sábado, 17 de abril de 2010

Filosofia de 'lutas"

Aos oito anos meu pai me disse: 1) não brigue; 2) se brigar não apanhe; 3) se apanhar não volte pra casa chorando, senão apanhará de novo. Claro que havia razões, para que ele tenha dito isso. Então, entenda o contexto da fala e a relação com minha filosofia de "lutas", através da versão que dou à história.

Naquele período - 1965 - não pude ser batizado. Lembro-me, como se fosse hoje, do Pr. Olívio dos Santos, de Campinas (SP), então pastor interino em Garça (SP), sentado atrás da mesa, no templo, e eu numa cadeira ao lado, ambos de frente para o auditório, no momento da minha profissão de fé. Ele fez as perguntas e eu respondi uma por uma. 

Meu pai havia preparado uma lista de mais de 3 dezenas de perguntas pra que eu estudasse (lista que guardo até hoje) e, mesmo tendo sido bem sucedido nas respostas não pude batizar-me. Motivo: o estatuto exigia unanimidade dos membros e, como ali já estava selado meu destino de cidadão comum, em torno do qual não haveria unanimidade,  tive que presenciar 3 ou 4 membros se levantando e justificando porque eu não deveria ser batizado. O argumento mais forte era que eu seria, digamos, traquino, e daria muito trabalho à minha santa mãe.

Fui reprovado. Senti-me rejeitado, claro.

 Não sei até que ponto isso afetou minha priorização futura pela militância pastoral e não pela vida acadêmica, nem que relação teve com os problemas do meu oitavo ano de vida, mas lembro-me de coisas, digamos, interessantes daquele período.

Lembro-me de ter me envolvido com confusões na sala de aula, na terceira série, sendo minha camisa de uniforme totalmente riscada de vermelho nas costas e de ter sido levado à direção, etapa anterior das penas de suspensão e expulsão.

Lembro-me da pedrada que quase furou meu olho esquerdo e do sangue descendo pela camisa, quando assistia uma briga depois da aula .

Lembro-me da briga com o filho de um músico da Banda Municipal Santa Cecília - popularmente conhecida como "furiosa" -  e a torcida, ao redor, a meu favor. Aquela eu venci.

Lembro-me do dia em que um grupo de meninos maiores me segurou pra que um outro, menor, me batesse à vontade, sem chance de defesa.

Lembro da noite em que perturbei tanto uma tia que ela correu atrás de mim pra me agredir, obrigando-me a invadir a privacidade de uma casa, onde todos estavam em torno da rara televisão existente na cidade, passando por entre as pessoas em disparada.

Lembro-me da última surra que levei, com a cabeça presa entre as pernas de meu pai, e minhas irmãs chorando com pena de mim. Só não me pergunte o motivo, pois só Freud explicaria as razões do esquecimento

Lembro-me do dia em que meu pai trouxe uma vara de árvore pra casa, "despelou-a" e pendurou-a na parede como advertência.

Lembro-me do domngo em que, juntamente com um grupo de meninos, afastei-me uns três ou quatro quilómetros da cidade. Sabendo que era dia de culto, angustiava-me ao pensar que precisava voltar pra casa, mas tinha medo de voltar sozinho, tanto pela escuridão, quanto por ter que passar perto de uma zona de meretrício. Esperei o quanto pude até decidir voltar correndo, sozinho, choramingando de medo, seja pelos riscos, seja pelo que me aguardava em casa. Ao entrar na cidade, avistei minha mãe que já me procurava, informando que todos tinham ido pra igreja e ela ficou à minha procura. Não apanhei.

Lembro-me de ter ouvido a conversa entre minha mãe e a professora substituta da quarta série, conhecida como a filha do coureiro, na porta de casa, falando do meu comportamento.

Lembro-me do dia em que recebi a notícia da reprovação na quarta série e do meu pai, de cócoras, falando do que representava a reprovação para minha vida, para a vida financeira dele, enfim. A conversa me fez chorar mais do que uma surra.

Claro que posso narrar também muitas coisas boas do período e do respeito e amor que sempre nutri por meu pai, mas, para o contexto desta nossa conversa, narro esses fatos por terem ocorrido na mesma casa onde morei em torno do meu oitavo ano.

Foi nesse contexto que ouvi a frase dita por meu pai: 
1) não brigue; 2) se brigar não apanhe; 3) se apanhar não volte pra casa chorando, senão apanhará de novo.
xxx
Certa ou errada, o fato é que ela acabou se tornando um referencial para minha filosofia de "lutas". Não me considero uma pessoa que gosta de brigas, mas também não fujo daquelas que julgo necessárias. (O problema é que são muitas as lutas que julgo necessárias!)

Hoje, costumo avaliar com a maior profundidade possível as situações que considero dignas de luta ou que fazem com que me sinta sob ameaça. Se exigirem embates políticos acirrados, justamente pra não entrar na luta e apanhar, invisto tempo refletindo em oração, trocando idéias com terceiros, estudando os conteúdos e processos, observando e avaliando as possíveis pessoas envolvidas, declaradas ou disfarçadas, tudo como num jogo de xadrez.

Como Jesus, fujo de fininho, estrategicamente, quando entendo que não está na hora de correr risco de morte (Mt. 12.14-15), mas sou capaz de virar mesas e usar chicotes se estiver convencido de que a causa é justa (Mt. 21.12).

Quando me declaro em luta, entro pra ganhar, sabendo que, se perder não poderei me fazer de vítima, nem chorarei pelos cantos; carregarei minha cruz, mesmo que solitariamente, com dignidade.


xxx

Não costumo me sentir individualmente derrotado quando o resultado não é positivo, até porque não trato as lutas como questões de honra pessoal, mas como causas que não são só minhas. Se a causa "perdida" for justa, a semente ficará plantada e germinará num outro momento, regada por outras mãos.
xxx

Em resumo: hoje empenho-me pra ser pacificador, não pacifista.

5 comentários:

Shalon Lages 17 de abril de 2010 às 12:31  

Por um momento fui levado a Garça dos anos...60 (ou seria 50) para ve-lo em luta corporal com outro garoto...risos. Tive poucas, mas boas, dessas...! Eu tenho orado por uma luta sua e confesso, meus dentes rangem as vezes, mas do Senhor é a vingança e eu não sou muito bom de "irar e não pecar". Só não me volte pra casa apanhado se não apanha de novo =)
Abração!

Vannia LLopes 17 de abril de 2010 às 23:05  

Pense numa pestinha!!! rssssss
MAs me diga: numa mudança de temperamento, quanto depende nós e quanto depende do Espirito para aprendermos a ser mansos?

Abraços

Vander 19 de abril de 2010 às 08:06  

Bom Dia Pr. Edvar

Saudaçoes Santistas

Quando estava lendo sua materia eu estava com a impressao que ja tinha vivido aqueles momentos , exatamente como voce descrevia , nao repeti o quarto ano mas o terceiro unica diferença , o resto igual e alguns piores.

Abraços de Saudades
Vander

utahy 24 de abril de 2010 às 22:01  

Grande texto. Ando fugindo de lutas, mesmo as justas, em meu entendimento. Repensarei.

ELENI 26 de abril de 2010 às 09:13  

Meu irmão!
Deus que te mantenha vivo por muitos anos, pois a experiência tem feito de ti a cada dia acrescentado em sua vida, um distribuidor de sabedoria e reflexões significativas nessa nossa atualidade tão denegrida e desprovida de sabedoria vinda dos céus.
Abraços