terça-feira, 27 de setembro de 2011

Processo de elaboração de estatuto para igrejas batistas

Sabemos que um estatuto é muito mais do que uma peça jurídica. Antes de tudo é um pacto político através do qual, pessoas que formam uma instituição definem diversos elementos que nortearão sua caminhada. Nas igrejas batistas, cujo sistema de governo é democrático e, portanto, a assembléia de membros é soberana, essa compreensão é essencial. Por isso, pelo menos dois elementos devem ser considerados antes da elaboração de estatuto: 1) que áreas de conhecimento devem estar representadas numa comissão responsável pela elaboração; 2) que princípios devem nortear a definição dos regulamentos. Pensemos nesses dois elementos:

1)   Que áreas de conhecimento devem estar representadas numa comissão responsável pela elaboração?

1.1.      Teologia
Coloco a representação teológica em primeiro lugar porque é a teologia o diferencial das igrejas. Embora haja semelhanças no funcionamento de um empreendimento batista, quando comparado com outros empreendimentos, há diferenças que não podem ser desprezadas.

Além disso, a eclesiologia batista é construída a partir de uma teologia neo-testamentária. Portanto, não há como dissociar eclesiologia de teologia.

Nesse sentido, é fundamental que pessoas com conhecimento teológico e, preferencialmente, bom trânsito nas demais áreas de representação, se façam presentes, a fim de que não se perca de vista a natureza da instituição e a prioridade das finalidades espirituais do empreendimento.

1.2.      Administração

A definição da(s) finalidade(s) da organização como um todo e de cada órgão (conselho, ministério ou departamento) em particular é um dos elementos que precisam ser profundamente clareados. Se não sabemos previamente quais são as finalidades, atribuições, composição e forma de eleição, como regularemos o funcionamento? Como criaremos órgãos e cargos que farão com que os objetivos sejam alcançados?

A existência de um organograma da instituição é essencial à elaboração. Através dele sabe-se quais são os órgãos da igreja e como se relacionam entre si.

Também é essencial que se acredite na importância da agilidade nos processos decisórios antes de redigir-se o documento. Igrejas burocráticas e lentas não são sinônimo de bem controladas e produtivas. Pelo contrário, geralmente emperram o funcionamento causando ineficácia e diversos outros tipos de prejuízos tais como de relacionamento e financeiro.

O custo, financeiro, político ou relacional do funcionamento e manutenção da estrutura é outro elemento que deve ser considerado preliminarmente. É um problema quando, para satisfazer interesses particulares nem sempre compatíveis com os interesses do empreendimento, uma série de órgãos e cargos é criada para, depois, não terem do que sobreviver, gerando pulverização de recursos, insatisfações e ineficácia.

Como o sistema será fiscalizado e quem fará a fiscalização é essencial em qualquer organização, especialmente das igrejas batistas, pela natureza democrática que as caracteriza. Instituição democrática sem forte fiscalização se torna meio de corrupção. A quantidade de prejuízos decorrentes de ineficácia na fiscalização e até mesmo de acordos pouco virtuosos é suficiente para priorizarmos a fiscalização, definindo claramente a finalidade, atribuições, composição, tempo de mandato e forma de eleição dos componentes.

1.3.      Política
A democracia batista fundamenta-se essencialmente na compreensão teológica de que todos os seres humanos foram igualmente criados à imagem e semelhança de Deus e exercem individualmente o sacerdócio, sem necessidade de intermediários, além de Jesus Cristo. Sendo assim, acreditamos que a democracia é a melhor expressão desses pressupostos teológicos num governo eclesiástico. Como a política é elemento central numa organização que se define como democrática, não seria diferente nas igrejas batistas.

Geralmente esse elemento político não é publicamente discutido, como se não existisse, mas, na verdade, aqueles que estão conduzindo o processo geralmente agem a partir de uma compreensão não declarada de que precisa ser definido que cargo terá mais ou menos poder decisório.

O poder decisório na organização deve ser estabelecido através das atribuições conferidas a cada órgão ou cargo e não necessariamente pela posição hierárquica num organograma. O poder, portanto, deve ser entendido como pertencente ao cargo ocupado e não à pessoa que o ocupa.

Percebe-se o nível de democratização que norteia uma igreja, já a partir da forma de escolha da comissão responsável pela elaboração. Uma comissão nomeada é menos representativa do que uma eleita, mesmo quando a nomeação é submetida a referendo da Assembléia. Quem nomeia geralmente escolhe componentes que, de maneira geral, representam seus pontos de vista e vão garantir a manutenção do status quo que lhe (s) interessa. É contraditório quando um indivíduo ou grupo declara nomear pensando no interesse da instituição, negando aos membros, a priori, o direito de eleição.

Para entrar em vigor, um estatuto de igreja batista precisa ser aprovado por uma Assembléia. Assim, o desejável é que antes do material ser submetido à Assembléia, ele passe por fóruns nos quais, de maneira sincera, se esclareça o poder de cada órgão e cargos nele contidos.

Quando a criação ou reforma de um estatuto vai direto pra Assembléia sem a realização preliminar de fóruns ou não há respeito às regras democráticas da igreja, corre-se o risco de viver um clima de tensão, durante e depois.


1.4.      Jurídica

Um dos equívocos cometidos na elaboração de estatutos nas igrejas batistas é acreditar que a presença de grande quantidade de profissionais da área jurídica significa garantia de qualidade. Essa quantidade, em vez de ajudar pode atrapalhar uma vez que o jurídico é totalmente privilegiado em detrimento do teológico e administrativo, além de se tornar uma ferramenta política de imposição de pontos de vista, sob a alegação da legalidade.

Na verdade, um bom profissional do direito é suficiente para orientar as questões de legalidade. A razão de ser de sua participação no grupo é ajudar a minimizar equívocos de natureza jurídica e não engessar o funcionamento da instituição pelo predomínio de uma cosmovisão legalista da organização.

Quando há divergências jurídicas, a Assembléia deve estar ciente das alternativas de interpretação de cada caso e, soberanamente, responsabilizar-se pela decisão entre uma e outra. Divergência de interpretação legal sempre haverá. Se assim não fosse, tribunais de arbitragem não precisariam existir. O inconcebível é uma assembléia de pessoas adultas ficar subordinada à palavra interpretativa de uma ou outra pessoa quando por detrás da defesa jurídica, outros interesses e motivações podem ser identificados.

2)   Que princípios devem nortear a definição dos regulamentos?

2.1.      Soberania da Assembléia
Soberania da Assembléia não é sinônimo de democratismo. A Assembléia deve ser poupada de reunir-se para discutir cor da porta do sanitário ou tamanho do papel usado no Boletim Dominical.

 A soberania de uma assembléia manifesta-se no seu poder exclusivo de reformar o estatuto e regimento interno; de eleger ou destituir sua diretoria; de aprovar seu orçamento e fiscalizar sua vida financeira; de aprovar o plano geral da organização; de arbitrar quando conflitos se estabelecem entre órgãos ou membros da igreja; de receber ou desligar membros.

Assim, a administração do cotidiano da igreja será conferida a órgãos internos cuja finalidade, atribuições, composição e forma de eleição de seus dirigentes são claramente estabelecidas no Estatuto e Regimento interno.

2.2.       Distribuição do poder
A palavra poder não tem aqui natureza pejorativa. Ela significa a quantidade e qualidade de atribuições dadas a um cargo ou órgão, fazendo com que o nível de dependência do sistema em relação a ele seja desequilibrado, desproporcional.

Uma vez definidos órgãos e cargos, é fundamental que dispositivos sejam incluídos visando impedir que uma mesma pessoa ocupe mais de um cargo simultaneamente. A simultaneidade de ocupação de cargos por uma mesma pessoa aponta a pobreza de visão de uma organização formada por tantas pessoas qualificadas ou o nível de subserviência e até de exploração política de uns pelos outros. A exceção só se justifica como algo transitório e na ausência comprovadamente reconhecida de alternativas.

2.3.       Alternância no poder
A alternância no exercício do poder é essencial a uma organização que pretende não se deixar dominar por vícios inevitáveis ao continuísmo. Além disso, a alternância propícia o arejamento dos órgãos pela presença de pensamentos diferentes dos estabelecidos de maneira contínua e ininterrupta.

Por isso, é fundamental que haja dispositivos claros quanto ao tempo de permanência e forma de eleição para os cargos, visando forçar a alternância. O fato de uma pessoa ser querida e, portanto, sempre ser eleita pelo povo, não significa, necessariamente que sua presença continuada seja saudável para a organização. O agir político de cada pessoa, os mecanismos usados para manipular os “eleitores”, os interesses envolvidos, muita vez camuflados, faz com que desejos pessoais falem mais alto do que o desenvolvimento institucional em casos de continuísmo.

2.4.      Transparência
Geralmente órgãos e cargos são criados para servir a instituição, mas é comum  ocupantes se servirem deles. Isso pode se dar em termos psicológicos, financeiros e políticos. O uso da estrutura eclesiástica de maneira promíscua, em diversos casos, é fácil de ser demonstrado.

Há pessoas cujo objetivo principal na ocupação de cargos parece ser o de alimentar o prestígio pessoal e até de usar a instituição como moeda de troca político-eleitoral. Entre os membros das igrejas batistas tal postura é ínfima, mas, como a cosmovisão clientielista da política é um cancro que destrói qualquer organização cuja natureza política é democrática, se elementos que forcem a transparência não forem incluídos nos estatutos as conseqüências podem ser nefastas.

Em face disso, é fundamental que o próprio sistema disponha de mecanismos que tornem transparentes os processos que envolvam suas caminhadas, a fim de minimizar a possibilidade de desvio de finalidade das organizações, dos cargos, dos recursos financeiros, enfim.

Considerações finais: Claro que outros princípios podem ser levados em conta na elaboração de um Estatuto, mas acredito que esses são essenciais. Se forem levados a sério, no que depender desta ferramenta chamada estatuto, as relações internas têm maiores chances de serem saudáveis e isso é tudo que desejamos numa igreja batista.

quinta-feira, 1 de setembro de 2011

A responsabilidade dos membros da Igreja


A propósito da eleição de novos dirigentes, conselheiros e ministros da IBG

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Pelo sétimo ano consecutivo, declaro antes das eleições na IBG e Cecom que, na qualidade de pastor, opto por não fazer defesa de qualquer nome para compor diretorias ou conselhos. Acredito que  a responsabilidade pela construção da história da igreja é coletiva, no bônus ou no ônus.

É claro que, por adotar tal postura, não concordaria com qualquer movimentação de quem dá sinais de querer direcionar a igreja rumo a  interesses estritamente particulares ou de uma minoria.

Sendo a membrezia responsável, cada pessoa precisa ter consciência de que, ao indicar-se ou indicar alguém para um cargo e, depois, votando, sua ação funciona como o semeador que planta uma semente. A pessoa na qual votamos é uma semente que vai germinar durante os próximos 3 anos, no caso dos conselhos e dois, nos das diretorias.

Ninguém tem bola de cristal para prever as ações de quem quer que seja, no exercício de um cargo. Entretanto, utilizando o conhecimento que temos da pessoa, podemos projetar com maior probabilidade de acerto, a forma como atuará.

É fundamental, para isso, que, primeiro definamos a qualidade do fruto que almejamos e, depois verifiquemos se a pessoa por nós escolhida reúne as melhores condições para tal. Nesse sentido, algumas perguntas precisam ser feitas a respeito da pessoa. 

Em relação às qualidades pessoais:

1.       A maneira como se comporta evidencia comunhão com Deus?

2.       Ela dá sinais de ser comprometida com valores espirituais do Reino de Deus?

3.       Ela é comprometida com o funcionamento da igreja, através da freqüência regular aos cultos e da contribuição financeira regular para o sustento das causas?

4.       Ela evidencia ser leal e sincera na maneira como se relaciona com os demais membros da igreja?

5.       Ela demonstra conseguir enxergar o ser humano como imagem e semelhança de Deus acima das diferenças sócio-culturais?

6.       Ela demonstra ser capaz de liderar seus sentimentos e sua língua?

7.       Ela revela capacidade de escutar pacientemente o outro para entender seu modo de pensar, para, somente depois, contra argumentar, se for o caso?

8.       Ela evidencia disciplina e honestidade na administração do seu tempo e dinheiro?

9.       Ela evidencia respeito à membrezia, aos líderes e ao pastor, principalmente na forma de administrar inevitáveis divergências? 

Em relação às qualidades técnicas:

1.    Ela evidencia conhecer e estar comprometida com a missão, visão estratégica e valores oficializados pela igreja?

2.    Ela revela conhecimento da macro-estrutura organizacional da igreja?

3.    Suas ações revelam desejo de ver todas as áreas se desenvolverem de maneira saudável e equilibrada ou é partidária e individualista?

4.    Ela conhece a finalidade e atribuições da área na qual pretende atuar?

5.    Ela conhece a importância da área a que concorre para o desenvolvimento do Reino de Deus?

6.    Ela tem consciência do tempo que terá para investir durante o período de mandato?

7.    Ela manifesta disposição e disponibilidade?

8.    Ela tem consciência dos recursos de humanos, financeiros e patrimoniais disponíveis para o exercício de suas funções?

9.    No caso da Diretoria e Conselho Diretor, ela apresenta sinais de conhecimento e maturidade para participar da liderança da Igreja numa eventual ausência permanente do atual presidente?

Tais perguntas não têm por objetivo encontrarmos uma pessoa perfeita, pois ela não existe. Porém, servem de referencial para que nossa escolha seja refletida, aumentando a probabilidade de elegermos pessoas que manterão a igreja no caminho de um desenvolvimento saudável, glorificando com isso o nome de Jesus Cristo e servindo para restaurar a comunhão de muitos com Deus, consigo, com os semelhantes e com o meio ambiente que nos cerca.