quarta-feira, 23 de novembro de 2011

História e narrativas da história

A propósito dos 45 anos da Igreja Batista da Graça

Há diferença entre história e narrativas da história. História seriam fenômenos, de diversas naturezas, que se sucedem no tempo e espaço. Narrativas históricas têm a ver com aquilo que os sentidos humanos perceberam, julgaram relevantes, memorizaram e, de forma oral ou escrita, nos foi repassado.
Isso significa que as narrativas de histórias devem ser vistas como a percepção do narrador a partir do ponto de vista de onde se encontrava. Tal ponto de vista não deve ser entendido somente em sentido geográfico, mas, sobretudo, social, político, econômico, religioso, psicológico, cultural enfim.   
Sendo verdade que “cada ponto de vista é a vista de um ponto”, como cunhou Leonardo Boff, podemos afirmar que toda narrativa de história sempre será parcial e contaminada pelo olhar de quem a narra.
A interpretação das narrativas depende muito mais de significados previamente introjetados na mente do interprete do que da intenção de quem escreveu. Por isso, podemos afirmar que o leitor de um texto precisa ser ainda mais cuidadoso do que uma testemunha dos acontecimentos, pois está lendo algo que é fruto da percepção de outrem.
O mesmo ocorre numa narrativa oral.
Faço essa elucubração pra dizer que os 45 anos de história da Igreja Batista da Graça poderiam ser narrados a partir de milhares de percepções, cada uma retratando aquilo que o perceptor julgou relevante em face dos seus sentimentos, crenças e valores, bem como dos objetivos que pretende atingir através da narrativa delas - as percepções.
Um narrador magoado, por exemplo, poderia omitir fatos ou destacar apenas aspectos ruins que caracterizaram um período; outro, não tendo de que reclamar daria ênfase às coisas boas. Daí, quanto mais distantes no tempo e menor envolvimento com os acontecimentos, maior a probabilidade de avaliarmos as narrativas com mais neutralidade.
Se quisermos formar uma opinião que retrate a maior proximidade possível dos fatos, é essencial procurarmos a maior e mais diversificada quantidade de testemunhas ou narrativas.
Estudar história não é memorizar datas, nomes e feitos tidos como extraordinários, mas compreender o significado sócio-cultural dos acontecimentos, visando corrigir rotas equivocadas e construir caminhadas mais saudáveis para todos. Portanto, estudamos também para não repetir os mesmos erros.
Ao iniciar o 46º ano da Igreja Batista da Graça, nos é dada a oportunidade de gerar novos fatos e relacionamentos. Avaliemos, portanto, os 45 anos passados empenhados em repetir o menor número possível de erros e a maior quantidade de acertos, visando vivenciar “justiça, paz e alegria no Espírito Santo”, pois isso caracteriza o reino de Deus que almejamos.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Para que a Graça não perca a graça


A denominação IGREJA BATISTA DA GRAÇA é, como se vê, formada de três palavras: igreja, batista e graça. A compreensão do que isso significa é de grande relevância para nossa caminhada. Cada uma dessas palavras – como todas as palavras – se retirada do seu contexto sócio-cultural, poderia tornar-se apenas um ajuntamento de grafia de sons.
Quando, porém, cada uma delas é situada num contexto sócio-cultural, não apenas será a expressão de uma dada realidade, mas, a partir daí, elas mesmas passam a ser definidoras de como desejamos que tal realidade deva ser.
A palavra igreja, 
por exemplo, é uma tradução da palavra grega “ekklesia”. Na cultura grega dos dias de Jesus, referia-se a uma reunião público-política de cidadãos gregos. Jesus partiu desse sentido para referir-se a uma reunião de pessoas, não mais subordinadas às leis de determinada cidade ou país, mas espontaneamente vivendo em comunhão com ele, pelo sentido que suas vidas ganharam à luz das atitudes, palavras e ações dele.
Como é natural, ao longo desses mais de 2000 anos, em cada tempo e lugar, esta palavra continuou ganhando novos significados, uns mais distantes, outros mais próximos, uns mais profundos, outros mais superficiais, mas sempre mantendo algum tipo de vínculo com sua origem em Jesus.
A palavra batista
também tradução de palavra grega, baptistés, refere-se em sua origem àquele que batiza. Em documentos históricos, entretanto, vemos que denominava um grupo que surgiu na Inglaterra do século XVII, cuja marca litúrgica que mais chamou a atenção foi o batismo de adultos por imersão, contrariando o de crianças por aspersão.
Este aspecto chamou a atenção nem tanto pela forma de batismo – imersão – mas por ser ministrado a adultos. A ideologia disso representava não somente uma obediência aos ensinos de Jesus, mas também era expressão de respeito à liberdade e responsabilidade do indivíduo de escolher o percurso religioso que gostaria de dar à sua vida, sem imposição da família, do Estado ou de quem quer que seja.
Entretanto, tal grupo fazia muito mais do que batizar adultos por imersão. Defendia, por exemplo, uma igreja livre, num estado livre, cujo referencial de conduta deveria ser a vida de Jesus, conforme registros nas Escrituras Sagradas judaico-cristãs; defendia a liberdade de se reunirem em igrejas locais e autônomas para expressarem sua fé, construírem e expressarem livremente seus pensamentos e, definirem, democraticamente, a forma e conteúdo que serviriam de norte para caminharem juntos; defendia inclusive, a liberdade de cada um poder interpretar as Escrituras Sagradas, contrapondo-se ao então privilégio reservado à hierarquia eclesiástica subordinada ao Estado.
Com o passar do tempo, tais “pequenos grupos” se uniram em convenções, mantendo suas autonomias, e definindo, conjuntamente, princípios norteadores que os caracterizariam como “batistas”. Desses princípios, 6 ou 7 tem se mantido presentes na maioria absoluta das igrejas que se chamam “batistas”, em todas as épocas e lugares.
A palavra graça, 
charis em sua origem grega, foi associada ao nome desta Igreja Batista, não, primeiramente, por seu significado teológico, mas pela localização geográfica – o bairro da Graça, em Salvador – onde um pequeno grupo começou a reunir-se em 1966.
Já devidamente registrado em cartório, o nome foi mantido, apesar da mudança de localização para o Largo da Garibaldi, no vizinho bairro da Federação.
A manutenção do nome não se deu, certamente, apenas porque assim fora registrado, mas também por seu significado teológico. Tal significado faz parte do legado da primeira igreja chamada batista, formada na colônia inglesa na Holanda, em 1609.
Fruto de uma terceira geração de reformadores e herdeiros de conceitos que ganharam evidência nas reformas iniciadas no século XVI, cujo expoente foi Martinho Lutero, os batistas sempre defenderam que a salvação é fruto da graça divina, se contrapondo à tese católica que definia a salvação como resultante do esforço humano.
Graça, portanto, indica a possibilidade de vivermos em comunhão com Deus, sentido último de nossa existência, como fruto do seu desejo de nos amar, conjugado à nossa livre vontade de corresponder.
Por isso, para que a Igreja Batista da Graça não perca a graça, é fundamental sempre retornarmos ao significado do seu nome, aprofundando-o e nos empenhando a viver coerentemente com ele.