domingo, 11 de abril de 2010

A política nas igrejas batistas


Pra começo de conversa, gostaria de esclarecer que, neste texto, igreja é entendida de acordo com a eclesiologia dominante no meio batista, isto é, uma "comunidade local" (equivalente aproximado do conceito "paroquia" na Igreja Católica), democrática, soberana e autônoma. 
 
Por ser democrática,  soberana e autônoma, suas decisões são resultado, geralmente, da vontade da maioria simples de seus membros, expressa em assembléias convocadas e dirigidas na forma dos estatutos e regimentos internos aprovados por esses mesmos membros.

É fácil supor, portanto, que o segundo característico mais evidente da natureza de uma igreja batista, depois do religioso, seja o político. Isso não é apenas uma suposição teórico-eclesiológica. Basta que se estude a origem dos batistas em seus documentos históricos e se perceberá que o viés político - defesa da liberdade religiosa, por exemplo - estava profundamente imbricado nas causas do seu surgimento.
Ainda que todo um discurso bem elaborado e amparado por publicidade fortaleça suas imagens de comunidades missionárias, uma análise, profunda e isenta, da realidade identificará a força que a política exerce no seio de parte considerável de tais comunidades e como pastores precisam permanecer atentos para mantê-las num foco e manterem-se na liderança.
A política é tão presente no desenrolar dos processos internos, nos bastidores especialmente, da vida de uma comunidade que, muita vez, sem que se perceba ou se tenha consciência, o político e o religioso disputam a primazia. (Quando quem tem consciência política não leva a sério os valores espirituais do Reino de Deus, a coisa fica ainda mais difícil)
(Entre parêntesis digo que, claro, o grau de tensão entre o religioso e o político depende:
a) do grau de politização ou despolitização dos membros com perfil de liderança;
b) do tipo de relação mantida com Deus pelos membros com perfil de liderança ou do grau de predominância dos valores do Reino de Deus sobre suas vidas, sejam eles politizados ou não.
Isso faz diferença na vida de cada igreja, na tensão religioso x político).
Na tentativa de corrigir os efeitos colaterais considerados negativos da política na natureza eclesiológica das igrejas, construiu-se um discurso que diz que "crente não se envolve com política". Isso tem feito com que, em vez dos problemas políticos serem encarados como reais e administrados conscientemente, eles são mistificados, demonizados e, portanto, nem sempre administrados adequadamente.
Tal mascaramento da realidade chega, em alguns casos, a uma situação tão nefasta que há pessoas que usam o discurso místico-religioso como meio de fazer prevalecer seus desejos. Assim, a linguagem religiosa deixa de ser uma expressão dos sentimentos e pensamentos que decorrem da relação com o sagrado e passa a ser instrumento de manipulação dos semelhantes e, até, de demolição daqueles que são definidos como obstáculo a interesses particulares.
 (Abro outro parêntese pra lembrar que os interesses que envolvem a vida  numa "paróquia" são múltiplos. Exemplos:
a) Há pessoas em busca de paz espiritual;
b) há desejosas de construir uma vida individual e coletiva saudável, segundo a compreensão que se tem de Deus;
c) há necessitadas de conforto espiritual e emocional;
d) há carentes de esperança e fé para prosseguir na caminhada de vida;
e) há interessadas em platéia para massagear o ego;
f) há interessadas em espaço para liberar a ânsia psicológica por poder;
g) há cabos eleitorais de candidatos e partidos políticos;
h) há aquelas cuja libido tem sido extrema e prejudicialmente mal canalizada;
i) enfim, )

...
Uma vez que a igreja existe dentro de um contexto caracterizado por interesses regidos por diversidade de ideologias, geralmente ela também se posiciona como parte competidora (em vez de cooperadora), visando imprimir os valores que acredita naqueles que estão em seu raio de influência (em vez de ser coparticipante na construção deles)

Nesse caso, para que o trabalho de uma igreja produza os resultados desejados, duas coisas são importantes: 
1) que predomine em seu seio a clareza dos valores que defende; 
2) que ela se multiplique para ampliar sua influência.
 Se essas duas coisas são legítimas, e acredito que sejam, em que ponto a política se torna um problema? A política se torna um problema quando: 1) os valores são equivocados ou não são devidamente sólidos ou não são levados a sério na vida dos participantes;
2) a ânsia pela multiplicação visando exercer influência é tal que se desconsidere a essencialidade dos valores espirituais que são sua razão de existir. 

Quando os valores espirituais deixam de ser prioritários, a predominância de conflitos doentios se torna parte freqüente da história da igreja. A enfermidade se torna tal que, os feitos individuais internos, por exemplo, deixam de ser valorizados pelo resultado positivo que produzem à vida comunitária e passam a ser criticados pelo aumento de prestígio que agrega a quem disparou a idéia ou liderou a execução. 
Assim, como o prestígio e o poder político estão acima dos interesses comunitários, não importa se algo bom para a coletividade esteja acontecendo. O importante é anular o fortalecimento político daquele (s) que é (são) visto (s) como agente(s) decisivo(s) nas ações positivas implementadas: o "não-eu".

(Abro um último parêntese para lembrar que conflitos fazem parte de nossa vida, afinal, todo relacionamento é potencialmente conflitante. Entretanto, é fundamental que se avalie, primeiro, a legitimidade das causas aparentes e, segundo, quem são os atores envolvidos e seu histórico de vida). 

Se queremos canalizar de maneira positiva o elemento político que caracteriza a natureza humana e é tão forte na natureza eclesiológica das igrejas batistas, sermões não são suficientes. A ênfase na construção de valores espirituais é essencial. Por isso, a educação cristã, nas igrejas, e a teológico-ministerial, nas escolas de teologia, deveriam ocupar prioridade. 
 
Porém, como as igrejas são geradas dentro de uma cultura que não valoriza a educação - no caso, a brasileira - educação também não é prioridade nelas. Expansão é prioridade.
Como na política adotada pelos governantes brasileiros, nas igrejas batistas (e nas convenções das quais elas fazem parte), todo o discurso, todo recurso financeiro e esforço dos líderes relacionados à educação são diametralmente opostos aos investidos no sentido da expansão. Cada igreja organizada é comemorada da mesma maneira que governantes político-partidários comemoram construção de prédios escolares, dando pouca importância para o "para quê" da educação que ali será praticada (quando consegue ser praticada).

Sou pela expansão. Mas expansão desacompanhada de investimento em educação ou dos devidos valores espirituais, apenas nos iguala à política culturalmente dominante e aos políticos partidários sem visão pública, que tantos males têm causado ao povo.
Se numa eclesiologia politicamente fértil, como a das igrejas batista, valores espirituais não forem ensinados, cultivados, enfim, levados a sério, as portas do inferno podem não prevalecer contra elas, mas sempre estarão "à porta"  de suas sedes, esquentando e enfumaçando o ambiente.

1 comentários:

Roderise Melo 11 de abril de 2010 às 23:29  

Para mim que vi nascer e crescer a minha Igreja, sempre foi muito claro que a aparência e as coisas em si não significavam o mesmo. Conhecendo bem os "bastidores" da Igreja, que acompanhei, mesmo à distância, fico muito triste ao ver como a "política" destruiu tantas coisas importantes que levamos muito tempo para costruir. Agora, fico triste ao ver a igreja vazia, não pela falta de gente enchendo os bancos, mas por saber que vários não foram ainda embora para não deixarem os Corais...