“Não vos inquieteis, pois, pelo dia de amanhã, porque o dia de amanhã cuidará de si mesmo. Basta a cada dia o seu mal.” (Mt. 6.34)
Nesses dias de adversidade, acentuou-se em meu coração um sentimento profundo: o de que o controle que temos sobre nossa vida é bastante relativo e precário. A esse sentimento juntaram-se o da dependência e da liberdade. O da dependência porque há “n” fatores incontroláveis que influenciam os rumos do nosso amanhã; o da liberdade, porque se, de fato, nos colocamos confiantemente nas mãos de Deus, seu amor lança fora o nosso medo.
É interessante que, quando o assunto é o amanhã, a formação religiosa e a concepção filosófico-teológica podem ser diferentes, mas o sentimento e a linguagem de quem os expressam se aproximam. Veja o caso da poesia de uma música classificada como popular e outra sacra:
“Como será amanhã? Responda quem puder
O que irá me acontecer?
O meu destino será como Deus quiser”
(João Sérgio)
“Porque ele vive posso crer no amanhã
Porque ele vive temor não há
Mas eu bem sei, eu sei que a minha vida
Está nas mãos de meu Jesus que vivo está”
(Glória e William J. Gaither)
Curioso também é observar que, mesmo na tentativa de fugir da cosmovisão religiosa da vida, quando o assunto é o futuro, o sentimento de dependência de algo se faz presente. É o caso da canção de Sérgio Britto.
“O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído”
O que vemos nos três textos é o reconhecimento de que não temos controle sobre o futuro, portanto, a saída é deixá-lo nas mãos do “acaso” ou de Deus – mesmo percebido de forma diferente –.
Quando o sentimento de dependência do eterno se acentua em nossa caminhada de vida, os fatos deixam de ser relevantes pelos possíveis resultados bons ou ruins do curto prazo. O importante passa a ser a confiança que se tem de lidar com eles em seu tempo e assim construir a caminhada.
A consciência de que a vida se constrói no passo a passo de cada dia não significa desleixo quanto ao estabelecimento de metas e projetos, muito menos passividade irresponsável, mas reconhecimento da possibilidade de surgimento de fatores alheios ao nosso controle que devem ser encarados não com ansiedade neurótica ou desespero destrutivo, mas com a maior confiança e serenidade possíveis.
Podemos e devemos nos preparar o melhor possível – em todas as dimensões da vida - para enfrentar o amanhã, mas não há preparo melhor, capaz de nos ajudar a enfrentá-lo, do que um coração cheio de confiança no amor, na generosidade, nas misericórdias - renováveis a cada manhã - do doador da vida.
Coração confiante é coração cheio de dependência e, paradoxalmente, de liberdade para enfrentar o amanhã da maneira como se apresentar, seja repleto de facilidades ou dificuldades.