elas que entrem.
A Porta se abriu e elas, meio sem jeito, mas demonstrando forte convicção de que o que as trazia ali era muito sério, se acomodaram e foram direto ao assunto.
- O que nos traz aqui é o seguinte: fomos demitidas de uma organização de uma igreja e ficamos sabendo no sindicato que o valor que deveríamos receber de indenização seria maior do que o pago. Falamos com o diretor da instituição e ele recomendou que entrássemos com uma ação judicial a fim de que o acordo fosse feito em juízo e o assunto fosse encerrado. O problema é que aprendemos desde quando nos convertemos que crente não põe ninguém na justiça, muito menos uma organização da igreja.
- Sob que justificativa isso lhes foi ensinado? Perguntou o pastor.
 Zefinha citou um texto de Paulo aos Corintios, capítulo 6 verso 1 que diz:  “Aventura-se algum de vós, tendo questão contra outro, a submetê-lo a juízo perante injustos e não perante santos?”
Lendo rapidamente a sequência do texto concluiu: “Para vergonha vo-lo digo. Não há porventura, nem ao menos um sábio entre vós, que possa julgar no meio da irmandade? Mas irá um irmão a juízo contra outro irmão, e isto perante incrédulos?”
O pastor pensou um pouco e, em vez de começar a comentar o texto, como que caminhando noutra direção, perguntou a elas: - vocês sabem o que a Bíblia diz sobre autoridades? Ouçam: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus” (ROM. 13). Além desse, há outros textos, continuou o pastor e lançou uma pergunta?
- Quem são estas autoridades no Brasil? Seria o Poder Judiciário brasileiro uma autoridade constituída por Deus? Sem pensar duas vezes Zefinha respondeu: - claro! Então, continuou o pastor, se o Poder Judiciário foi constituído por Deus, submeter um conflito para ser julgado por ele não contraria a vontade de Deus. Além disso, precisaríamos ter mais tempo pra explicar como era o sistema judiciário em Corinto e em Israel, nos tempos de Paulo, pra entender a recomendação dele para aquela época e, depois, verificar que princípio pode ser trazido para hoje, mas isso exigiria mais tempo e outros elementos que envolvem a interpretação e compreensão de um texto.
- Ah, pastor, acho isso estranho, falou Zefinha, enquanto sua companheira acompanhava silenciosamente o diálogo. - Se esse negócio de conflito entre irmãos já é estranho, continuou ela, ir à justiça é mais estranho ainda.
- É verdade, Zefinha, mas lembre-se de que conflitos fazem parte de nossa vida. Lembra dos conflitos de Jesus com os fariseus, com Herodes,  com os comerciantes do templo?, perguntou o pastor. Lembra do conflito por causa da discriminação das viúvas de fala grega? Lembra, também, dos conflitos de Paulo com Barnabé e com Pedro?  E o caso de Evódia e Síntique? E o caso de Diótrefes? Não quero com isso, cuidou de justificar-se o pastor, alimentar conflitos. Apenas estou dizendo que eles sempre aconteceram na vida das igrejas e de todos os seres humanos.
- É verdade, pastô, mas a ponto de ir à justiça é muito feio, disse Zefinha.
Percebendo sinais de conflito interior, o pastor esclareceu: - Zefinha, observe que o que estamos clareando é a legitimidade ou não de um crente ir a juízo contra outro e não se é saudável ou se se deve evitar conflitos entre irmãos. É claro que todo esforço deve ser envidado para que os conflitos sejam minimizados, mas há situações que envolvem não somente questões racionais, mas também emocionais, conscientes ou inconscientes, por isso os conflitos acontecem.
Como que com dificuldade para acompanhar as abstrações da conversa, Zefinha retomou a questão objetiva que a trouxe com a colega ao gabinete pastoral.
- Então o senhor acha que não é errado entrar com uma ação contra a organização da igreja?
Mais uma vez, cuidadosamente o pastor esclareceu: - Nesse caso, entrar com uma ação não é resultado de uma briga, mas um meio de proteção da empresa. A idéia, pelo que estou entendendo, é negociar a ação perante o juiz, a fim de que, o que ali for acordado, não possa mais ser discutido. Então não há nada de errado. Se a intenção da organização fosse lesar seus direitos poderíamos dizer que ela estaria agindo errado, mas não parece ser o caso, concluiu o pastor.
Recuperando o fôlego e sentindo-se à vontade Zefinha provocou: - Então o senhor acredita que não é pecado crente entrar na justiça?
- Claro que não, respondeu o pastor. O direito de procurar as autoridades judiciais para julgar uma situação é legítimo. O que precisa ser considerado é o que está em discussão, disse o pastor.  Observe bem, continuou,  geralmente elementos emocionais afloram em divergências de qualquer natureza. Quando, porém envolvem situações que implicam em prejuízos claros para uma das partes e não se consegue chegar a um acordo, o caminho é o poder judiciário. Entretanto, ponderou o pastor, sempre é bom lembrar o ditado que diz que um mau acordo é melhor do que uma boa briga. Perder uma capa é melhor do que arriscar-se a perder a vida.
- Nós conversamos com o advogado do sindicato, disse Zefinha, e ele disse que não deveríamos pensar duas vezes; que o melhor caminho seria entrar mesmo com uma ação.
- Faz parte do papel deles, respondeu o pastor. Advogados não são defensores da lei, mas de causas. Quando procurados, a postura deles, primeiramente, não é colocar diante do possível cliente uma lei que o desestimule a entrar com a ação, mas conhecer  bem a causa e, então, avaliar se há brechas nas leis que oferecem chances sólidas de defesa para a causa trazida. Se ele percebe que a causa tem boas chances de ser ganha, ele incentivará a ação.
Nessas alturas, mesmo  sem ter certeza de que Zefinha e a companheira estavam alcançando o que ele comentava, arriscou-se a continuar.
- Isso acontece porque as leis são escritas com palavras cujos significados são múltiplos, portanto passíveis de interpretação e sua aplicação pode variar de acordo com o contexto. Além disso, nenhuma lei é capaz de abarcar todas as situações que brotam nos relacionamentos de milhões de pessoas.
- Honestamente, disse Zefinha, não tô entendendo muito desse negócio de significado de palavras, interpretação, mas entendi que não é errado crente entrar com processo contra um irmão.
- Dizer que é errado ou certo, depende de cada história, mas o direito de procurar uma autoridade constituída para julgar um conflito, depois de esgotadas as possibilidades de acordo que seja bom para as duas partes, não tenho nenhuma dúvida. É o que penso, disse o pastor.
 (Inauguração do Balcão de Justiça e Cidadania, do Tribunal de Justiça da Bahia, no Centro Comunitário mantido pela Igreja Batista da Graça, SSA)


Vendo que o assunto chegou ao limite, o pastor olhou pra Madalena, que silenciosamente acompanhava o diálogo, e perguntou: - E você, o que pensa sobre o assunto?

quinta-feira, 6 de maio de 2010

Quando a saudade encanta

 Por Gláucia Carvalho Gimenes

Deitada em minha cama, contemplo através da janela, um céu claro, sol límpido e vento calmo e suave. Olho parte da cidade e vejo copas de árvores verdes e lavadas pela chuva, pequenas borboletas amarelas saltitando ao seu redor. Prédios altos e imponentes completam um lindo quadro de um colorido muito vivo e encantador. Digo: como gostaria de estar lá fora fazendo parte desse encanto do viver!

Logo me reporto a momentos suaves e belos como este: momentos eternos, de saudade, de paz e aconchego.
Vejo mamãe nos preparativos da chegada da filha querida na volta anual para as férias em casa. Férias sonhadas, merecidas, depois de tempos longe, de esforço e estudo. Era um verdadeiro mimo do céu, encontrá-la serena, contente e até um pouco orgulhosa da filha que voltava para seu aconchego.

Lembro de cada detalhe: casa arrumada, limpa e cheirosa; bolo recheado e fresquinho; comida da melhor qualidade com frutas e verduras para completar uma dieta simples, mas saudável.

As marcas do seu rosto, mamãe, não me deixavam esquecer que o tempo era implacável, mas seu sorriso franco, seus macios cabelos cinzas, seus passos ligeiros e certos, sua bondade e alegria me enchiam de uma emoção sem igual. Como era bom desfrutar daquele momento tão esperado!

No quarto o melhor lençol, a melhor roupa de cama. O cheirinho era inconfundível. O mosqueteiro servia para afugentar temíveis insetos que jamais poderiam tocar a pele da filha. Na cozinha as panelas antigas, herdadas de vovó, reviviam emoções e a mesa com sua toalhinha vermelha me esperavam com uma deliciosa fatia de bolo. Enquanto me deliciava, seus olhos ávidos ficavam e assim falávamos das aventuras nos estudos e da grande cidade.

Para mamãe, minha chegada representava o encantamento. A filha que foi se preparar para servir a Deus, o que mais seu coração podia esperar?
Quanta expectativa e prazer ao voltar ao lar! Todos os amigos sabiam, todos da igreja queriam me ver, todos que cresceram comigo queriam participar daquela festa.  Minha filha já chegou! Minha filha está em casa! Minha filha está mais bonita! Venham vê-la!
Recordo-me da visitas inumeráveis e até cansativas, mas agradáveis.

Mamãe querida, queria poder voltar no tempo, mas a chamada do Pai nos separou.  Queria te encontrar, mas, sei que ao voltar não estarás mais lá e isso me deixa a face molhar. Queria poder dizer tudo o que sinto, o que você me fez ser, o que plantou em mim e me possibilitou fazer diferença.

Marcas ficaram... A saudade de voltar ali e te ver de novo, poder abraçar-te e pedir sua bênção está viva e me deparo com o imenso vazio de não te encontrar.

Mamãe, dos cabelos cinza e brilhantes; dos bolos fresquinhos de laranja e das tortas de abacaxi; dos dias que tanto amei e me senti acolhida; que me levava à igreja e me fazia compreender e sentir que era o melhor lugar do mundo para servir, para estar, para aprender e para amar; das escolas bíblicas nas quais sempre vi a grande professora ensinar; das melodias que gostava de cantar em vozes com as três filhas: “Que doce voz tem meu senhor, voz de amor tão terna e graciosa”. Graciosa era a sua voz que entrava com seu mavioso contralto para a harmonia pronta e encantadora ficar; que me fazia tocar no velho piano as melodias que gostava, até cansar. Horas a fio, uma por uma entoadas com a alma e o coração agradecidos a Deus que tudo lhe dera, inclusive a bela voz; das plantas que fez crescer bonitas e viçosas, como era seu amor e cuidado por elas. Mamãe, você foi meu chão firme e seguro.

Sei que posso dizer hoje para meus filhos que volta não haverá mais, porém, eles podem ver e reconhecer o que você deixou de mais grandioso: o seu amor por mim.

Obrigada mamãe.