quinta-feira, 13 de julho de 2023

Deixe o Sol brilhar


por Edvar Gimenes de Oliveira


Por que o nascer do Sol te incomoda tanto?

Brilhe com tua luz maravilhosa!

Satisfaça-se com tua luz!

Deixe que ele brilhe com a luz dele.


A luz do Sol brilha há milhares de anos.

Não será teu ódio,

Tua amargura

Tua crítica desesperada,

Que fará com que ela

Deixe de existir.


Brilhe com Tua luz amorosa

Pois a dele brilhará todos os dias

Quer se incomode ou não.


O que tanto te incomoda com o nascer do Sol?

Gostaria de ocupar o lugar dele?

Gostaria de brilhar como ele?


Se não és o Sol, aceite!

O Universo é espaçoso

E há lugar para ti e para ele!

Se queres ser um Sol, seja.

Há milhões iguais a ele no espaço sideral

E tua existência não vai atrapalha-lo.

Brilhe com teu brilho

E deixe o Sol brilhar com o dele.


Em vez de brigar com o Sol,

De odia-lo, 

De humilha-lo, 

De maltrata-lo,

Converse com teu criador.

Peça para que ele tire tua dor

Por não saber conviver com o brilho

Desta outra de suas criaturas.


Sim, foi a natureza que fez o Sol

E se isso te incomoda, brigue com ela,

Não com os sóis espalhados pelo infinito.


Acalma tua alma,

Contente-se com teu brilho.

Abençoa os que te cercam com tua luz

Deixe o Sol brilhar.Recife, 13/07/2023

terça-feira, 11 de maio de 2021

Na cama da UTI com Samuel

Os dias têm sido maus. Um sentimento de perda eminente que não é apenas o abstrato, puramente psíquico, provocado pela pandemia, mas é objetivo, pois tem rostos, famílias, igrejas, endereços, CPFs, enfim.

 

Ontem perdemos Gesciel. Nesses quase 4 anos de volta a Pernambuco, tivemos uma única conversa, mas seu irmão, Josias, mesmo morando fora do Brasil, tem sido um amigo que faz parte de um pequeno grupo com quem me sinto extremamente à vontade para conversar, por ser ele daquele tipo que é capaz de ouvir não pelo que se ganha ou se perde com a relação, nem por afinar-se ou não com a ideologia, mas pela companhia, pelo prazer de conviver.

 

Por isso senti ainda mais a partida de Gesciel, seu irmão, aos 50 anos.

 

Hoje começo o dia em luta por Samuel. A médica indicou 24 horas para estabilização. E se não estabilizar? É difícil não se perguntar depois de tantas perdas de pessoas queridas num espaço tão curto, pela mesma doença.

 

Samuel parece um colega que conheci há muitos anos. Mas foi ontem mesmo, em julho de 2019, que nos conhecemos e começamos a trabalhar juntos. Com ele tenho me dado ao direito de brincar, abusando da minha idade e alertando-o como pai, sobre determinadas situações.

 

Samuel nunca se apresentou como negacionista, nunca foi a público fazer propaganda de remédio sem ser médico, nem defender posições dialogalmente irracionais. Se fazia escolhas diferentes da que eu faria nesse quadro de pandemia, fazia por suas idiossincrasias, como faço eu também pelas minhas, mas não por provocação ideológica ou por disputa político-teológico-denominacional-partidária, muito menos por possuir coração movido a ódio, aversão ou fobia.

 

Hoje amanheço o dia com meu amigo Samuel na UTI e, pela fala médica, estou contando as horas para que ele reaja e se estabilize. O coração entrega nas mãos de Deus; o corpo reage instintivamente. E assim, entre entrega espiritual e reação corporal, amanheci contando os segundo que estão parecendo uma eternidade, como que lutando ao lado dele, na cama da UTI.

domingo, 26 de julho de 2020

Incomodando a falsa paz


Tudo levava a crer que seria um dia normal como os demais. O grupo estava habituado a se encontrar, contar histórias, compartilhar seus desafios, ajudar viajantes que vinham de longe para prestar seus sacrifícios de adoração ou em busca de perdão para seus pecados e, de quebra, fazia dessa atividade o seu ganha pão.
Entretanto, alguém observava o comportamento de cada um e percebia que, apesar da aparente normalidade, havia algo de errado acontecendo ali. Havia o que se chamaria de desvio de finalidade.
O grupo não apenas agia de maneira automática, inconsequente até, com o coração focado tão somente em tirar dali o seu sustento, mas também ia além, explorando pessoas que vinham com seus corações abertos para Deus, impondo-lhes preços abusivos, explorando-os economicamente.
O circo estava montado e o espetáculo se repetia dia após dia.
Aquele, porém, que observava o comportamento dos integrantes do grupo, percebeu, repito, que havia algo errado. Ele não entendia como errada a atividade desenvolvida pelo grupo. Era legítimo o serviço prestado a viajantes que vinham de longe e, portanto, seria mais cômodo para eles adquirir um animal no local do sacrifício, em vez de trazer consigo de lugares muita vez distantes.
Era legitimo, também, que auferissem algum lucro nesta venda, como pagamento pelo trabalho que realizavam. O problema não era a venda ou o lucro em si, mas a exploração indevida dos semelhantes, o desvio da finalidade.
Eles haviam perdido de vista que faziam parte de um processo cujo objetivo seria aproximar pessoas de Deus e não um fim em si mesmo, muito menos um fim através do qual pessoas seriam exploradas em sua pobreza.
Diante disso, ele tomou uma decisão. Se conversou antes ou não com algum dos seus discípulos, não sabemos. O fato é que entrou no templo, derrubou as mesas dos cambistas e as cadeiras dos comerciantes, denunciando que a finalidade do que faziam havia sofrido desvio e que sua ação de virar mesas e derrubar cadeiras era ato simbólico, pedagógico, necessário ao restabelecimento do propósito inicial do local e do serviço que prestavam.
Foi um “deus nos acuda” e não demorou o início de discursos espirituais. - “Não está vendo que as crianças estão gritando “hosana ao filho de Davi”? Falavam com tanta indignação que quem os ouvia acreditaria que, de fato, a preocupação deles seria de natureza espiritual, o interesse seria pelo desenvolvimento do Reino de Deus.
Ele manteve o diálogo no nível teológico, mas sabia que teologia, para eles, era apenas fachada. O que visavam mesmo era garantir o status quo, era manter a ordem vigente do jeito que estava, pois nela seu prestígio, seus poderes, seu ganha pão estavam garantidos.
Ele retirou-se do lugar, deixou a cidade e foi para Betânia. Não foi uma saída normal. Ele sabia que suas ações teriam um preço. Mas seu coração continuava em paz, pois sabia a quem, efetivamente, deveria agradar e o preço que pagaria por isso.


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Por uma igreja conservadora e progressista (3/3 final) (14.2.2020)


Como conciliar duas posturas que, em termos, seriam politica e ideologicamente opostas? Dissemos nos textos anteriores que isso é possível quando fazemos uma leitura da situação, avaliamos sua constituição e identificamos que elementos devem ser conservados e quais devem ser modificados, visando atender o bem comum.

Neste texto gostaria de propor uma reflexão que aponta uma outra forma de conciliar as posturas "conservadoras" e "progressistas" na vida de uma igreja. Refiro-me a relação dos termos "princípios" e "práticas" na caminhada comunitária.

Eliezer Arantes da Costa, em seu ótimo livro "Gestão Estratégica Fácil", escreve que princípios e valores "são pontos fixos - exatamente aqueles tópicos que não estamos dispostos a mudar". Ele diferencia princípios de valores dizendo que "é como se os princípios fossem os fundamentos de um edifício, ao passo que os valores seriam as cores e os acabamentos das paredes externas ou internas de um prédio: ambos são importantes, mas em natureza e graus são diferentes".

Parece paradoxal, mas "progressistas" também são conservadores. Eles também têm princípios e valores que sustentam suas práticas e os conservam com unhas e dentes, assim como os "conservadores".

Com boa vontade, muita humildade e diálogo (esses são exemplos de princípios e valores essenciais), conservadores e progressistas conseguiriam identificar que não são poucos, repito, os princípios e valores em torno dos quais há concordância.

Talvez a divergência maior esteja na defesa e aplicação prática deles em relação aos relacionamentos interpessoais e na estruturação legal e organizacional da vida em sociedade.

Parece-me que, por exemplo, ambos creem que amor, justiça e solidariedade deveriam ser, mais do que valores, princípios de vida. Divergem, entretanto, em como esses princípios devem ser aplicados nos relacionamentos e nas múltiplas estruturas em torno das quais a vida se desenvolve.

Então, se somos conservadores nesses princípios e valores, eles deveriam influenciar nossos esforços por diálogos que nos ajudem a aplicá-los à vida em coletividade, visando superar práticas nocivas.

Será que estou sonhando demais? Seria razoável essa minha percepção?

Por uma igreja conservadora e progressista (2) (6.2.2020)


Polarizações sempre existiram e sempre existirão. Reconhecer a existência delas é mais saudável do que negar. Nas narrativas bíblicas, como na história da igreja e das nações, elas sempre estão presentes, por causa de prestígio, propriedades, dinheiro, sexo, poder, ideologia, pensamento doutrinário, enfim. Basta usar lentes adequadas e, em quase cada página das Escrituras ou de histórias, enxergaremos evidências disso.

Isso não as legitima. Apenas demonstra o quanto somos movidos por instinto e o pouco que a razão espiritual é capaz de nortear nossas avaliações e escolhas.

Continuando a reflexão sobre o raciocínio do filósofo conservador inglês Roger Scruton que declara: "conservadores, segundo eu percebo, são pessoas que estão cientes do fato de que herdaram algo bom", e já tendo dito que algo bom, no contexto inglês do discurso dele, justificava ele ser conservador, mas no contexto brasileiro, os aspectos destacados por ele eram, em qualidade, diametralmente opostos, destaco um outro ítem que merece consideração: o conceito "bom".

Nas relações comerciais há um ditado que diz que "um negócio só é bom quando é bom para ambas as partes". Isso significa que, para que duas partes caminhem juntas, elas não apenas precisam ter clareza do significado do conceito bom, aplicá-lo corretamente a um dado objeto ou situação, mas também desejar que ambas as partes sejam beneficiadas, pelo que é bom, de maneira justa.

Quando uma parte está muito bem e, para conservar a situação, demonstra-se incapaz de perceber que a outra está muito ruim e, em condições opostas, uma outra, sofrendo muito, quer mudar (progredir) o quadro, a polarização se estabelece.

Isso, além de tornar-se um inferno para ambas, ainda cria um ambiente para torcedores fanáticos, extremistas. Uns são movidos por empatia, mas a maioria, movida por instinto animalesco, escolhe um lado e passa a jogar lenha na fogueira. São "aliados políticos" que se elogiam como "conservadores" e xingam a outra parte de "progressistas", ou vice versa.

Se, entretanto, desejamos ver ambas as partes se saindo minimamente bem na relação é essencial que, cientes do bem que se quer para todos, abra-se diálogos constantes e lute-se pela conservação do que é reconhecido como bom pelas partes e progrida-se em busca de alternativas através das quais se consiga sair do ruim para o bom, para todos.

Em tese, isso é fácil. Na prática, é um imenso desafio, pois os instintos, repito, falam mais alto do que a razão. Isso é triste, pois, se continuarmos nos agredindo com rótulos: conservadores ou progressistas; fundamentalistas ou liberais; direitistas ou esquerdistas; petralhas ou bolsomilicianos, a chance de chegarmos ao bom desejado diminue e o mau para todos vai aumentando seus espaços.

Por uma igreja conservadora e progressista (I) (30.1.2020)


Perguntaram ao conservador filósofo inglês Roger Scruton, o que seria ser conservador, e ele respondeu: "Conservadores, segundo eu percebo, são pessoas que estão cientes do fato de que herdaram algo bom. Uma ordem social; um sistema político; uma cultura; uma tradição jurídica; e elas querem permanecer com isso. E isso significa ser conservador: querer conservar coisas. Mas sabem que também tem que criar compromissos para fazer isso. Para elas a atual ordem existente é importante".

Pus-me a pensar em sua resposta e destaquei de sua fala o que considerei essencial: pessoas "cientes de que herdaram algo bom". Há, portanto, uma diferença entre "pessoas conservadoras" e "pessoas aliadas políticas de conservadores": a consciência de que herdaram algo bom.

Perguntei-me, então: seria conservadora uma pessoa que herdou algo ruim? Claro que não. Se é ruim, queremos mudar pra melhor. Conservar o que é ruim, seria patológico. Progredir do ruim para o bom é o desejo saudável.
Roger Scruton destaca como algo bom: "uma ordem social; um sistema político; uma cultura; uma tradição jurídica" e conclui: "e elas querem permanecer com isso".

A questão é que Roger Scruton vive na Inglaterra que tem, digamos, "uma ordem social; um sistema político; uma cultura; uma tradição jurídica" bons. Podemos dizer isso da realidade brasileira? Nossos indicadores de violência e distribuição de renda são bons? Nosso sistema político, eleitoreiro-clientelista, é bom? Nossa cultura endêmica de corrupção é boa? Nosso sistema jurídico que só consegue manter na cadeia, predominantemente, pobres e pretos é bom? Não. Logo, declarar-se conservador nesses quesitos, no Brasil, seria falta de consciência.

Quando penso numa igreja conservadora e progressista, penso numa igreja que não se declara uma coisa ou outra pra ser aceita como aliada de quem vive bem sendo o que é, mas numa igreja que sabe que há coisas boas que precisam ser conservadas, mas também há ruins que precisam ser modificadas. Sabe que é desejável progredirmos do ruim para o bom ou do bom para o melhor ou do melhor para o ótimo e que isso é ser progressista.

Penso numa igreja com senso crítico que a torna conservadora no que, efetivamente, precisa ser conservado e não se declara conservadora por ser subalterna, por querer agradar, a quem vive bem conservando aquilo que é bom pra si, em detrimento dos semelhantes que vivem "ao lado", na desgraça.

Em outras palavras, uma coisa é Roger Scruton, na Inglaterra, outra coisa, certamente, seria ele, no Brasil.

Então, antes de endeusarmos a nomenclatura "progressista" e demonizarmos a "conservador", ou vice versa, pensemos no significado dos termos e nos abramos a um diálogo avaliativo e respeitoso em torno de cada situação, visando conservar o bom e progredir do que é ruim para o melhor, para todos.

De volta a Jesus (9.1.2020)

Os céus proclamam a glória de Deus, nem por isso eles são Deus, nem por isso eles são iguais a Deus, nem por isso, muito menos, eles são maiores do que Deus. Deus é Deus; os céus, céus.

A Bíblia é um conjunto de livros a respeito de Deus, nem por isso ela é Deus, nem por isso ela é igual a Deus, nem por isso, muito menos, ela é maior do que Deus. Deus é Deus; a Bíblia, Bíblia.
"No princípio criou Deus os céus e a terra". Não foram os céus que no princípio criaram Deus. "No princípio era o logos (o sentido) e o logos estava com Deus e era Deus". Não era a Bíblia que no princípio estava com Deus e era Deus.

Não foram os céus que nos amaram e seu filho por nós doaram. Não foi a Bíblia que nos amou e seu sangue por nós derramou. Os céus, conquanto proclamem a glória de Deus, continuam sendo criaturas e Deus, seu criador. A Bíblia, conquanto revele Jesus, continua sendo criatura e Jesus, seu criador.

A Bíblia é um livro. Um livro é feito de palavras. Palavras são códigos criados por humanos. Humanos retratam percepções, idéias e sentimentos em palavras. Palavras são criaturas. Humanos são criaturas. Deus é o criador de humanos e suas palavras. É desvio, pecado, adorar e servir a criatura em lugar do criador.

Conquanto creia na inspiração da Bíblia, alimente forte respeito e amor por ela e dela não abdico em minha vida devocional, em minhas formulações ético-doutrinárias e em meu trabalho como pastor, líder e pregador, jamais poderia declarar, por exemplo, que a aceito como "meu único e suficiente salvador".

Conquanto reconheça ser ela a única fonte de informação a respeito do Senhor de quem recebi salvação, jamais a equipararia àquele que derramou seu sangue na cruz, em meio a profunda dor.

De fato, como escreveu o historiador batista Justo C. Anderson, não há unanimidade quanto a qual deve ser o princípio batista do qual os demais emanam, se o senhorio de Cristo ou a autoridade das Escrituras. É difícil separar Jesus da Bíblia e vice-versa. Isso, porém não os torna a mesma coisa. Um é o fim; o outro, meio. Um é o revelador; o outro, revelação. Um é o criador; o outro, criatura. Um é a origem; o outro, extensão.

A Bíblia é um registro em letras. Jesus é o significado desse registro. Letras podem matar, se o significado não for lúcido, se seu espírito não predominar. Se não reconheço o logos, o sentido, o significado Jesus, jamais entenderei, saudavelmente, o sentido das mensagens, dos princípios da Bíblia. Por isso, mais importante do que repetir o que a Bíblia diz é entender, clarear e proclamar seu significado.

Se apregoo a importância da Bíblia, o faço porque só nela encontro relatos da vida e ensinos do Senhor e Salvador. Se respeito a autoridade da Bíblia, o faço porque suas páginas são testemunho verídico a respeito da autoridade suprema que é Jesus, o Deus que se fez gente e habitou entre nós.

Não por acaso, os slogans mais famosos, utilizados pelos batistas brasileiros, nesses últimos 60 anos foram: "Jesus Cristo é a única esperança". Não a Bíblia. "Só Jesus Cristo salva". Não a Bíblia. "Jesus transforma". Não a Bíblia. Não por acaso, esses slogans estão em harmonia com a declaração clássica do primeiro pastor batista, John Smith, em 1610: "Só Cristo é rei e juiz da igreja e da consciência". Não a Bíblia.

Dai a Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira ser explicitamente cristalina: a Bíblia "deve ser interpretada sempre à luz da pessoa e dos ensinos de Jesus Cristo".

Estudemos, pois a Bíblia. Aprofundemos nosso conhecimento em sua história, seu conteúdo e em hermenêutica. Trabalhemos para que todos possam lê-la. Lembremo-nos, entretanto, de que tudo isso deve ser feito pensando em ajudar pessoas a conhecerem JESUS. É para Jesus que devemos olhar, pois ELE - não a Bíblia - é o autor e consumador de nossa fé. Ele deve ser o foco de nossa atenção e mensagem, seja em nossa educação teológica ou em nossos púlpitos. Ele é o nosso ponto de partida e de chegada. É para Jesus, portanto, que devemos voltar.
Em tempo: trocar Jesus pela Bíblia é o mesmo que trocar o remédio pela receita.

Sobre pastores e lobos (Por OSMAR LUDOVICO)


Pastores e lobos têm algo em comum: ambos se interessam e gostam de ovelhas, e vivem perto delas. Assim, muitas vezes, pastores e lobos nos deixam confusos para saber quem é quem. Isso porque lobos desenvolveram uma astuta técnica de se disfarçar em ovelhas interessadas no cuidado de outras ovelhas. Parecem ovelhas, mas são lobos.

No entanto, não é difícil distinguir entre pastores e lobos. Urge a cada um de nós exercitar o discernimento para descobrir quem é quem.

Pastores buscam o bem das ovelhas, lobos buscam os bens das ovelhas.

Pastores gostam de convívio, lobos gostam de reuniões.

Pastores vivem à sombra da cruz, lobos vivem à sombra de holofotes.

Pastores choram pelas suas ovelhas, lobos fazem suas ovelhas chorar.

Pastores têm autoridade espiritual, lobos são autoritários e dominadores.

Pastores têm esposas, lobos têm coadjuvantes.

Pastores têm fraquezas, lobos são poderosos.

Pastores olham nos olhos, lobos contam cabeças.

Pastores apaziguam as ovelhas, lobos intrigam as ovelhas.

Pastores têm senso de humor, lobos se levam a sério.

Pastores são ensináveis, lobos são donos da verdade.

Pastores têm amigos, lobos têm admiradores.

Pastores se extasiam com o mistério, lobos aplicam técnicas religiosas.

Pastores vivem o que pregam, lobos pregam o que não vivem.

Pastores vivem de salários, lobos enriquecem.

Pastores ensinam com a vida, lobos pretendem ensinar com discursos.

Pastores sabem orar no secreto, lobos só oram em público.

Pastores vivem para suas ovelhas, lobos se abastecem das ovelhas.

Pastores são pessoas humanas reais, lobos são personagens religiosos caricatos.

Pastores vão para o púlpito, lobos vão para o palco.

Pastores são apascentadores, lobos são marqueteiros.

Pastores são servos humildes, lobos são chefes orgulhosos.

Pastores se interessam pelo crescimento das ovelhas, lobos se interessam pelo crescimento das ofertas.

Pastores apontam para Cristo, lobos apontam para si mesmos e para a instituição.

Pastores são usados por Deus, lobos usam as ovelhas em nome de Deus.

Pastores falam da vida cotidiana, lobos discutem o sexo dos anjos.

Pastores se deixam conhecer, lobos se distanciam e ninguém chega perto.

Pastores sujam os pés nas estradas, lobos vivem em palácios e templos.

Pastores alimentam as ovelhas, lobos se alimentam das ovelhas.

Pastores buscam a discrição, lobos se autopromovem.

Pastores conhecem, vivem e pregam a graça, lobos vivem sem a lei e pregam a lei.

Pastores usam as Escrituras como texto, lobos usam as Escrituras como pretexto.

Pastores se comprometem com o projeto do Reino, lobos têm projetos pessoais.

Pastores vivem uma fé encarnada, lobos vivem uma fé espiritualizada.

Pastores ajudam as ovelhas a se tornarem adultas, lobos perpetuam a infantilização das ovelhas.

Pastores lidam com a complexidade da vida sem respostas prontas, lobos lidam com técnicas pragmáticas com jargão religioso.

Pastores confessam seus pecados, lobos expõem o pecado dos outros.

Pastores pregam o Evangelho, lobos fazem propaganda do Evangelho.

Pastores são simples e comuns, lobos são vaidosos e especiais.

Pastores tem dons e talentos, lobos tem cargos e títulos.

Pastores são transparentes, lobos têm agendas secretas.

Pastores dirigem igrejas-comunidades, lobos dirigem igrejas-empresas.

Pastores pastoreiam as ovelhas, lobos seduzem as ovelhas.

Pastores trabalham em equipe, lobos são prima-donas.

Pastores ajudam as ovelhas a seguir livremente a Cristo, lobos geram ovelhas dependentes e seguidoras deles.

Pastores constroem vínculos de interdependência, lobos aprisionam em vínculos de co-dependência.

Os lobos estão entre nós e é oportuno lembrar-nos do aviso de Jesus Cristo: “Guardai-vos dos falsos profetas, que vêm a vós disfarçados em ovelhas, mas interiormente são devoradores (Mateus 7:15).

Regência e pastoreio (27.12.2019)


Nesse Natal voltei a cantar em coral. Depois de um período sabático por escolha própria, Deus me deu o privilégio de retomar à vida pastoral numa igreja cujo número de membros é menor do que o de coristas de um dos corais de igrejas que já pastoreei. Então coloquei-me à disposição para cooperar com o coro, em algumas músicas para o Natal.

Cantando no coral, ficava observando o trabalho da regente. Ela, certamente, tinha em mente onde queria chegar. Mas o caminho nem seria curto, muito menos fácil. Ensinar a voz de cada um. Afinar cada uma às notas das músicas e às vozes diversas. Treinar, repetindo infinitas vezes, visando a auto-confiança. Trocar a tensão do rosto aprendiz pelo riso espontâneo de quem sabe o que está fazendo. Cantar, cantar e cantar, até alcançar harmonia.

Pregando recentemente em uma igreja grande, um líder veio falar comigo após o culto, de forma veemente, que eu deveria ser pastor de igreja maior. Respondi que já tinha sido pastor de várias igrejas grandes e isso era algo muito bem resolvido em meu coração. Ser pastor me basta. Sinto-me muito feliz pastoreando em Casa Forte. Sinto-me como um regente iniciando a preparação de uma cantata.

Sim, como um regente que sabe onde quer chegar, assim pastoreio. Trabalho para que minha vida e a dos que estão sob meus cuidados pastorais estejam empenhadas em viver em harmonia com os valores do reinado de Deus expressos na vida de Jesus de Nazaré, conforme descrito nas Escrituras que os revelam.

Quanto aos aspectos institucionais da igreja, eles se tornam detalhe diante do desafio que é trazer as marcas de Jesus no corpo. Se as marcas de Jesus forem fortes, fazer boa liturgia, viver em comunhão, praticar o discipulado, realizar a proclamação, exercitar o serviço, administrar, enfim, são apenas conseqüências, questão de aprendizado, tempo, dedicação.

Se a igreja for espiritualmente saudável, crescimento é conseqüência, não obsessão. Se não for, grandeza será apenas manifestação de poderio político-econômico, sem efetiva relevância sócio-espiritual.

Isso, sem perder de vista as palavras paulinas: “...nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento... porque nós somos cooperadores de Deus.” (1 Coríntios 3:7-9). Ele é o regente; nós, coristas. Ele é o pastor; nós, ovelhas.

O verdadeiro Natal (22.12.2019)


Reconheço um quê de pretensiosidade na expressão “o verdadeiro natal”. Não por pressupor que existam falsos natais, o que é facilmente aceitável, mas por dar a impressão de que uma pessoa ou instituição seria capaz de deter o conhecimento absoluto da totalidade de um fenômeno que é multifacetário. Se não ficou claro, explico:
Verdade é um fenômeno, um fato único, irrepetível. São tantas as variáveis envolvidas quando o fato ocorre que o que fica dele são testemunhos, narrativas do fato, da verdade.
Verdade é o fato. O que sobra dele são narrativas. Se várias pessoas testemunharem um mesmo fato, a memória de cada uma registrará elementos diferentes, seja pela diferença no órgão de sentido utilizado (visão, audição, olfato, paladar e tato), seja pela qualidade desses órgãos de sentidos ou dos neurônios que conduzem a informação ao cérebro, seja pelas qualidades do próprio cérebro, seja pela posição geográfico-temporal da testemunha (tempo e distância em relação ao ocorrido), enfim.
A verdade é que, seja por qual variável for, não é difícil compreender e concluir que uma coisa é o fato, o fenômeno, outra é a percepção que testemunhas têm dele e outra, ainda, é a capacidade delas de narrar, seja de forma oral ou escrita, o que testemunhou.
O nascimento de Jesus é um fenômeno, um fato extraordinário. Foi percebido por poucas pessoas. As narrativas disponíveis, de Mateus, Marcos, Lucas e João, não são de pessoas que estavam presentes quando os fatos se deram. Por pressuposto teológico, cremos que esses narradores foram inspirados, cada um através dos meios utilizados, para organizar suas narrativas.
A nós, que também não estávamos lá, cabe crer ou não que as narrativas são relato fiel do ocorrido. Dessa forma a narrativa passa a ser a verdade, o "fato" no qual somos convidados a conhecer, crer, refletir e aplicar, permitindo que nossas vidas sejam afetadas e assim experimentemos uma nova relação com Deus, um novo sentido, a “salvação”.
Ao escolhermos a expressão: “o verdadeiro Natal”, pretendemos apenas destacar facetas das narrativas que não abarcam o todo do fenômeno, mas que afetam nosso modo de viver hoje a partir do contato com a vida do nascido, a razão de ser do natal, o menino de Nazaré que nasceu numa estrebaria.

Referenciais para uma igreja graciosa (13.12.2019)


Você pode concordar mais ou menos, mas estes pontos merecem nossa reflexão, aprofundamento e prática, se desejarmos ser igreja graciosa:
1. Uma igreja cujos membros conseguem diferenciar o evangelho da graça de Jesus Cristo da cultura judaica e do legalismo de "Moisés";
2. Uma igreja cuja relação com Bíblia não seja "bibliólatra", mas seja vista como essencial, pois, como palavra inspirada, ela nos revela a razão de nossa existência e esperança, que é Jesus, o Cristo;
3. Uma igreja cujos membros desenvolvem predisposição para amar e servir e não para controlar e explorar o outro;
4. Uma igreja cujos membros enxerguem não somente suas necessidades institucionais, mas sobretudo as humanas;
5. Uma igreja cujos membros compreendem que ela existe não apenas para que eles se abençoem mutuamente, mas também para abençoar os que não caminham com ela ou com ela caminhem, ainda que transitoriamente;
6. Uma igreja cujos membros se enxerguem não como um rebanho trancafiado em um curral cuja chave está nas mãos do pastor, mas como pessoas que exercem, consciente e responsavelmente, sua liberdade conquistada em Cristo;
7. Uma igreja cuja compreensão de relevância não esteja vinculada aos espaços políticos que ocupa ou ao prestigio social que usufrui, mas às lutas com as quais se envolve em função dos valores do reinado de Deus manifestos em Jesus;
8. Uma igreja cujo paradigma missionário não seja "conquistar" vidas para Cristo, mas "cuidar" de vidas para Cristo;
9. Uma igreja cujos membros se empenhem por entender o modo de ser dos moradores do lugar onde está sua sede e estejam com seus corações abertos para abençoá-los;
10. Uma igreja cujos membros se norteiem pela recomendação paulina: "todos os vossos atos sejam feitos em amor" (I Cor. 16:14) e não se esquecem dos empobrecidos, conforme recomendação da liderança da Igreja de Jerusalem (Gal. 2:10).

Um chamado ao serviço


Vivemos um tempo em que tudo virou mercadoria, tudo virou objeto de troca por dinheiro. O dinheiro está entronizado, assumiu o lugar do divino no planeta. Pouco se faz sem que se estabeleça um preço em dinheiro. Portanto, falar em servir sem a intermediação de Mamon torna-se cada dia mais uma utopia.

Um dos efeitos colaterais dessa cultura é a coisificação do ser. O humano deixa de ser humano e torna-se objeto. Seu valor transcedental deixa de existir e passa a ser visto como objeto descartável. Manter-se um humano vivo deixou de ser valor social e passou a ter valor puramente econômico, cujo benefício ou prejuizo gira apenas em função do custo-benefício financeiro.

O sentimento de menos valia toma conta de número cada vez maior de individuos, a tristeza e a desesperança imperam, a depressão e a violência prosperam.

Diante desse quadro, não enxergo outra saída senâo o retorno ao divino que se manifestou em Jesus de Nazaré. A conversâo da idolatria ao material à submissão ao Cristo de Deus. Esse é o caminho da restauração do valor do ser sobre o ter. Essa é a trilha da recuperação da saúde individual e coletiva, pessoal e social.

Estamos convidando os membros da IBem Casa Forte a se disponibilizarem para o serviço em favor do outro que não se concretiza exclusivamente pela intermediação do dinheiro, mas sobretudo pela compreensão de que, através de relacionamentos marcados por amor, solidariedade e fraternidade, brota a saúde necessária para uma vida mais saudável e feliz.

Sigo pela fé ou peço sinais? (12.10.2019)

Comecei a refletir sobre o conceito fé na adolescência e recebi algumas influências de palestras do Pr. Massatero Enoue (?), em encontros de jovens do Departamento de Mocidade Batista da Associação Centro do Estado de São Paulo. Com ele iniciei a compreensão de que a busca por sinais revelaria a fragilidade da fé e que, quanto mais amadurecida a fé, menos precisaríamos de sinais.

Com as encruzilhadas da vida, porém, fui aprendendo que nem sempre a realidade se encaixa nos conceitos; que uma coisa é o conceito, outra a aplicação dele em contextos específicos, objetivos, especialmente obscuros, de profunda pressão, de escolhas do tipo: "se correr o bicho pega, se ficar o bicho come"; que a razão é essencial, mas ninguém é tão maduro espiritualmente a ponto de nunca agir como Gideão.

Só pra recordar: “E Gideão disse a Deus: “Quero saber se vais libertar Israel por meu intermédio, como prometeste. Vê, colocarei uma porção de lã na eira. Se o orvalho molhar apenas a lã e todo o chão estiver seco, saberei que tu libertarás Israel por meu intermédio, como prometeste”. E assim aconteceu. Gideão levantou-se bem cedo no dia seguinte, torceu a lã e encheu uma tigela de água do orvalho.

Disse ainda Gideão a Deus: “Não se acenda a tua ira contra mim. Deixa-me fazer só mais um pedido. Permite-me fazer mais um teste com a lã. Desta vez faze ficar seca a lã e o chão coberto de orvalho”. E Deus assim fez naquela noite. Somente a lã estava seca; o chão estava todo coberto de orvalho.” (Juízes‬ ‭6:36-40‬)

É isso. Compreender o conceito fé é bom. Melhor, porém, é saber lidar com ele diante das alternativas que nos encurralam e nos desafiam. Há contextos nos quais melhor é assumir: ela é frágil, imatura e precisamos de sinais. Ora mais, ora menos. Uns mais, outros menos...

Ter fé é bom e necessário. Ter alternativas de escolha, mesmo sob pressão, é melhor do que não tê-las. Decidir, porém, muita vez exige que fiquemos entre a fé e os sinais. Como cada um sabe "onde aperta o seu sapato", cada um segue seu coração, de preferência, recomendo, em oração. Eu mesmo, algumas vezes, fico indeciso: sigo pela fé ou peço sinais?

Voltando a postar

Depois de mais de um ano, reapareço para fazer postagem por aqui...

segunda-feira, 1 de julho de 2019

Relações trabalhistas no ministério pastoral batista

Uma pessoa me questionou: por que pastores batistas nada falam sobre as mudanças na legislação trabalhista?

Simples.

1. Pastor batista não tem carteira de trabalho;

2. Pastor batista não é subordinado às leis trabalhistas;

3. Pastor batista não tem estabilidade no "emprego";

4. Pastor batista, quando muito, negocia com a igreja local suas condições de trabalho (e da parte que representa a igreja nas decisões salariais, há generosos e mesquinho, há patrões e empregados, há desempregados e super bem empregados, há de direita e de esquerda, há economicamente conservadores e liberais, enfim, e poucos se interessam em avaliar a complexidade da instituição e do trabalho pastoral);

5. Férias, 13o,  Fundo de Garantia, Plano de Saúde, INSS, tudo precisa ser acordado entre as partes;

6. A relação entre um pastor e uma igreja batista pode ser rompida  pelo simples desejo de uma das partes;

7. Não existe indenização demissória, exceto se tiver sido acordada no início da caminhada;

8. Pastor batista nem entra com ação na justiça do trabalho porque seu trabalho não é considerado profissão, mas sacerdócio;

9. Há pastor batista com salário (prebenda) digno, mas a maioria vive em condições salariais semelhantes a da maioria empobrecida da população brasileira;

10. A relação de trabalho entre um pastor  e uma igreja batista é classificada como ultraliberal.

Se isso é bom ou ruim, seria outro assunto. Mas é assim. 

Talvez por isso as discussões sobre desregulamentação  das relações de trabalho no Brasil não provocam reações significativas da parte pastoral batista.