segunda-feira, 31 de março de 2014

O riso de Iracema

De repente acontece um vendaval. Ventos fortes sopram de diversas direções. Telefonemas não param de chegar em quantidade e velocidade tal que não há tempo para respirar

Se isso não bastasse, uma surpresa acontece. Diante do que poderia ter sido, ela é até aliviante. Nem gerou adrenalina! Trata-se de um vulcão inativo que ressuscitou, trazendo à superfície suas lavas que produzem destruição. Sua temperatura é menor do que do último vómito, a tonalidade do produto levemente diferente, mas seus efeitos sobre seres vivos são aterrorizadores.

A fonte originária é cheia de podridão. Impressiona-nos olhar pra ela: altiva, poderosa, brilhante, escorregadia, mas o cheiro infernal de enxofre por ela produzido é horripilante. Como água, o que dela brota desliza entre espaços, montanha abaixo, mas não traz vida, não faz brotar flores, não permite que pássaros se alimentem, nem que os vivem ao redor descansem. Apenas mata tudo que encontra em seu caminho.

Sua natureza entronizada e destruidora, não respeita nada, nem ninguém. Faz muito barulho, muita fumaça, fumaça negra, com leves traços brancos que sobe almejando o céu, mas suas portas estão fechadas para ela.

Como que magoada, amargurada pela rejeição, espalha-se pela atmosfera em busca de um lugar, mas ninguém a quer. Então, enquanto a chuva não lava a atmosfera, ela prejudica aviões, torna imunda habitações, adoece seres vivos, faz murchar as plantações.

Fujo do seu mal cheiro, de seus efeitos diabólicos. Saio apressado em busca de aconchego nos braços que acolhem, onde minha'lma se encolhe e meu coração se recolhe. Mas, no meio do caminho aparece Iracema. Ela vem maltrapilha, fedorenta, desdentada, com um imenso sorriso no rosto.

- Divá, Divá, veja o que estou fazendo.
- Iracema, sinto muito, tô cansado, tô com pressa, digo, querendo sair de fininho.
- Mas é só um minutinho, retruca ela.
De repente "a voz" sussura no fundo da minh'alma
- Pare, escute-a.

Obedeço a voz, sento-me num banco e ela, feliz, se senta ao lado e começa, empolgada, a mostrar sua última produção, o próximo presente que me dará. Com dezenas de folhas velhas nas mãos, ela explica tudo com palavras difíceis e sem nexo. Indiferente à minha realidade, ela passa a mostrar a capa de sua obra de arte.
- Esta é a capa do livro que vou lhe dar domingo, diz ela esperando minha aprovação.

Com o coração amolecido, com a sensação de estar ouvindo a voz de Deus através dessa criatura marginalizada, perguntei-me se o louco ali não seria eu.

A capa do "livro" esta pronta, com desenhos feito à lápis, copiados de modelos diversos. Pergunto o que significa, mas ela não consegue explicar. Diante disso, decidi não priorizar a decodificação com ela. Apenas, meio que egoisticamente, prestei atenção ao significado daquilo pra minha vida, enquanto fugia das lavas, da poeira do vulcão.

Agora, com o coração calmo, em paz, dou-lhe uma palavra de incentivo pela produção do seu "livro". Olho bem nos olhos dela e digo: - Ore por mim. Ela olhou-me surpresa e respondeu: - Vou fazer uma prece pro Senhor ... e domingo te dou o livro.

Segui pro carro agradecido pelo riso de Iracema, a "louca"  que, em sua loucura, trouxe paz ao meu coração, em meio a erupção
de um morto que tenta ressuscitar, sem incomodar-se com os efeitos destrutivos do seu sinal de vida.



sábado, 22 de março de 2014

Sujeição das mulheres aos homens?

Mulheres, não se aflijam com os textos que serão a base das mensagens deste domingo, 23, na série "A mensagem de Pedro"! (1. ("Aflições que glorificam a Deus", em I Pd 2:18-21 e "Testemunho conjugal eficaz", em I Pd 3:1-7).


1. O verbo usado por Pedro para sujeição das mulheres (I Pd 3.1) é o mesmíssimo usado para sujeição de escravos (I Pd 2:18) e ele mesmo - Pedro - trata tal tipo de sujeição como injusta (I Pd 2:19). O foco do texto é outro.

2. O verbo usado por Pedro para falar de escravos e mulheres, é o mesmíssimo usado em Ef. 5:21 ("Sujeitem-se uns aos outros, por temor a Cristo." (Efésios 5:21 NVI). Portanto, sujeição MÚTUA, fruto da relação com Jesus e não por competição de gênero.

3. Não existe verbo nenhum no texto grego original de Paulo ("Mulheres, (sujeite-se) cada uma a seu marido, como ao Senhor, (Efésios 5:22 NVI)). Por isso, tanto esse texto (5:22) que é usado por homens e mulheres machistas para impor às mulheres que se sujeitem aos homens, quanto o relacionado aos homens ("Maridos, ame cada um a sua mulher, assim como Cristo amou a igreja e entregou-se por ela" (Efésios 5:25 NVI)), estão vinculados ao 5:21.

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Em tempo 1: Fiquei muito feliz com a decisão da diretoria da Convenção Batista Brasileira, em comum acordo com a Internacional Mission Board, em relação ao missionário-professor do STBSB que, a título de combater o ministério pastoral feminino apresentou uma interpretação inaceitável do papel da mulher na igreja, como publiquei, à época em que o video (retirado) foi publicado no youtube.

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Em tempo 2: Sugiro que nós pastores levemos nossas mães, esposas, filhas e irmãs no sangue e da igreja, à sessão da Ordem Estadual, quando for colocar em pauta a determinação da Ordem de Pastores Batistas do Brasil, quanto à aceitação de mulheres pastoras em seus quadros.

Isso pelo menos nos fará refletir melhor ao expormos argumentos relacionados ao gênero feminino! 

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Leia também:
1.http://blogdoedvar.blogspot.com.br/2009/07/paulo-machista-e-conservador-2004.html

2.http://blogdoedvar.blogspot.com.br/2009/04/ameaca-cidadania-da-mulher-batista.html 


(Publicado inicialmente no Facebook, em 22.03.14)

Verdadeiro amor?

Há quem diga que o verdadeiro amor entre duas pessoas acontece depois do casamento. 

Não gosto muito da expressão "o verdadeiro isso", "o verdadeiro aquilo". Quem pode afirmar se antes era ou não verdadeiro, ou se o que alguém experimentou foi verdadeiro ou não, ou se a compreensão de alguém transformada num discurso bem elaborado é verdadeira ou não? 

O que consigo enxergar é que o amor pode ser "verdadeiro", mas a pessoa pode não estar preparada para vivenciá-lo em toda a sua plenitude, em determinada circunstância. Então a relação fica comprometida não pelo amor não ser verdadeiro, mas pela pessoa não conseguir ou não se dispor a levá-lo às últimas consequências. Exemplo? A resposta sincera de Pedro, no famoso "tu me amas". Seu amor por Jesus não era o Ágape, admitiu, mas tão sincero que Jesus disse: "apascenta as minhas ovelhas".

(O fato de nem todos desenvolverem um nivel profundo de abstração para analisar sentimentos e distinguí-los, não quer dizer que não sejam capazes de vivenciá-los. Experiência, elaboração, definição da experiência, resignificação da experiência e nova experiência são fases que, na prática, se misturam. Não são, portanto, lineares. A ocupação com a análise e distinção da experiência não parece ser do interesse de todos, conquanto seja importante).

O que leva duas pessoas à construção de uma relação são sentimentos e motivações que no início, geralmente não são muito claros ( Amizade? Dinheiro? Sexo? Poder? Status? Etc). A convivência vai "acrisolando" o tipo de sentimento e atitude de um para com outro. Quanto mais testados e resistentes, mais se consolidam. Isso seria amor "verdadeiro"?

Isso me vem à mente, sem maiores pretensões, ao olhar pra Gláucia dormindo ao meu lado num quarto de hotel (depois de uma perfeita viagem de cinco horas de carro pelas estradas da Bahia) e pensar nos mais de 31 anos juntos, colados, na alegria e na tristeza ... bla, bla, bla, bla, bla bla, bla, bla, bla. (Edito: Não só alegrias e tristeza, bla, bla, bla, provocadas por fatores externos a nós dois, mas também nas que provocamos um ao outro)

E pra não matar o "vício" de escrever, escrevo e saio de cena!


(Postado inicialmente no Facebook, em fev de 2014)

sexta-feira, 21 de março de 2014

Nossos filhos (II)

Se há algo que nos faz sorrir,
Que mexe com nosso coração,
Que nos enche de vontade de "curtir", de "compartilhar",
Isso é notar um ar de satisfação,
No rosto dos nossos filhos,
Na voz dos nossos filhos,
Nos escritos dos nossos filhos,
Nas "composições" dos nossos filhos,
Nos "trabalhos" dos nossos filhos.

Isso compensa as distâncias,
As saudades,
As expectativas,
Os receios,
As inseguranças,
As incertezas,
A ansiedade...

Não há nada que mais nos realiza
Do que tê-los incentivado
A escolher,
conquistar,
construir,
e trilhar seus próprios caminhos;
A saber que podem cair,
Que podem se levantar,
Que são capazes de prosseguir,
Que são capazes de se recuperar,
Sem colocar o sustento financeiro como prioridade,
Sem perder a consciência de que ele - o sustento - é necessidade,
Mas que não está acima de poderem escolher e fazer
Aquilo que lhes produz felicidade,
Aquilo que faz bem para si e para a sociedade.

"Até aqui nos ajudou o Senhor"
Obrigado e parabéns Mônica Gimenes Hernández e Raphael Carvalho Gimenes. Obrigado Gláucia Gimenes!

segunda-feira, 17 de março de 2014

Meu tio toninho e minha zoadeira com corintianos


Eu tinha seis anos de idade. Todo dia saia da escola – minha primeira série com a saudosa profª Lili - e, em vez de ir pra casa, passava no Mercado Municipal de Garrrça, onde meu tio Toninho tinha um botequim.


Muitas vezes ele pedia pra eu ficar tomando conta enquanto ele ia almoçar. Eu me sentia o máximo. (Hoje suponho que ele pedia pros amigos do Box ao lado ficar de olho). 



Desse tempo recordo do dia em que selecionei alguns dos doces mais gostosos do botequim - adorava também as coxinhas feitas pela tia Andrelina -, deixei reservado num canto pra levar sem pedir e sem pagar (roubar, digamos!). Só que ele chegou e eu não consegui pegar. Fui embora e não voltei mais, envergonhado e com medo. Ele então, os levou pra mim e disse. Acho que é seu. Fiquei com vergonha, mas aprendi algumas coisas disso que trago comigo até hoje. Nunca falei com ele sobre isso. É o meu tio preferido. Viajei de caminhão com ele, perdi uma unha do dedão ao fechar a porta do caminhão em frente a uma oficina e o admirava muito (e ainda o admiro).



Foi nesse tempo que aprendi a zoar com corintiano.



Toninho, irmão de minha mãe (e pai de Valmir Gimenes e Márcio Gímenes ) era corintiano roxo. Lembro-me das vezes que chegava ao mercado e seus amigos começavam a zoadeira. (Não lembro o nome, nem a imagem dos amigos do Box ao lado, mas lembro-me dos sírio-libaneses Armando, da loja de tecidos, e Mamede da loja de brinquedos). Pois bem, eles perguntavam pra mim: pra que time você torce? Meu tio se antecipava e dizia: Corinthians. Eu olhava pra ele e dizia: não, é Santos. E todo mundo ria.



Aprendi a zoar e nisso passei a vida inteira tendo os corintianos como meus favoritos de zoada. E, pra não perder o costume, eis-me aqui, depois de mais de 50 anos, fazendo o mesmo, depois das desclassificação corintiana, nesse final de semana!