quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Candidato imaginário

A maioria absoluta de nós eleitores dificilmente já chegou ou chegará perto do candidato que escolheu para representá-lo no Congresso ou para dirigir o Poder Executivo do Estado ou do País. O percentual dos que podem chegar a um metro deles, mesmo em período de corpo a corpo eleitoral, é mínimo.

Por isso, o que a maioria de nós pensa de um candidato é o que as empresas de propaganda contratadas por eles acreditam que devemos pensar para que nos convençamos a votar neles; é o que terceiros - aliados ou adversários - falam ou divulgam a respeito deles nos meios de comunicação ou, ainda, é aquilo que deduzimos, a partir do que chegou ao nosso conhecimento, sobre o que ele já fez na vida.

Alguns privilegiados com "olhos e ouvidos clínicos", com a capacidade de abstração mais desenvolvida, conseguem perceber algo mais a respeito dos candidatos, através do modo como falam, se movimentam e com quem se relacionam. Mas tudo fica no campo da impressão, da imaginação.


A escolha que a quase totalidade de nós faz, se dá com base no que imaginamos e, sobretudo, no que desejamos. Imaginamos porque desejamos. Projetamos no candidato aquilo que nosso coração anseia ou rejeita. Transferimos para eles os desejos de ser ou não ser do nosso coração, as necessidades do nosso corpo.

O problema é que os candidatos não são a encarnação dos nossos desejos e necessidades. Eles encarnam seus próprios desejos e necessidades. As vezes nem isso.

Alguns deles, excepcionalmente, incluem os desejos e necessidades de uma coletividade, como parte de seus desejos e necessidades. Se fizermos parte dessa coletividade encarnada pelo candidato, nos sentiremos contemplados com sua eleição. Se não, nos frustraremos. Daí, ou continuamos a luta, fazendo oposição a ele ou desesperançados, nos tornamos indiferentes à política

Uma vez eleito, um candidato isoladamente pode muito, mas pode muito menos do que declaram e nós, eleitores, imaginamos. Conquanto seu papel seja importante, decisivo em muitos casos, ele é parte de um sistema no qual o jogo de interesses é imenso e as forças que disputam o poder em seu próprio favor e não da coletividade é assustadora. Por isso, nem mesmo o que ele declara e deseja é exequível da forma como imagina ou discursa.

O momento eleitoral é importante porque traz à tona muitos dos desejos, sonhos, ideais, crenças, individuais e coletivos, pelos quais lutamos. Mas não podemos agir ingenuamente, muito menos delirar. É hora de manter os pés no chão. Nenhum candidato imaginário merece que desrespeitemos uns aos outros ou briguemos uns com os outros por ele.

sábado, 8 de setembro de 2018

Valorização, caminhada e separação ministerial

Um colega de ministério, após um ano de pastorado, resolveu deixar a igreja, sem outro convite, por não se sentir valorizado. Em roda de amigos, ele alterava o tom da voz e dizia: "agora eles verão o que perderam e vão valorizar". Estava enganado. Se caminhando com a igreja não foi capaz de fazê-la valorizá-lo, muito menos conseguiria afastando-se dela.

Ele não percebia que quando nos sentimos desvalorizados o sentimento é nosso não da igreja. De nada adianta esperar ser valorizado pela igreja  se, primeiro, não identificarmos com clareza aquilo que nós valorizamos, aquilo que a igreja valoriza e, a partir disso, refletirmos se nossas escalas de valores poderão ser afinadas ou não.

É comum quando um pastor fala em não se sentir valorizado, estar se referindo ao sustento material. Nesse caso, em vez de sentir-se desvalorizado, melhor seria tratar da questão de forma objetiva, com a liderança, em termos financeiros. Se o que recebe não é compatível com as necessidades dele e se o que a igreja oferece está aquém das possibilidades dela, um bom diálogo talvez resolva.

Se, entretanto, o distanciamento entre necessidade pastoral e possibilidade da igreja se mantiver, melhor seria o pastor continuar dando o melhor de si, intensificar suas orações em busca de orientação divina, compartilhar com amigos, dentro da ética, sem murmuração, que está aberto a mudar-se, partindo quando outra porta se abrir.

Continuar trabalhando e agindo dentro da ética é essencial. Se isso não é valorizado por alguns, por outros é. Alguém perceberá a postura, reconhecerá afinidades e se interessará pelo trabalho.

Quando um pastor e uma igreja - especialmente sua liderança - não se afinam em questões NÃO financeiras, isso não quer dizer que um seja melhor do que o outro, mas que aquilo que um valoriza é diferente do que é valorizado pelo outro. Quando a descoberta dessa diferença se dá na caminhada, o único meio para se sair do impasse é o do diálogo.

Diferenças de níveis em escalas de valores são próprias em todo tipo de relacionamento humano. Há diferenças em níveis suportáveis e há  diferenças acentuadas, em pontos tão relevantes, que a convivência se torna estressante, doentia. Nesse caso, ou se equaciona via diálogo, ou se desenvolve resignação consciente enquanto procura uma saída ou, na pior das hipóteses, se separa de forma tão amistosa quanto possível.

Nenhum pastor encontrará uma igreja com a qual se afina 100% naquilo que valoriza, nem uma igreja encontrará um pastor à sua imagem e semelhança. (Nem esse é o propósito do ministério, pois  Deus nos criou diferentes e o referencial de harmonia que perseguimos está em Jesus). Daí a importância do processo de sucessão pastoral. Nele, a igreja pode listar elementos relevantes de sua forma de ser, classificá-los em níveis para facilitar as decisões de escolha (ex.: muito importante, importante, pouco importante e sem importância) e assim se nortear nos encaminhamentos sucessórios.

Da mesma forma, o pastor que se envolve nesse processo, precisa ter conhecimento mínimo do perfil da igreja, do que ela valoriza e comparar com o seu perfil, sua escala de valores, a fim de avaliar se conseguiria caminhar ou não com as diferenças já reconhecidas na escala de ambos. Isso não é garantia de sucesso na caminhada, mas é um bom começo.

Na caminhada, diferenças e afinidades se acentuarão até porque o movimento de entradas e saídas de membros é dinâmico, a alteração das pessoas que ocupam cargos na igreja faz parte do calendário e estrutura jurídica em face do modelo democrático-congregacional batista adotado e, consequentemente, sempre haverá uma tensão saudável entre pastor e igreja - repito, especialmente sua liderança - no exercício das atribuições que lhes conferem poder.

As consequências disso são imprevisíveis, pois o ser humano é uma caixa de surpresas. Deseja-se, entretanto, que haja maturidade, respeito mútuo e diálogo em níveis que possibilitem a caminhada em torno da missão, visão, valores, objetivos e metas da igreja.

Deseja-se. Quando não se consegue, que se avalie os possíveis traumas da separação e adote-se medidas e posturas tão justas e amorosas quanto as circunstâncias permitirem visando minimizar as dores. Assim separem-se, como fizeram Paulo e Barnabé, por exemplo, que tiveram uma bela caminhada ministerial juntos, mas, em dado momento, optaram por separarem-se diante de impasse profundo. (Atos 15:36-41). Isso não é demérito pra nenhum dos lados, é apenas uso acertado da razão, é sabedoria.