sexta-feira, 31 de julho de 2009

Escândalo nos Correios (2005)

Estamos, mais uma vez, diante de um gigantesco escândalo envolvendo lideranças nacionais. Como sempre, os políticos são os únicos que aparecem como vilões. A classe empresarial corrupta, principal beneficiária da corrupção, bem como funcionários públicos envolvidos, raramente aparecem. E nós, eleitores, geralmente negamos nossa responsabilidade na história.

Há quem se aproveite do escândalo para descarregar sentimentos contrários ao PT, visando fortalecer, subliminarmente, candidatos adversários à presidência. Outros reafirmam que o mundo jaz no maligno e que todo esforço anticorrupção é vão, já que “nossa esperança está no céu”. Outros, desencantados, desesperançados, destilam uma mistura de cinismo e ironia, vangloriando-se do acerto de seus sentimentos frente aos rumos do país. Outros, ainda, simplesmente discursam em favor da ética, numa espécie de masturbação intelectual que nada produz além do prazer ao orador.

De tanto ouvir, há quase cinqüenta anos, que a solução estaria na conversão de cada brasileiro ao evangelho, mas, acompanhando o crescimento “evangélico” e não percebendo sinais de mudanças na realidade, me ponho a perguntar: seria a postura ética, suficiente para mudar os rumos do país?

Acredito na ética como essencial a mudanças. Digo também, que considero equívoco classificar-se como evangélicos alguns segmentos religiosos não católicos que apresentaram crescimento na última década. Digo ainda que acredito na possibilidade de mudanças no Brasil, diante da experiência de outros países de cultura não protestante ou cristã. O que não acredito é que, para mudanças ocorrerem, seja suficiente se conduzir eticamente, da forma defendida por nós evangélicos.

Mais do que se conduzir eticamente é fundamental que os cristãos sejam estimulados, por exemplo, não somente a escolherem criteriosamente os candidatos apresentados pelos Partidos, mas a filiarem-se a Partidos para participarem dos processos que definem quem serão os candidatos. Partidos dominados por corruptos têm poucas chances de produzirem candidatos honestos.

Não basta se conduzir eticamente para mudar os rumos das coisas. Organizamos eventos que reafirmam valores, mas não discutem alternativas técnicas exeqüíveis para aperfeiçoarmos as estruturas das instituições sociais, de forma que tais valores sejam viabilizados. Está na hora de organizarmos encontros não mais para afirmarmos valores, mas para discutirmos que conhecimentos são necessários para influenciarmos na reestruturação das instituições sociais a fim de que elas sirvam ao bem estar coletivo e não à corrupção ou manutenção de injustiças.

Acredito ainda ser insuficiente se conduzir eticamente, desinformados de que não há mudanças sociais, sem desgastes políticos. Nos tornamos, como igreja, especialistas em cultivar grãos de trigo que não germinam por não serem estimulados a morrerem. “Se o grão de trigo, caindo em terra, ficar só, não dará fruto, mas se morrer...”.

Levantamos bandeiras que tratam do corpo, da sexualidade, da família ou lazer, mas sequer refletimos sobre o efeito da política, da educação, da economia sobre a ética dessas áreas. Quantos levantam bandeiras ligadas à ética na economia ou política. Seria por ignorância ou por comodidade? Seria receio de enfrentar e confrontar interesses poderosos?

Acredito, finalmente, ser insuficiente se conduzir eticamente sem superarmos o sentimento de inferioridade que nos caracteriza socialmente como evangélicos e sem acabarmos com deslumbramentos, encantamento até, diante da presença, em nossas igrejas, de pessoas que ocupam cargos de prestígio ou poder na sociedade.

Tais pessoas, como todo cristão, precisam ser desafiadas a aprofundarem seus conhecimentos das áreas em que atuam, a fim de que influenciem no aperfeiçoamento de suas estruturas organizacionais, em benefício da ética social. Precisam ser estimuladas a agirem eticamente sim, mas também a conhecerem em profundidade o papel social da organização e a se exporem ao desgaste político, se for o caso, a fim de que mudanças aconteçam.

Minha tese, portanto, é que mudanças sociais não acontecerão enquanto estimularmos a ética individual dissociada da social, do conhecimento, especialmente relativo à instituição em que atuamos, e da disposição para desgastar-se. O resto é passatempo religioso!

Elaboração de Estatuto: Quem deve participar? (2005)

Não são poucas as pessoas que detestam discussões sobre Estatuto. Para elas, trata-se de assunto sem graça que tem a ver somente com profissionais do Direito. É que a forma como se conduz o tema em nosso meio, fortalece a impressão de que se trata exclusivamente de “assunto técnico-jurídico”, portanto, de alçada exclusiva de “advogados”.

Declarar o assunto como sendo “técnico” pode ser uma expressão de autoritarismo. É comum lançar-se mão da expressão “assunto técnico”, sempre que a participação das pessoas, em discussões, coloca em risco as idéias que defendemos. Além disso, como bacharéis em Direito não são ética, política, organizacional e administrativamente neutros, sua influência na elaboração de Estatutos acaba sendo muito mais do que “técnico-jurídica”.

Não negamos que o assunto exige muito de conhecimento jurídico. Apenas discordamos da idéia de que o elemento “técnico-jurídico” seja usado para privilegiar meia dúzia de iluminados. Na verdade, um Estatuto envolve mais do que adequar uma instituição a exigências legais. Por isso, trago à tona algumas coisas que não se tem enfatizado sobre elaboração ou reforma de Estatuto.

Não se enfatiza que, em Estatuto, se define a Missão da instituição. A definição de Missão, numa instituição batista, deve ter fundamentação teológica sólida, fato que exige conhecimento razoável de Bíblia, uma vez que abraçamos o princípio Protestante da autoridade bíblica em questões de doutrina e prática.

Não se enfatiza que, em Estatuto, se define valores fundamentais da instituição. Deixar claros os valores da instituição deve anteceder à redação estatutária. Numa instituição batista um Estatuto deve refletir valores como, por exemplo, democracia, transparência, responsabilidade individual, austeridade, justiça... Assim, antes de iniciar-se a redação de um Estatuto, os membros da instituição devem definir que valores desejam ver implícitos nas cláusulas. Isso tem a ver com ética, filosofia, teologia...

Não se enfatiza que, em Estatuto, se define quem pode e o que pode, isto é, como se darão as relações de poder na instituição. Ao definir como a direção será exercida, define-se quem terá poder, qual será sua extensão e profundidade e os caminhos para exercê-lo. Define-se, então, a relação de poder justamente no mais importante da instituição: o comando geral. Assim, antes de redigir-se o texto, deve-se definir como se darão as relações de poder, isto é: serão democráticas? Participativas? Descentralizadas? Isso pertence à categoria da política.

Uma das razões da permanente discussão estatutária em nossas assembléias convencionais, não se deve ao vicio de alguns ou à incompetência dos líderes, mas ao fato de sermos uma denominação democrática, na qual as relações de poder são freqüentemente testadas, inclusive pelo surgimento de novos atores, fato que exige ajustes constantes. Daí porque, cada vez mais, se persegue Estatuto “enxuto”, deixando para Regimento Interno a maior parte das questões da instituição.

Não se enfatiza que, em Estatuto, se define a estrutura organizacional da instituição, no mínimo nos dois ou três primeiros níveis e se indica como será tratado o restante do empreendimento. Ele define se terá uma Assembléia geral, se terá uma diretoria ou um conselho ou os dois e como será a linha hierárquica que caracterizará as relações de gerenciamento entre os níveis. Assim, antes da elaboração do texto, as partes interessadas devem visualizar a estrutura geral da instituição.

Não se enfatiza, finalmente, que, em Estatuto, se define como e por quem a instituição será administrada. Não estou falando em nome de pessoas, mas a que função ou órgão caberá a responsabilidade da administração. Será um pastor? Um diácono? Uma diretoria? Um Conselho? Por isso, antes da redação, deve-se definir a questão da administração.

Diante do exposto, percebe-se que, na elaboração de Estatuto, exige-se a presença de pessoas com formação em diferentes áreas do conhecimento e não somente do Direito. Dela devem participar, pelo menos, quem entenda de teologia, ética, política, estrutura organizacional e administração pois, antes da questão jurídica, repito, é essencial que se esclareça qual será a Missão, quais serão os valores, como se darão as relações de poder e como será o formato da organização e administração.

Divórcio (2005)

Sob o título “evento para ajudar católicos a redescobrirem sua fé”, o jornal West Boca Times, que circula no Sul da Flórida, destacou a desinformação dos fiéis, em torno da possibilidade de retornarem à Igreja Católica, depois do divórcio e novo casamento, como uma das causas de afastamento da igreja.

Como divórcio é assunto que incomoda muita gente, gostaria de pensar sobre ele, dizendo inicialmente que, se divórcio fosse bom, faríamos propaganda para que todos se divorciassem. Divulgaríamos seus benefícios por todos os meios. Não fazemos isso porque sabemos que separação é precedida ou seguida de processo doloroso. Geralmente, uma ou mais das partes – marido, esposa ou filhos - sofre desconfortáveis conseqüências. Assim sendo, não há porque estimulá-lo.

O fato, porém, de acreditarmos que ele não seja, via-de-regra, uma coisa boa, não significa que não seja justo ou, até, necessário. Tanto é assim que Moisés, Jesus e Paulo, cada um em seu contexto histórico, o admitiram.

Moisés percebeu que separação era uma realidade da qual, muita vez, não se poderia fugir. Diferente do profeta ou filósofo que discursa em prol do ideal e raramente testa a praticidade de seu discurso em situações concretas, o administrador e legislador cuida do mundo real. Por isso, creio, Moisés optou pela regulamentação do divórcio.

Regulamentação do divórcio não é causa de divórcio. Apenas possibilita minimizar os efeitos maléficos de relacionamentos inadequados e separações injustas para as mulheres, como no caso dos tempos de Moisés. ( Dt. 24.1-4).

Jesus não era legislador, legalista, nem expôs detalhadamente seu pensamento sobre o divórcio, mas, segundo Mateus, expressou-se sobre o assunto. Ao ser desafiado a posicionar-se diante das alternativas discutidas em seu tempo, seu parecer foi que qualquer motivo não seria motivo para separação. “Pornéia”, porém, seria um justo motivo, uma justa exceção. (O termo grego “pornéia”, traduzido, por exemplo, como imoralidade sexual, adultério ou infidelidade, merece aprofundamento por seus vínculos culturais). (Mt. 5.31).

Ao reconhecer tal exceção, ele não o fez indicando a separação como obrigatória, muito menos emitiu juízo de valor, dizendo ser, o divórcio, a melhor ou pior saída. Seus ensinos nos levam a crer que ele sabia que, até mesmo diante de “pornéia”, o reinício seria possível. Bastava haver sinais de arrependimento, de um lado, e capacidade para perdão, do outro. Porém, se as circunstâncias fossem desfavoráveis a isso, a separação, por “pornéia”, seria justa.

Paulo reconhece uma outra exceção: diferença religiosa. Para ele, o fato do cônjuge incrédulo rejeitar o cristão, legitimaria o divórcio. Conquanto não tenha recomendado a separação por incompatibilidade religiosa, ele reconheceu sua legitimidade. (I Cor. 7.10-15)

Se Moisés, Jesus e Paulo reconheceram exceções, à luz de seus contextos, e se novos contextos geram novas situações que exigem novas respostas, certamente nossa postura não deveria ser diferente. O problema é que as leitoras bíblicas, por falta de aprofundamento hermenêutico, transformam textos isolados em lei, que não admitem exceção. Esse tipo de hermenêutica literalista, legalista e farisaica, porém, seria tema para outra conversa.

Diria, ainda, que, o fato de acreditarmos que divórcio não seja uma boa coisa, não significa que o divorciado deva ser discriminado. Divorciado não é cidadão, muito menos seria cristão, de segunda classe. Os obstáculos que enfrentou em sua vida não são piores do que os que enfrentamos em nossas.

A solução encontrada para seus problemas não são piores, nem melhores, do que as que encontraríamos para os nossos. São soluções diferentes, porém adequadas às possibilidades que seu contexto de vida permitiram. Por isso, o divorciado deve ser acolhido, amado, auxiliado, restaurado e reconduzido à direção de vida que anunciamos, caracterizada por uma relação sincera com Deus, apesar das limitações que a vida nos impõe.

Quanto ao novo casamento, é óbvio que a graça de Deus nunca seria parcial. Se a separação for único remédio, saída menos ruim, não haveria porque permitir o divórcio e impedir novo casamento. A não ser para aqueles que, por ignorância, maldade ou preguiça intelectual, se guiam por um literalismo bíblico cruel. Esses seriam capazes de recomendar a execução de adúlteros (Lev. 20.10), mas, jamais, o divórcio!

Discipulador ou guru? (2005)

Não há dúvidas: a instrução de Jesus dada aos onze seguidores é que deveriam ir e fazer “discípulos de todas as nações” (Mt. 28.16-19). Ainda que o texto em si não o declare, a missão seria para todos os cristãos e não só para eles. Como Jesus disse “o que”, mas não detalhou “o como”, a nós compete definir modo e conteúdo do discipulado.

Por não estar explícita no texto, a definição de metodologia e conteúdo do discipulado fica a critério da escolha de cada um. Assim, se a pessoa ou quem a orienta, não contar com um razoável preparo bíblico-teológico, erros podem ser cometidos pois, tanto para a metodologia, quanto para o conteúdo, encontramos pelo menos duas opções.

Quanto à metodologia: 1) pode-se permitir que o discípulo reflita sobre a vida e ensinos de Jesus e decida-se por si só a aplicação prática e os caminhos a seguir; 2) pode-se exigir obediência incondicional (ainda que sutilmente), transformando-se o discípulo num mero reprodutor das percepções do discipulador.

Quanto ao conteúdo: 1) pode-se trabalhar a vida e ensinos gerais de Jesus, deixando-se por conta do discípulo a aplicação deles às situações concretas; 2) pode-se reproduzir, de forma autoritária, a compreensão cultural do discipulador, descendo-se a detalhes de crenças e modo de agir sobre os quais o próprio Jesus não teria se pronunciado explicitamente.

Se adotarmos as alternativas de número dois, de ambas as questões, não seremos discipuladores, mas gurus; seremos “instrutores particulares de religião e guias espirituais”, como no hinduísmo. No cristianismo os discípulos devem ser de Jesus e não nossos; devem ser, em Cristo, construtores ativos e não passivos de sua própria relação com Deus.

Se tudo o que se sabe sobre Jesus está disponível igualmente para todos, no Novo Testamento, ambos – discípulo e discipulador – têm acesso em condições de igualdade, tanto ao modo, quanto ao conteúdo do discipulado. A diferença entre um e outro está nas experiências que têm com Jesus e nos conhecimentos construídos em torno dele. Portanto, o discipulador deve se diferir do guru pelo fato de ser um facilitador na compreensão dos ensinos de Jesus e não um reprodutor de sua forma particular de ver e viver a vida.

Os discípulos não são nossos, mas de Jesus. É em Jesus, portanto, que devemos nos inspirar ao definir modo e conteúdo do discipulado. É o caráter de Jesus que deve servir de referência para nós e não o do discipulador. Se não estabelecermos esse critério de forma objetiva, corremos o risco de ficarmos à mercê de construções subjetivas ou de “revelações” atribuídas ao Espírito Santo.

Tais construções resultam mais do histórico cultural do discipulador do que de reflexão bíblico-teológica profunda. Quanto às “revelações”, na maioria dos casos, não passam de instrumento de imposição de vontade e de dominação sobre o semelhante, uma vez que seus “médiuns” não aceitam que sejam questionadas, como bem nos ensinam Paulo e João (I Ts. 5.19-22; I Jo. 4.1) e como faziam os bereanos (At. 17.11).

Armas de fogo (2005)

Voto sim, mas com reservas!
Não tenho, nem nunca tive arma de fogo. Arrepio-me só de tocar numa e jamais faria apologia em seu favor, especialmente como meio de proteger-se da violência. Sou contrário ao seu uso e defensor da paz. A última vez que me envolvi emocionalmente numa briga corporal foi na porta da escola, por volta dos oito anos de idade, para provar aos colegas que poderia vencer um garoto com o dobro do meu peso.

Reconheço, entretanto, que, no meu caso, a opção por votar SIM no plebiscito do próximo dia 23, é muito mais movida pelo coração do que pela razão. Um coração que sempre foi alimentado a promover a paz, a incentivar a vida, reage naturalmente a qualquer possibilidade, mesmo simbólica, que esteja associada a brigas ou morte. Mas, admito, há diversas questões para as quais ainda não encontrei respostas capazes de apaziguar minha razão.

Se por um lado, o texto do Estatuto do Desarmamento me pareceu ser suficiente, por outro, documentos da Unesco a respeito dos índices históricos de mortes por armas de fogo não deixam clara a relação do comercio legal de armas com tais índices. O que percebi, inclusive lendo documentos disponibilizados por órgãos de segurança pública, é que as mortes registradas são, em sua maior parte, praticada com armas roubadas e não pelos proprietários legais de armas. Em outras palavras, o problema não estaria no comércio, mas na marginalidade que campeia o Brasil.

Se o objetivo da possível proibição do comércio de armas de fogo é reduzir o número de mortes e a informação que se tem é que, na maioria absoluta dos casos, as mortes são produzidas por portadores ilegais e não por armas compradas ilegalmente, qual seria o efeito da proibição? Tal proibição não estimularia mais um tipo de contrabando? Não bastaria, então, a aplicação rigorosa do Estatuto do Desarmamento e fiscalização sistemática?

Se o objetivo é reduzir mortes através de proibições radicais, não seria o caso, também, por uma questão de coerência, de proibir-se a venda de bebidas alcoólicas, por exemplo, responsável por índices tão elevados de mortes, especialmente no trânsito?

Ainda que esteja convicto de ser ilusão pensar que pessoa armada está mais protegida do que desarmada, será que, enquanto a incerteza de que as pessoas estão armadas produz receio nos bandidos, a certeza de que a sociedade está desarmada não os tornaria mais ousados?

Todos sabemos que existência de lei não resolve problemas em nosso país. Veja o caso das drogas, do aborto e do jogo do bicho. São ilegais, mas estão presentes na vida da população. A falta de fiscalização e de agilidade na punição, bem como a impunidade, principalmente para com os que têm dinheiro, alimenta o desrespeito à lei e provoca mais violência do que a venda legal de armas.

Conquanto a possibilidade de responder SIM ao plebiscito produza catarse emocional e, por isso, sensação de paz no coração, receio que, com a continuidade dos índices de morte por arma de fogo, a decepção posterior aumente em função da existência de mais uma proibição legal não coibida na prática.

Chego a pensar que, diferente da campanha de recolhimento de armas, estamos investimos nosso dinheiro e energia em algo – o plebiscito - cujo resultado poderá não se justificar. Estamos investindo com estardalhaço no combate a sintomas, sem que se perceba iniciativas públicas, no combate às causas da violência.

Votarei pelo SIM, mas com reservas. Espero, porém, que qualquer que seja a decisão da maioria, continuemos em busca de soluções adequadas ao problema da violência (inclusive a violência da intolerância intra e inter-religiosa), investindo num continuo estímulo à cultura da paz.

Atentados em Londres (2005)

"Aqueles engajados em terrorismo devem se dar conta de que nossa determinação em defender nossos valores e nosso modo de vida são maiores do que a determinação deles em matar inocentes em uma tentativa de impor sua visão ao mundo". (Tony Blair)

O mundo assistiu perplexo, no último dia 07 de julho, mais uma ação terrorista de grandes proporções. Depois dos ataques realizados nos Estados Unidos e Espanha, a vez agora foi da Inglaterra. Foram registradas dezenas de mortos e centenas de feridos. O pior é que os possíveis países-alvo dos próximos ataques - aqueles que apóiam ações políticas e militares dos Estados Unidos fora de suas fronteiras, especialmente no Iraque – já vivem a angústia de saber que poderão ser a próxima vítima.

Somos contra todo e qualquer ato terrorista, sejam eles praticados por organizações não governamentais ou por governos reconhecidos internacionalmente. Entenda-se aqui por atos terroristas, todo tipo de ação, previamente avisada ou não, que cause terror, medo, desespero, angústia, desestabilização, enfim, principalmente na vida de civis inocentes, de qualquer gênero ou idade.

Por isso, antes de qualquer outra reflexão, registramos nossa solidariedade às vítimas de Londres, como já fizemos em relação às do World Trade Center, da Espanha, do Afeganistão, Iraque, enfim. Outrossim reafirmamos nosso compromisso de lutar pela construção de um mundo amoroso, justo, livre, pacífico, honesto, democrático...

Não poderíamos, porém, deixar de refletir nas palavras do líder político inglês, Tony Blair, destacando como podemos encontrar nelas, a raiz das guerras e dos atentados terroristas.

Ele afirma que a determinação daqueles que ele representa é maior do que a daqueles que “matam inocentes em uma tentativa de impor sua visão de mundo”. Ora, as ações de Blair e seus representados também têm feito milhares de vítimas inocentes. Ou será que os ataques ao Iraque atingiram somente pessoas más? Tony, num jogo de palavras, passa a impressão de que a defesa de seus “valores e modo de vida” não fazem vítimas inocentes. Fazem sim, e como fazem!

Além disso, a disputa por impor uma visão de mundo não é de um lado só! A causa das guerras, dos terrorismos é justamente a tal defesa determinada, a tal disputa pela imposição ou manutenção, de “valores e modo de vida”. Se, em vez de simplesmente defender seus “valores e modo de vida”, os representados por Blair fossem capazes de refletir sobre que valores são esses e quais são seus efeitos na vida dos que estão fora do seu círculo de representatividade, certamente o futuro teria alguma chance de ser diferente.

Concordamos com alguns dos valores defendidos por Blair. Também defendemos liberdade e democracia, por exemplo. Porém, os valores em disputa são mais do que liberdade e democracia. O modo como se divide o resultado do trabalho e das riquezas, por exemplo, não é resultado de determinação divina, mas de escolhas humanas, de disputas entre pessoas, classes e nações.

É fácil para Blair falar em defesa de “valores e modo de vida” quando isso significa que os que ele representa têm, pelo menos, o mínimo necessário para se viver de maneira digna. Difícil é defender todos os seus valores sabendo que, do outro lado, há pessoas, em quantidade assustadora, vivendo de maneira subumana.

É insuficiente anunciar, durante a reunião do G8 na Escócia, a disponibilização de bilhões de dólares para alguns paises empobrecidos. Isto porque, conforme dá conta o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, em 1990, enquanto os fluxos financeiros “do norte para o sul foram na ordem de 54 bilhões de dólares na forma de investimentos, empréstimos e ajudas...as transferências do Terceiro Mundo para o primeiro equivaleram a quinhentos bilhões de dólares” (L. Boff, Experimentar Deus). É isso que precisa ser revisto.

O problema, então, está na determinação de se manter “valores e modo de vida”. Se houvesse determinação em se fazer uma reflexão de todos os valores envolvidos nas relações interpessoais e internacionais, no sentido de se buscar maior justiça social, certamente teríamos maior esperança de ver jorrar menos sangue inocente no futuro.

A um passo do olho por olho...físico (2005)

“Assíria não tem intenção de deixar a Igreja Batista, mas vai adotar preceitos judaicos em casa – a começar pela circuncisão do filho Joshua, 8 anos...” (Revista Veja, 26.01.2005, p. 76)

Coloco os pés em terras baianas, as mãos numa revista de circulação nacional e me deparo com a notícia acima. A informação não seria destaque na imprensa, se não estivesse relacionada à esposa de Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, nem chamaria minha atenção, se não tratasse de pessoa com vínculos batistas. Assim, “santista” desde a era Pelé e batista “desde o ventre de minha mãe”, interessei-me logo pelo assunto.

Não pretendo colocar na berlinda a pessoa de Assíria ou questões políticas relacionadas a Israel. O foco é o problema teológico que emerge da referida afirmação, retrato de um fenômeno religioso crescente em nossos dias: a judaização do cristianismo.

Tenho a impressão de que esse fenômeno ganhou impulso a partir da formação do Estado de Israel. Devido à força econômica dos judeus residentes nos Estados Unidos e do uso da religião como amparo ideológico a ações políticas, a valorização teológica de Israel, para consolidar a formação do referido Estado, ganhou força própria.

Observa-se a partir da segunda metade do século passado, uma produção massiva de livros, revistas e textos avulsos relacionada aos judeus. Alem disso, Israel cria toda uma estrutura de turismo religioso, “embasada biblicamente”, dando origem `as romarias, inclusive evangélicas, aquele pais. As empresas de turismo passaram a usar pastores famosos como cicerones, atrairam clientela para viagens turístico-religiosas, aumentaram seus lucros e a teologia do Velho Testamento conquistou ainda mais o coracao do povo.

Paralelamente a isso, se desenvolveu um processo de bibliolatria sem precendentes. Para muitos, Jesus Cristo deixou de ser a chave hermenêutica de interpretacao da Bíblia. A expressão “a Biblia interpreta a propria Bíblia”, cujo significado poucos conseguem esclarecer de forma convincente, tornou-se um chavão com aparência de espiritualidade, mas de efeitos obscurantistas, medievais, incalculaveis.

Diante disso, morro de saudade de David Mein que defendia com ampla e sólida argumentação, ao ensinar Novo Testamento, que a Bíblia era nossa regra de fé e pratica, desde que interpretada `a luz do ministério de Jesus Cristo, registrado no Novo Testamento.

O caso de Assíria ‘e peixe miúdo diante, por exemplo, da multidão de pessoas que, dentro de um templo de igreja dita evang’elica, passa em fila por debaixo de uma tenda inspirada na Tenda do Encontro (Ex. 33.7-11), visando alcan’car prosperidade material e saúde física. Peixe graúdo seria a justificativa teológica das guerras com base nas carnificinas horrorosas, praticadas pelos lideres de Israel, em nome de Deus, no tempos da forma’cao dos textos sagrados judaicos.

Sou daqueles que defendem o direito das pessoas de crerem no que e da forma que desejarem. Respeitada a saúde individual e social – e, em tese, as leis existem para preservar isso – cada pessoa deve ser responsável, diante de Deus, por suas crencas. Porem, quando vejo casos como o de Assíria, falando em mesclar fé batista com preceitos judaicos ou a exploração comercial da fé através do uso de símbolos vetero-testamentarios fico chocado.

Penso que estamos precisando urgente de duas coisas: tornar mais acessível ao povo, pressupostos hermenêuticos que n~ao obscurecem a fe e, paralelamente, de um mergulho na carta de Paulo aos G’alatas. Se não fizermos isso, veremos em breve, sob justificativa b’iblica, a restaura’cao da pratica f’isica do olho por olho, dente por dente...(Dt. 19.21). Digo física, pois a psicol’ogica e política j’a foram restauradas e estão em pleno desenvolvimento.

No viaduto do Canela (2005)

A cena se repete nos horários de pico. Quem desce a ladeira para cruzar o Viaduto do Canela, além de enfrentar uma imensa e lenta fila, ainda precisa fazer marabalismo perigoso para entrar a esquerda. Carros, descendo, subindo ou saindo do Viaduto, disputam, perigosamente, o direito de fazer a manobra em direção a seu destino.

Em alguns países de cultura diferente da nossa, onde, além da predominante disciplina individual, a polícia é forte, respeitadora e respeitada, em cruzamentos como o do Viaduto, quem chega primeiro, sai primeiro. É impressionante o respeito ao direito alheio. Chega a ser bonito assistir como cada veículo, num cruzamento, pára, observa e reconhece a vez do outro. Como todos obedecem – quem não obedece sente os rigores da lei – todos saem ganhando.

No Viaduto do Canela, não! Somente os que descem são obrigados a parar. Como fomos forjados na Lei de Gérson - queremos levar vantagem em tudo - nunca cedemos em favor do outro. O resultado disso é que, no frigir dos ovos, todos saem perdendo.

Cada vez que chego ao local, fico pensando: se ao subirmos cedêssemos a vez para pelo menos um veículo dos que descem e querem entrar a esquerda, ao descermos, enfrentaríamos menos tempo no engarrafamento, com menor risco de acidente. O raciocínio é simples: se na subida eu cedo a vez para alguém, na descida, alguém cederá a vez para mim!

Como altruísmo no trânsito parece não ser nosso forte, perguntamos: por que não colocam um policial no local ou um semáforo inteligente para funcionar nos horários em que o fluxo é maior? Com a palavra os que trabalham para nós nesta área e administram nossas multas e impostos.

Seria bonito, porém, se conseguíssemos agir respeitosa e altruisticamente, cedendo a vez para pelo menos um veículo. E com seria bonito!

Na onda do Orkut (2005)

Tornei-me um “orkuteiro”, não posso negar! Que me iniciou foi minha filha, quando ainda morávamos na Flórida. Na época, esta Rede de Relacionamentos (www.orkut.com) que leva o nome do seu criador, funcionava somente em inglês. Porém, com a explosão da adesão dos brasileiros, imediatamente o sistema passou a ser rodado em português. Hoje, com 9 milhões de associados em todo o mundo, tornou-se uma verdadeira febre nacional.

A filiação ao sistema não se dá por iniciativa exclusiva da pessoa. A inclusão é possível, somente através de convite feito por participante. Uma vez incluído, há uma infinidade de comunidades virtuais as quais se pode aderir. Religião, esportes, sexo, literatura, política, enfim, são áreas em torno das quais pessoas, com interesses comuns, se conhecem, se atualizam, discutem temas, se cumprimentam no aniversário, enviam recados...

Resolvi usar esta ferramenta como veículo de ampliação e solidificação de relacionamentos, de estudo bíblico e de incentivo ao debate sobre vários assuntos, especialmente com jovens da Igreja que pastoreio. Navegando por comunidades de igrejas, descobri que em poucas o debate tem sido tão fervoroso, polêmico e construtivo como na da Igreja Batista da Graça

Criei duas comunidades de estudos bíblicos nos quais os participantes são os comentaristas. Neles uns ajudam os outros a entender e aplicar os ensinos das Escrituras. O primeiro com mais de uma centena de participantes, é o texto da Carta de Paulo aos Gálatas. O outro, uma proposta de destaques sobre liderança, a partir do texto de Neemias.

Além dos associados, é incalculável o número de pessoas que podem visitar as comunidades apenas para leitura do que está, como dizem os jovens, rolando.

O que me levou a escrever sobre este assunto, porém, foi a informação de que, em determinada igreja que usa a marca batista, mas cultiva princípios e práticas que fogem aos postulados históricos de nossa denominação, um “apóstolo” demonizou esta ferramenta, proibindo os membros de “sua” igreja de se associarem ao Orkut.

O curioso foi que o motivo alegado para tal proibição não foi o perigo eventual de crentes se associarem a comunidades cuja ênfase seria o erotismo depravado, o uso de drogas e outros malefícios. Segundo ele, a comunidade de nossa igreja estaria estimulando o alcoolismo.

Na verdade o tema “uso de bebida alcoólica” entrou em debate em nossa comunidade e no pleno exercício da liberdade de expressão individual, opiniões divergentes foram registradas, como soe acontecer sobre todo tipo de tema ético. Qualquer leitor atento, porém, perceberá que a ideologia dominante no debate tem sido de desestimulo ao uso de álcool.

Diante disso, lembrei-me do tempo em que crente era proibido de ir ao cinema, ao teatro, de ouvir músicas populares, assistir televisão ou até mesmo ler “gibis”. Por se tratarem de veículos cujo controle das informações e ideologias veiculadas estavam fora do controle das igrejas, parecia mais fácil proibir o contato com eles do que ensinar os crentes a serem capazes, se fosse o caso, de examinarem tudo, retendo o que fosse bom.

Agora, diante de uma interessante ferramenta que democratiza a expressão da opinião e pode ser um meio importante de construção do conhecimento, os dominadores de plantão aparecem lutando para não perder o controle da mente de “seus” fiéis e de mantê-los cativos ao seu modo de enxergar o mundo.

A história se repete. Mudam-se somente os personagens, as ferramentas, a época e os lugares!

Momento de oração (2005)

Eis que me ponho de joelhos perante o criador em um momento de oração. E começo a indagar-me sobre o que falarei com o senhor do universo, o todo poderoso, nesta oportunidade tão solene que me é concedida de dirigir-lhe a palavra. E pensando em todo o poder que está em suas mãos, entro em crise sobre o que deveria falar.

Os joelhos se sentem desconfortáveis e me desestimulam a prosseguir. Penso então no porquê de estar ajoelhado, mas imediatamente deixo de lado tal questionamento. Continuo a perguntar-me: o que devo dizer ao excelentíssimo nesta ocasião? Deveria pedir pela harmonia entre os seres humanos? Por justiça social? Por amor? Deveria levar diante dele minhas necessidades particulares?

Eis que de repente sinto-me intrigado comigo mesmo. O universo é imenso, o planeta tem tantos problemas e eu aqui querendo que Ele resolva os meus. Afinal, o que significo diante da imensidão da Terra e do Universo?

Desisto de continuar com tais questionamentos. Paro. Decido apenas contemplar. Pensar em sua majestade. Pensar na maravilha de sua criação. Pensar na beleza daquilo que Ele fez. Pensar no mistério que ele representa. E diante disso fico como que encantado, apaixonado.

Penso novamente no que deveria dizer-lhe. Então o PAI NOSSO me vem à mente. Foi Jesus quem disse que deveríamos fazer tal prece. Lembrei-me das repetições ensinadas na Igreja Católica. Não estaria ela certa ao ensinar a repetição, afinal, pra quem não sabe o que dizer, melhor é dizer o que o Senhor Jesus disse que deveríamos dizer. Não prossigo com o raciocínio. Rezo o Pai Nosso. Sinto-me bem ao faze-lo. Mas como aprendi que posso falar, decido então falar do que sinto.

Gláucia me vem à mente. Agradeço a Deus pelos momentos bons e ruins, agradáveis e desagradáveis pelos quais passamos ao longo das mais de duas décadas de convivência. Reflito no quanto crescemos individualmente e na relação. Em como experimentamos juntos momentos de alegria ou tristeza, de saúde ou doença, de riqueza ou pobreza. Em como o doce e o amargo se misturaram em nossa caminhada. Louvo então o criador pela possibilidade de amar e sentir-me amado.

E como não poderia deixar de ser, como que num desencadear de pontos cerebrais, os filhos aparecem na oração. O pensamento voa, atravessa o oceano e chega à Dinamarca. Oro por meu filho e suas questões existenciais. Preocupo-me pela ausência de igreja no lugar onde reside, mas me alegro por saber que no Natal, entoará JESUS, ALEGRIA DOS HOMENS, com o coro de sua escola. De volta às Américas, penso na filha, engajada no Pageant apresentado pela First Baptist Church of Fort Lauderdale. Peço proteção do Supremo para ambos.

De volta ao Brasil, a igreja da qual sou membro passa pela minha mente. Começo a interceder por ela. Já não peço que Deus me abençoe como pastor, mas que manifeste sua graça e misericórdia pela Igreja, apesar do pastor. Deixo as imagens de membros e situações relacionadas à igreja dominarem o pensamento. E vou colocando cada um deles diante do Senhor dos Senhores.

Sem me preocupar em tentar disciplinar as idéias ou sentimentos, lembranças de amigos começam a borbulhar. Como numa seqüência de fotografias num data-show, eis que vão aparecendo um após outro. Todos aparecem com um sorriso no rosto. É como se meu desejo fosse que todos estivessem felizes. De repente as imagens dão lugar a reflexão e começo a avaliar, diante do Rei dos Reis, o tipo de amigo que sou e como passo meses sem dar um telefone àqueles que tanto me fazem bem. Mas não me culpo, nem faço promessas de mudar. Apenas me comprometo a continuar acalentando tais lembranças na alma e pedindo ao onipotente que os abençoe.

Penso no Natal. Agradeço por Jesus. Não há palavras para expressar os sentimentos. Nele, o mistério da criação se repete. Eis-me novamente diante do mistério. As palavras desaparecem. Permanece, mais uma vez, o encanto e o sentimento de comunhão. Sinto-me revigorado. Levanto-me decidido a continuar tentando amar.

Meu problema com livros (2005)

Eis meu problema: sempre que estou diante de um livro, não consigo abrí-lo sem primeiro saber qual é a editora.

Até já me disseram que, primeiramente, deveria ler a orelha, se tiver. Nela deveriam estar informações essenciais sobre a obra e seu autor. Depois, deveria dar uma passada de olhos pelo índice para verificar melhor os tópicos e assim ter uma idéia de como o assunto seria abordado. Porém, parece instintivo: basta estar diante de um para os olhos procurarem quem o editou.

Isso virou uma espécie de fixação. Se a editora for desconhecida, tento imediatamente saber quem são seus dirigentes. Se for conhecida e dependendo de qual seja, começo a me arrepiar só de imaginar aquele objeto nas mãos. Pode dizer que isto é preconceito ou até paranóia. Já tenho pensando muito nisso. Mas algumas razões geraram em mim tal reação.

A convivência com gente estudiosa foi me mostrando que hoje, especialmente no mundo religioso, lançamento de livro acontece ou visando lucro ou veiculação política de determinada corrente de pensamento. Obras que tentam contribuir para clarear algum tipo de assunto, publicada por editora evangélica, é uma raridade. Afinal clarear mais o que? Tudo já está claro. Basta reproduzir o que já está definido pelas denominações ou seus representantes!

Antigamente, veicular pensamento viria em primeiro lugar. Hoje, idéias estão em segundo plano, exceto aquelas que favorecem o enriquecimento através da “proclamação da palavra” ou combatem os que combatem a má distribuição de renda do sistema sócio-econômico vigente. Mas isso é outra história.

Quem procura literatura pelo simples prazer de ler, raramente vai encontrar em editora religiosa. É que, mesmo livros aparentemente interessantes, apenas a história e os personagens mudam. Basta conhecer a editora e já se sabe que a ideologia do sistema doutrinário e moral ao qual o autor se deixou pertencer vai transparecer. Assim, se o que se espera é relaxar, esqueça: o tempo todo sua cabeça terá que decidir se concorda ou não com o autor.

Costumo dar atenção para livros de produção editorial independente. São independentes porque ou o autor escreve muito mal ou seus pensamentos incomodam tanto que não há quem queira divulgá-los. Portanto, basta uma rápida olhada para definir se vale a pena ou não comprá-lo. Editoras cujas marcas são desconhecidas também produzem coisas interessantes para clarear assuntos.

Pior, porém, é quando o livro é publicação de editora que, por pertencer à instituição denominacional democrática, necessita acariciar politicamente pessoas a fim de que seus dirigentes trabalhem em paz. Em geral, respeitadas as devidas exceções, o perfil dos autores, em termos de influência denominacional, indica claramente que critério foi adotado na definição da publicação.

Diante disso, o mito de que ler é muito importante torna-se claramente relativo. Depende da editora que o publicou. Dependendo da editora, ler pode ser o caminho mais curto para “emburrecer-se”.

Feliz Natal ou Boas Festas (2005)

Aparentemente não faz diferença se usamos a expressão Feliz Natal ou Boas Festas. Só aparentemente. Se assim não fosse, o tema não estaria sendo objeto de debate em alguns jornais dos Estados Unidos, nesta semana. Qual seria a diferença? A diferença está numa batalha que vem sendo travada entre fundamentalistas e moderados no que se refere à separação entre Igreja e Estado, naquele país.

Os moderados defendem que o Estado deve ser leigo, isto é, sem vinculo oficial com determinada religião. Crêem que, em virtude da diversidade religiosa, nenhuma religião deve receber tratamento especial da parte do Estado. Invertendo a idéia, todas devem receber tratamento igual.

Baseados nisso, defendem que, nas repartições ou salas de aula de escolas públicas, não deve haver manifestações religiosas que privilegiem determinada religião. Assim, orações ou uso de símbolos cristãos não devem ser utilizados em órgãos públicos em respeito à diversidade religiosa. Em outras palavras, ou todas religiões se expressam em órgãos públicos ou nenhuma.

É em nome da mesma igualdade de tratamento que os fundamentalistas defendem que não só a Teoria da Evolução deveria ser ensinada nas escolas públicas, mas também a crença na criação conforme descrita na Bíblia.

O problema é que há Estados naquele país em que 80% da população são batistas. Assim, desde o início foram acostumados, por exemplo, a orar em sala de aula de escolas públicas. No momento em que isso passou a ser questionado ou proibido, a informação que os conservadores fundamentalistas passaram a divulgar foi que isso seria uma espécie de perseguição religiosa ou negação da fé.

Observem, portanto, que o fato é um só, mas as explicações não.

A polêmica deste final de ano é que, no cartão enviado pela Casabranca, em vez de conter a expressão “Feliz Natal”, apareceria “Boas Festas”. Esta seria a expressão politicamente correta, defendem os moderados. Já os fundamentalistas, acusam Bush de não ser “nascido de novo”, isto é, não seria um genuíno cristão porque assinou cartões com a expressão “Boas Festas” – expressão genérica - e não “Feliz Natal” – expressão cristã -.

Eu também, por outras razões, não tenho certeza da genuinidade da fé cristã de Bush! Mas não sou Deus para julgá-lo. Porém, posso dizer que a fé de alguém não pode ser avaliada por expressar-se com um “Feliz Natal” ou “Boas Festas”. Pelo menos fora daquele contexto!

Diga-se de passagem, gostaria de ver os fundamentalistas discutindo a fé de Bush, não por causa de um cartão, mas por causa de algumas guerras em que envolveu seu país ou por algumas políticas externas adotadas, seja no campo econômico ou ambiental, por exemplo. Isso, porém, não interessa aos fundamentalistas. O importante é orar em sala de aula, dizer “Feliz Natal” e ser contra união civil homossexual, aborto e sexo antes do casamento.

Se nos Estados Unidos a luta dominante nos órgãos públicos tem sido no sentido de garantir um Estado leigo, no Brasil o próprio Estado descumpre a lei ao manter como oficial um feriado religioso católico – 12 de outubro – em desrespeito à Constituição. Mas isso já seria outra conversa.

Por hora, resta-me desejar um “Feliz Natal” aos Cristãos; “Boas Festas” aos não cristãos e a todos, que aproveitem a ocasião não somente para investir em presentes, comidas ou bebidas, mas, sobretudo, para avaliar a vida, especialmente na dimensão espiritual, cultivar a gratidão e praticar a solidariedade que só nos fazem bem.

Voto analfabeto (2004)

O que você acha do voto do analfabeto, perguntou-me meu filho, um dia desses, enquanto batíamos um papo em família, após o almoço. Ele tinha em mente a letra da música “Perfeição” do Legião Urbana que, dentre outros dizia, ironicamente, “vamos celebrar...o voto dos analfabetos”.

Não sei a qual analfabeto se referia Renato Russo. Acho pouco provavel que a referência fosse à pessoa que somente não sabe ler ou escrever. Aquele que não sabe ler ou escrever também é um cidadão. Como os demais, paga seus impostos absurdos sem saber em que percentual, nem pra que é destinado, mas paga. E se não sabe ler ou escrever, pelo menos saber ouvir o que se diz e sentir o impacto das políticas econômico-sociais em sua vida.

Não sei, também, se referia-se àqueles que, conquanto tenham diploma superior, são analfabetos em política porque desconhecem como se dão as relações entre interesses divergentes que caracterizam toda sociedade; não têm idéia de como funcionam as estruturas administrativas dos poderes; não conseguem enxergar para além das notícias que são veiculadas nos meios de comunicação, nem percebem, por exemplo, a influência das decisões dos países mais ricos sobre a vida do pacato cidadão de Cabrobó ou Orobó.

Pra dizer a verdade, não sei quem, em política, é mais analfabeto: se o que não sabe ler ou escrever ou o que não sabe o significado do que lê ou ouve. Sim, pois saber ler é muito mais do que decifrar um código linguístico. Saber ler é interpretar significados, conhecer o contexto sócio-cultural em que as palavras são proferidas, visando perceber a intenção do escritor a partir da ideológia geral que defende.

Geralmente, somos analfabetos políticos. Nós evangélicos então, nem se fala. Durante anos proclamou-se que crente não deveria envolver-se com política, pois isso não era coisa para pessoas espirituais. Porém, os mesmos que assim nos adestravam, deitavam e rolavam na politicagem dos bastidores da denominação.

Hoje, muitos comemoram a participação evangélica na política. O fato porém é que, se há uma movimentação maior desse segmento na política, isso não se deve a uma tomada de consciência do povo, mas, com algumas excessões, à descoberta de benefícios particulares ou corportativos que a participação proporciona, àqueles que exercem liderança sobre “rebanhos”.

Sou defensor da participação evangélica na política, mas não por uma questão religiosa. Como meu amigo Bento Souto, acredito que a participação dos evangélicos na política, por razões religiosas, não produz nada melhor do que os fundamentalismos cristãos ou islâmicos tem produzido.

Devemos sim estimular nosso povo a participar, porque política é inerente ao ser humano e seu bom exercício pode favorecer o florescimento de valores espírituais, como justiça, liberdade, respeito mútuo... que produzem vida.

Sabemos que, em toda sociedade, estão presentes família, educação, economia, lazer, religião e política. O analfabeto político, porém, acredita que basta fortalecer uma dessas áreas para que os problemas do país se resolvam.

Por isso acredito que voto analfabeto não é somente o dos que não sabem ler ou escrever, mas também de graduados que preferem não se esforçar para ver além do que certos meios de comunicação, inclusive religiosos, divulgam.

Variações sobre O Jornal Batista (2004)

Minhas primeiras lembranças do Jornal Batista remontam à adolescência. Meu tio Messias, um piauiense radicado no interior paulista, era o único da igreja que o assinava. Através dele, por uma certa insistência até, lia um artigo aqui, outro ali…De uma maneira geral, não gostava mas, depois que aprendi sobre público-alvo, entendi a razão: o jornal não era para adolescentes.

Daquela época, dois títulos ficaram gravados. O primeiro, parece-me, “Eu chorei na Rússia”, escrito por “um tal de” Valdemiro Tymchak. Meu tio era um vibrador da, se não me engano, série escrita por ele. Somente anos depois vim saber quem era o referido escritor. Ele se tornaria, para mim, o mais visível símbolo de credibilidade dos batistas brasileiros. Se a imagem que sua vida pública repassa, pudesse ser reproduzida em mais meia dúzia de líderes, em áreas distintas, a realidade denominacional, eclesiástica e nacional, seriam bem melhores.

O segundo título era da coluna “Um pouco de Sol”. Tive um único e frustrante contato direto com seu autor, Rubens Lopes. Ainda adolescente, caipira, de uma igreja pequena do interior, participando de uma atividade da Jubesp na Igreja Batista de Vila Mariana, recebi dele um frio aperto de mão, sem que me olhasse nos olhos. Mas não fiquei com uma opinião distorcida dele por causa disso, nem deveria. Reconheço seu importante papel na história dos batistas.

De sua coluna ficou o título. O título das colunas dizem muito mais dos autores e seus contextos do que imaginamos. Uma leitura psico-teológico-sociológica deles daria muito pano prá manga. Examinai Tudo, por exemplo, retrata sentimentos de inconformação com posturas superficiais diante de realidades opressoras que afetam o viver.

O fato, porém, é que nossos discursos expressam muito mais nossos desejos do que as palavras conseguem expressar. Por isso, imagino que, talvez, “Um pouco de Sol”, nos porões da ditadura militar, significaria para um pastor, o mesmo que o “Afasta de mim esse cálice”, de Chico Buarque de Hollanda, ainda que apontando causas e soluções com símbolos e linguagem diferentes.

Quando seminarista fiz uma assinatura do Jornal Batista. O período coincidia com o fim da ditadura militar e, talvez, com a mais visível investida do fundamentalismo norte-americano sobre instituições batistas brasileiras. O Jornal era tido como politicamente conformista e teologicamente uniformizador. Pensamentos diferentes dos do Editor não eram publicados, dizia-se sob as mangueiras do STBNB.

Ao iniciar o pastorado, passei a enviar alguns textos para publicação que, em sua maioria, foram ‘enlixeirados’. Certa vez comentei isso com o hoje falecido Pr. Luis de Assis, cujos “bilhetes” eram regularmente publicados. Pr. Assis era, além de conselheiro, meu supervisor de língua portuguesa. Mantínhamos um pacto. Todas as vezes em que, na expressão escrita ou oral, cometesse desvio do português oficial, ele me corrigiria. Pois bem, ao comentar com ele sobre o ‘enlixeiramento’ dos textos que enviava, ele disse: “não desanime. Continue escrevendo e enviando. Alguém um dia vai se interessar e publicar...” Até o momento ele acertou...

Com o soprar dos ventos da democracia, O Jornal Batista se reencontrou com a identidade histórica dos batistas. Não tenho idéia se hoje há textos ‘enlixeirados’, mas, pelo menos, percebe-se que há espaço para pensamentos divergentes sobre temas iguais. Quando um escritor questiona pensamentos dominantes, publica-se depois, o pensamento oficial da Convenção Batista – Declaração doutrinária, princípios ou filosofia – ou até o de alguém que, no momento, ocupa função de poder.

Isso demonstra que ter um pensamento oficial e canonizá-lo são coisas diferentes. Significa também que, conquanto tenhamos pensamento oficial, dominante, (e de oficiais), continuar refletindo de forma responsável sobre ele é um imperativo para uma denominação que não deseja fossilizar-se. Assim deve ser pois não há sobre a face da terra um grupo de iluminados ou um indivíduo, a quem a onisciência foi presenteada.

Entre escritores, uns escrevem para impor, outros, para expor pensamentos. Uns escrevem para conquistar leitores, outros para confrontar idéias. Há até os que, narcisicamente, escrevem para se ver num texto. O importante é que o texto, seja qual for a motivação ou o estilo, cumpra a finalidade de levar leitores a pensar. Pensar é essencial para ações consistentes.

Quando o Jornal Batista abre espaço para formas de pensamentos e motivos divergentes e leitores reagem expressando suas opiniões, todos têm oportunidade de refletir e construir, com maior solidez, suas próprias opiniões e práticas. Dessa forma, escritores e leitores contribuem, através da reflexão, para a abertura de caminhos que nos aproximem cada dia mais de estruturas de pensamento e de práticas que expressem valores do Reino de Deus.

Título e autoridade (2004)

Houve época em que a autoridade de um pensamento dependia da pessoa que o defendia. Se a pessoa gozava de prestígio social, especialmente em termos filosóficos, sua palavra era respeitada. Por isso, quando desejava fazer prevalecer seu modo de pensar, bastava citar alguém com “autoridade”, defensora das mesmas idéias. Era o tal do “argumento de autoridade”.

Hoje, o modo de conferir autoridade a um pensamento foi transferido para os títulos. Quanto mais títulos acadêmicos ou sociais, ou quanto mais elevados, na hierarquia, forem os títulos, maior autoridade. Essa maneira de tentar fazer prevalecer uma idéia ainda é muito usada. Se se pretende convencer acadêmicos, faz-se referência a autoridades do mundo acadêmico; se ao publico cristão, cita-se autoridade política do mundo eclesiástico, um pastor, por exemplo, especialmente se for de igreja cuja receita financeira, patrimônio ou quantidade de membros é acima da média.

Títulos, entretanto, não são, necessariamente, sinônimos de autoridade. Primeiro, porque título se consegue com certa facilidade. Hoje em dia, com disposição e dinheiro, se pode ter acesso a diversos títulos. Com a desqualificação da educação, eles se tornaram ainda mais fáceis. Segundo, porque além da possilidade do exercício profissional, o máximo que o título confere é autoridade transitória num campo específico do saber. “Transitória”, porque conhecimento e sua construção não se esgotam com acesso a diploma. “Específico”, porque a autoridade está vinculada ao tema (e, talvez, à área) a que se dedicou.

Quem conhece como se tem acesso a títulos de pós-graduação sabe que, com algumas variações, os seguintes passos são observados: 1) a pessoa escolhe um tema para ser pesquisado; 2) frequenta uma carga horária “x” de estudos em sala de aula tendo como facilitador alguém que se acredita ter dominio maior do que ela em temas afins; 3) aplica-se à leitura de textos relacionados ao assunto e afins; 4) produz, na trajetória, textos visando exercitar sua capacidade de elaborar, sistematizar e fundamentar seus pensamentos; 5) ao final, apresenta uma dissertação ou defende uma tese em torno do tema.

Para avaliarmos a qualidade do título, precisamos considerar ainda o fator ideológico da escola onde foi alcançado. Em algumas instituições, certos temas são dogmatizados, portanto, não podem ser objeto de discussão, de reestudo. Para garantir sucesso na manutenção dos dogmas, exige-se que os professores tenham as seguintes qualidades: 1) subserviência aos dogmas estabelecidos; 2) capacidade de impedir que tais dogmas sejam discutidos em sala de aula; 3) capacidade de convencer os alunos de que seu ponto de vista é o único correto; 4) capacidade de impedir que seus alunos tenham acesso a livros que não apoiem tais dogmas. Em que pese o reconhecimento pelo trabalho do aluno, esses critérios depreciam o título.
Quando nos deparamos diante da palavra de alguém que ostenta um título acadêmico, ficamos extasiados. E se o título foi conquistado em São Paulo, Estados Unidos ou Europa, ai então ficamos encantados. Hegemonia político-econômica da região na qual a escola está inserida agrega, em termos de marketing, valor ao título. Isso, porém, também tem seus mitos.

Esses mitos fazem com que, quando uma pessoa passa a usar o título diante do nome, nós mortais tememos questioná-las como se fossem detentoras de profundos conhecimentos em todas as áreas. Nos plenários de assembléias, basta anunciar que a palavra é do “doutor fulano de tal” para todos silenciarem.

Em algumas instituições da denominação, na hora de preencher cargos de direção executiva, simplesmente porque o individuo alcançou um título defendendo a tese em torno das implicações filosóficas do tempo verbal da palavra grega usada no manuscrito x do evangelho tal, ele está habilitado para administrar gente, dinheiro, patrimônio, política e pensamento institucionais. É mole?

Isso tudo, sem falar no uso do título de doutor, por bacharéis de direito, medicina, engenharia... comum no Brasil. Ai dói!

Tentando tirar as traves dos olhos (2004)

"O neurótico é aquele que, tentando evitar o não-ser, evita o ser". (Paul Tillich)



Não escreverei àqueles que estão com os olhos pregados nas traves dos campos de futebol, nestes tempos de Campeonato Brasileiro, nem assunto relacionado à oftalmologia. Farei uma auto-crítica, bem ao espírito do ensino de Jesus quando disse: “E por que vês o cisco no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho? (Mt. 17.3).

Houve tempo em que, predominantemente, ser evangélico significava defesa da liberdade individual de interpretação das Escrituras; do acesso direto a Deus sem intermediários institucionais e, sobretudo, da vida debaixo da graça de Deus. Hoje, no formato mais visível, parece sinônimo de dependência de homens-show, de gurus com paletós, gravatas e maleta 007, e de obediência cega a crendices, legalismos, maldições hereditárias, mistificações e demônios de todos os tipos e gostos.

Parece-me que os sinais de neurose hoje são maiores. Neurose, segundo o Dicionário Aurélio, é uma doença nervosa sem lesão aparente. Pois bem. Basta um diálogo com ouvidos clínicos para percebermos ansiedades, medos, tensões em gente condicionada a se encaixar em milhões de regrinhas assassinas.

Se um texto bíblico combate a glutonaria, defendem logo jejum absoluto; se fala da infelicidade dos que se assentam na roda dos escarnecedores, optam pelo isolamento do mundo; se fala que não há comunhão entre luz e trevas, tentam criar guetos de lamparinas; se fala dos perigos da imoralidade sexual, combatem qualquer expressão de sexualidade; se fala de cobiça, anulam a capacidade de apreciar a beleza alheia; se diz que a Deus seja dada toda honra, não honram seus semelhantes nem a si mesmos; se ensina salvação pela graça, mediante a fé, desprezam as boas obras; se diz que a sabedoria humana é loucura diante da divina, então, palmas à ignorância...

Para esses, a Bíblia não é registro de experiências de pessoas com Deus; é um livro de regras. Se perguntarmos se já entenderam em profundidade a Carta de Paulo aos Gálatas, dirão que não, mas sabem de cor os textos de Levíticos, Êxodo, Números e Deuteronômio. São dez em memorização de textos isolados da Bíblia e zero em leituras sobre a Bíblia. Pouco se importam com o contexto histórico dos autores bíblicos, pois, primeiro, definem em que acreditam para, depois, pincelarem versículos que, aparentemente, apoiam suas crenças.

Sabe aquela história de se matar um piolho dando um tiro na cabeça? A lógica neurótica, neste caso, funciona assim: se um alcoólatra começou com um gole, então imponhamos abstinência absoluta para todos...Se um glutão começou com um prato, então jejum absoluto para todos...se uma relação sexual ilícita começou com um olhar entre duas pessoas, então, venda nos olhos de todos...Se o que faço pode ser mal interpretado por alguém, gerando mal testemunho, então tranquem-se todos em celas individuais de mosteiros...Se um descontrolado perdeu todo dinheiro no cassino, então proibamos que todos joguem dominó...Se um irresponsável atropelou alguém com seu carro, fechemos então a indústria automobilística...

Ele foi tão condicionado a se preocupar com o bom testemunho que quando precisa tomar decisão, em vez de perguntar: isso é saudável para mim e para os que me cercam? É manifestação de amor em seu sentido mais profundo? A criação de Deus está sendo honrada? Ele pergunta: o que os outros vão dizer? Será que o pastor-guru aprovaria?

Quando publiquei um texto sobre masturbação, recebi um e-mail de um jovem, casado há dois anos, que não conseguia se relacionar sexualmente com a esposa. Orientei-o a procurar apoio profissional de um psicólogo. Preocupado com o bom testemunho, ele informou-me que os dois psicólogos de sua cidade não eram evangélicos... Sendo mais urgente o problema da sexualidade, recomendei-lhe que fosse a uma cidade vizinha onde não era conhecido. O importante era começar o processo de cura...

Percebeu o quanto são neurotizantes, as traves desse modo de ser “evangélico”?

Solidariedade (2004)

Viajava certa vez do Recife para Fortaleza quando, por volta das 7 pm, o carro apresentou problemas. Faltavam 40 quilómetros para chegarmos à capital cearense e já estava escurecendo. Depois de alguns minutos na pista, pára um caminhão e o motorista nos oferece ajuda. Rebocou nosso carro até um eletrecista que fez os reparos necessários para continuarmos a viagem. Ao perguntar ao caminhoneiro quanto lhe devíamos ele respondeu: “não é nada. Basta fazer como eu fiz, quando vir alguém na mesma situação”.

Assim que chegamos à Flórida, nossa filha voltava pra casa pela Powerline e teve a infelicidade de bater numa pedra, baixando dois pneus do carro. Encostou o veículo num mall, pediu a um senhor que lhe emprestasse o celular e, ao falar comigo, começou a chorar. O dono do celular que inicialmente conversou com ela em inglês, era brasileiro. Ouvindo-a falar comigo em português, não só procurou acalmá-la, mas também consertou as rodas do carro. Quando ela falou em pagamento ele rejeitou e justificou: “já fui ajudado por muita gente nesta vida”.

Quando pastoreava em Boa Viagem, Recife, fui procurado por uma jovem que sofria de hidrose. Suas mãos eram desconfortavelmente úmidas e frias. Ela descobriu um médico em Belo Horizonte que poderia curá-la, mas não dispunha de todo dinheiro necessário para viagem e despesas médico-hospitalares. A igreja levantou uma oferta, completando o que faltava. A cirurgia foi feita com sucesso e o problema resolvido. Meses depois ela se casou. Em seu último domingo em nossoa igreja, antes de mudar-se, deixou uma oferta destinada à solidariedade, em valor igual ao que havia recebido, quando de sua cirurgia. Ela recebeu ajuda e, quando pôde, fez a mesma coisa.

Acho interessante a profissionalização do bem ao próximo. De maneira inteligente e organizada, existem muitas instituições ajudando pessoas necessitadas. Elas devem ser bem-vindas num mundo em que o verbo acumular fala mais alto do que o dividir. Merece reflexão, entretanto, a motivação. Há igrejas que usam a solidariedade como isca para atrair pessoas. Há empresas que fazem o bem somente como estratégia de marketing. Há empresários que investem em causas sociais apenas para descomprimir a pressão de um sistema cuja lógica conduz, inevitavelmente, à disparidades sociais.

Na solidariedade, porém, o foco da ação não gira em torno dos benefícios para quem dá, mas para quem recebe.

Reconheço o papel de qualquer iniciativa profissional, eticamente fundamentada, que visa ajudar ao próximo, mas valorizo muito iniciativas domésticas, de pessoas que simplesmente contribuem com um quilo disso ou daquilo para se formar cestas básicas em prol de empobrecidos. Parecem mais humanizantes pelo calor humano que transmitem.

Nem sempre podemos dizer sim aos pedidos de ajuda. Por muitos anos diretor do Colégio Americano Batista, no Recife, pude acompanhar o drama vivido por famílias que queriam oferecer ensino de qualidade aos filhos, mas as condições econômicas não permitiam. As solicitações de bolsa ou perdão de dívidas eram infinitas numa escola com milhares de alunos. Quando podia dizer sim, dizia sim; quando não, não. Para aqueles fui anjo, para estes, também, mas mal.

No desejo de ser solidários corremos riscos de ser enganados por aproveitadores. Por isso, ao nos propormos a ajudar pessoas, devemos usar cérebro e coração. Conversava com um diretor da cúpula nacional de um grande banco privado brasileiro que disse ter chegado onde chegou, porque adotou a seguinte filosofia: “sempre que uma pessoa estava do outro lado da mesa pedindo dinheiro emprestado, para mim ela queria me roubar até que provasse o contrário”. Não precisamos chegar a tanto, mas perspicácia e “canja de galinha” não fazem mal a ninguém.

Quando o muito não é o melhor (2004)

“Afirmo-lhes que esta viúva pobre colocou na caixa de ofertas mais do que todos os outros. Todos deram do que lhes sobrava; mas ela, da sua pobreza, deu tudo o que possuia para viver” (Mc. 12.43-44)

No sistema de valores do Reino de Deus, muito não é sinônimo de melhor. O exemplo mais claro disso é o da comparação feita por Jesus entre a oferta da viuva pobre e a dos fariseus. Ao observar que eles davam muito e ela quase nada, Jesus destacou que ela dava mais do que eles. Usando o sistema da proporcionalidade, ele esclareceu que enquanto eles davam das sobras, ela dava tudo que possuia.

O muito deles era suficiente para alcançar seus objetivos: serem vistos pelos homens. E como a maioria olha o que aparenta – o valor dado – e não o que representa – o esforço despreendido -, eles passavam a vida toda sendo elogiados pelas grandes ofertas que, na verdade, não representavam qualquer esforço, pois, para eles, eram tão somente sobras.

O pouco dela não era valorizado pelas pessoas, afinal, o que poderia ser comprado com o que ela dava? E se ela tinha tão pouco, nem mesmo interessava ser amigo dela afinal, “pobre é odiado até pelo seu vizinho; mas os amigos dos ricos são muitos” (Pv. 14.20). Com tão pouco ela não tinha prestígio e muito menos poder comunitário.

Imagino, portanto, que ao contribuir ela o fazia sem chamar atenção e, colocada a oferta no gasofilácio, recolhia-se a sua insignificância social. Os fariseus, provavelmente, não. Tiravam todo o proveito que a oportunidade de estar diante da plateia lhes proporcionava. Esse comportamento era tão comum entre eles que merecia destaque nas críticas de Jesus.

Apesar de usar o raciocinio matemático, penso que Jesus não estava pensando matematicamente, ao fazer a comparação. Na verdade ele quiz chamar a atenção dos discípulos para o esforço de cada um.

Os fariseus não faziam esforço porque seus propósitos não eram o engrandecimento do Reino. Eles não visualizavam as necessidades da imensa população que precisava ser alcançada pelo amor de Deus. Seus objetivos eram, tão somente, ser vistos pelos homens. O valor dedicado era calculado na proporção exata, necessária ao cumprimento dessa meta. Alcançada a meta, findavam-se as preocupações.

A viuva, provavelmente, não. Talvez ela enxergasse as necessidades do Reino, não as suas próprias, e as multidões que seriam alcançadas com sua cooperação. E, movida por esse sentimento, dar tudo o que possuia, pensava ela, era o mínimo que podia fazer, pois as necessidades da causa sempre são maiores do que a disponibilidade de recursos financeiros.

A virtude, portanto, aprendemos na história, não está no dar pouco ou muito, mas na visão que se tem e no esforço que se faz ao cooperar. Esse princípio pode ser aplicado não somente a valores financeiros, mas também ao tempo que investimos, às funções que ocupamos e às atividades que desenvolvemos na igreja. O muito, pode não ter valor algum se as motivações não forem apropriadas, simplesmente porque nem sempre muito é sinônimo de melhor.

Pensando no Dito Cujo (2004)

É final de tarde em ínicio de primavera. O por do sol é cinematográfico no Sul da Flórida. A combinação de vento gelado com o calor do astro-rei provocam uma sensação deliciosa no corpo. Estou envolvido em mais uma caminhada diária e solitária. A presença de muito verde, flores, pássaros e lagos faz com que me sinta no paraiso. E por pensar no paraíso, fui levado a lembrar-me do Dito Cujo. Isso mesmo, aquele que, em forma de serpente, com um bom papo, conquistou Eva (1).
Sem saber quem me fez a pergunta, eis que me pego tentando encontrar a resposta: se era o paraíso, o que ele fazia lá? Afinal, os teólogos do rei sempre ensinaram que o paraiso seria um lugar de paz, onde Deus reina soberano. Então, o que ele fazia lá? De onde surgiu? Entrou sem permissão? Ou será que quem permitu que ele estivesse lá, tinha um propósito? Seria para testar a qualidade do caráter humano?
O danado é que nossa mente reage como um sistema de computação. Uma palavra chama outras similares. Lembrei-me então do profeta Micaias (2) . Sim, exatamente aquele de quem o rei - olha o rei de novo - de Israel não gostava porque suas profecias não lhes eram favoráveis. Diante de toda a pressão que lhe foi imposta, para não desafinar (3) profetizando contra a vontade do Rei, e até para justificar sua posição divergente, ele conta uma história de arrepiar. Diz que Deus, numa reunião com seu exército celestial (4) , decide enviar um espírito mentiroso para enganar o Rei. Ué! A mentira não é filha do Diacho (5)? Pior ainda: será que os fins - a morte de Acabe - justificariam os meios - a mentira?
Como a caminhada era longa e a Bíblia estava na memória, eis que lembrei-me de Jó. Lembrei-me porque foi num destes bate-papos de Deus com o Demo (6) que surgiu a infeliz - pelo menos para Jó - idéia de submeter o homem paciente a um teste de qualidade, tendo como agente nada mais, nada menos que Ele, o famigerado. E com a devida permissão de Deus, Satanás só não pôde tirar a vida de Jó. Jó passou no teste e entrou prá história bíblica como um exemplo de paciência(7) , apesar da inconformação. Ninguém é de ferro!
Se não bastasse isso, fui transportado ao Novo Testamento. E então me recordei que foi o Espírito que conduziu Jesus ao deserto(8) . Conduzido pelo Espírito vamos a qualquer lugar, não é mesmo? Quem não gosta de ser identificado como pessoa cuja vida é conduzida pelo Espírito? Só que dessa vez o Espírito conduziu Jesus para uma situação desagradável. Levou o mestre para ser tentado. Isso mesmo, foi o Espírito quem conduziu Jesus à presença do Capeta. Muito estranho! Fica a impressão de que a idéia que se tinha do Coisa-Ruim nos tempos bíblicos era diferente da construída a partir da Idade Média e que, ainda hoje, prevalece em alguns círculos religiosos. Parece que havia uma crença de que o Cabra da Peste estava a serviço de Deus, muito mais do que imaginamos.
Depois de mais de uma hora ainda me perguntava, afinal por que e para que ele estava lá? E mais: se ele continua ao derredor, bramando, buscando a quem possa tragar (9), por que essa ação lhe seria permitida? Estaria também, nesse caso, a serviço do Criador? Estaria também fazendo o papel de testador?
Pensei em tudo isso. Levantei diversas perguntas, mas não deixei que a falta de respostas me incomodasse por uma razão simples: sujeitar-se a Deus e resistir ao Valente é um remédio infalível(10) . E mais: além de não permitir que sejamos expostos à tentação insuportável, Deus providencia meios para nos libertarmos dela (11).
1. Gênesis 3.1
2. I Reis 22.8
3. I Reis 22.13
4. I Reis 22.19-23
5. João 8.44
6. Jó 1.6-12
7. Tiago 5.11
8. Mateus 4.1
9. I Pedro 5.8
10. Tiago 4.7
11. I Coríntios 10.13

Paulo, machista e conservador? (2004)

Paulo tem sido identificado por muitos, como um machista conservador. Essa acusação se deve ao fato de afirmar que as mulheres deveriam ser submissas a seus maridos e que deveriam permanecer em silêncio na igreja. Porém, uma análise do contexto sócio-cultural em que ele estava inserido e do papel da mulher naquela sociedade nos surpreende, tornando a acusação pouco justa.

Em “Jesus e as Estruturas de seu tempo” (E. Morin, Edições Paulinas, 1984) vemos que as mulheres deveriam obedecer aos homens porque a crença era de que Deus deu poder a eles. Geralmente elas eram associadas aos escravos pagãos e crianças. As filhas podiam ser vendidas, como se fazia com escravos. Aos homens era recomendado que orassem agradecendo a Deus por não os terem sido criados como mulheres.

Em termos de educação, a lei não lhes eram ensinada, pois isso seria o mesmo que ensinar-lhes a devassidão. Alguns mestres julgavam preferível queimar a Torá (lei) a ensiná-la à mulher. Nas sinagogas elas ocupavam lugares separados dos homens por uma barreira. Em nenhuma hipótese elas tinham acesso aos lugares reservados aos escribas.

No casamento, ainda que não fossem escravas do marido, eram posse sua. Cabia a elas não somente prepararem a alimentação dele, mas também lavar suas mãos, pés e rosto, coisas não exigidas de escravos judeus. Em termos de divórcio o direito ao repúdio era quase que exclusivamente do marido.

O testemunho de uma mulher não era válido. As casadas não podiam ser olhadas e nem sequer cumprimentadas pelos homens. Elas não participavam da vida pública e, na cidade ou diante de pessoas importantes, somente poderiam aparecer com véu na cabeça.

Em “Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos” (Merryl C. Tenney, J.I. Packer e William White Jr., Editora Vida, 1984) os autores descrevem a condição da mulher de maneira romântica. Eles não se manifestam sobre a justiça das relações homem-mulher. Pelo contrário, enaltecem as mulheres como virtuosas por agirem como agiam em contexto tão adverso.

A postura desses autores é de simplesmente reproduzir acriticamente o que os registros bíblicos apontam, sem nenhuma reflexão sócio-política. Ao tratar do papel da mulher de forma enaltecedora, seus escritos trazem imbutidos uma ideologia que legitima e alimenta relacionamentos injustos. Suas descrições, entretanto, confirmam a condição inferior das mulheres, mesmo que não tenha sido este o propósito dos escritores.

Agora me responda: se, num contexto como o descrito, em que mulher, escravo e objeto quase se confundem, alguém aparece ensinando que elas deveriam ser amadas, essa postura seria machista e conservadora? Claro que não!

Creio que as palavras de Paulo foram as “palavras possíveis” para seu tempo e espaço, uma vez que, enquanto o novo – a restauração da graça - estava sendo estabelecido, os efeitos da ruptura com o velho – o legalismo – precisava ser politicamente administrado. Desafiar homens a amarem – e não somente usarem - suas mulheres significava defender uma nova forma de relacionamento. Podia parecer pouco explícito, acanhado até, mas no desenrolar do processo os efeitos seriam revolucionários.

Imagino os conflitos interiores de Paulo, na formulação, apresentação e defesa desse novo comportamento. Compreendendo as perdas que a mudança representaria para os homens, entendo porque ele parece dar dois passos à frente e um para trás. Entendo, também, porque os homens-interpretes de hoje se apegam mais aos “passos para trás” do que aos “para frente” que Paulo deu.

Dois problemas posteriores a Paulo determinam a lentidão nos avanços das relações sociais homem-mulher. O primeiro, de natureza teológica, tem a ver com a canonização e absolutização dos escritos de Paulo. No momento em que a igreja decidiu fechar o Cânon, os avanços nas mudanças foram dificultados pois, aos teólogos, restaram duas alternativas: ou rompiam com a decisão da Igreja se expondo ao risco de serem marginalizados pejorativamente como modernistas, liberais, ou faziam marabalismos linguístico-teológicos com tais textos visando encontrar saídas que desatassem o nó. A maioria absoluta, compreensivamente, continua escolhendo a segunda opção.

O segundo problema é de natureza política. Na agenda de discussões político-doutrinárias da igreja, o tema submissão da mulher aos homens ocupou muito mais espaço nos debates do que o tema amor dos homens por elas. Essa ênfase na submissão e não no amor, retrata a resistência dos homens em aceitar as perdas políticas resultantes da proposta de Paulo.

Vale salientar que quem sempre definiu a agenda de temas a serem debatidos na igreja foram os homens. Quem sempre interpretou e escreveu sobre textos bíblicos foram os homens. Essa condição fez com que eles não somente pudessem escolher o que deveria ser discutido ou não, mas também possibilitou que o que eles pensavam se estabelecesse como verdade. Quantos livros de hermenêutica escritos por mulheres você conhece? Como elas poderiam fazer isso se não podiam, por decisão política dos homens, sequer se matricular numa escola teológica para estudar técnicas de interpretação, linguas originas e temas afins? Como as mulheres poderiam difundir o que pensavam ou sentiam se os púlpitos, por decisão política dos homens, eram espaços masculinos?

Estudando a natureza das relações sociais e como os sistemas são montados, entendemos porque tantas rupturas surgem no seio eclesiástico. É que, quando pessoas que têm uma visão diferente da dominante, perdem a esperança de ver avanços acontecerem, resta-lhes a alternativa do rompimento. Nas rupturas, brechas se abrem e raios de sol penetram nas estruturas escuras e mofadas que sufocam a beleza da vida.

Paulo não foi tão conservador e machista como é acusado. Nós é que somos ao nos calarmos diante de pressupostos teológicos e agendas de debates que nos favorecem e de relações humanas tão injustas.

Pastores ou executivos? (2004)

Um reflexão sobre o conflito entre economia e espiritualidade na igreja


O pastorado está sendo contaminado e engolido pela economia da religião. Evidência disso é a centralização da atenção ministerial em números, estatísticas e megalomania patrimonial. Aumentar a qualquer preço a quantidade de clientes nos cultos é a meta prioritária, sendo secundário se, no dia-a-dia, tais pessoas continuam vivendo na UTI da existência.

Diante disso um novo perfil de pastor está sendo exigido: o de especialista em propaganda e venda de promessas vãs. Pastores preparados para apascentar, que usa cajado e vara, com inteligência, conhecimento e amor, em favor da libertação das pessoas têm poucas chances de serem requisitados neste novo mercado eclesiástico.

Nos templos deste novo mercado, os discursos e celebrações são aparentemente libertadores, pela catarse emocional proporcionada, mas, de fato, são verdadeiros “afeganistões” de ópio. O discurso pseudo-missionário de “povoar o céu” é nocivo, na medida em que é desprovido de métodos e motivações espirituais. (Por favor, não venham com jargões, dizendo que o que importa é que o evangelho seja pregado, descontextualizando as palavras paulinas!)

Quando necessitam de pastor, igrejas do neoliberalismo religioso usam “critérios claramente empresariais”, como escreveu Rubem Alves (Dogmatismo e Tolerância, Ed. Paulinas, SP, 1982). Tais critérios visam selecionar, no mercado, aqueles que demonstram ser mais capazes na condução dos negócios da igreja.

Ao permitir que a função ministerial seja transformada na de um empresário da fé, o pastor se desqualifica para excercer sua vocação espiritual e minimiza sua capacidade de oferecer respostas adequadas para problemas das demais dimensões da vida. Então, diante dos crescentes e complicados problemas humanos, o uso de respostas superficiais - ação demoníaca para tudo, por exemplo – torna-se cada vez mais comum.

Alguns pastores entram nessa “roda viva” sem perceber que suas ações são mais econômicas do que espirituais. Cedendo à pressão no sentido de apresentarem resultados relativos a aumento de adeptos, templos, congregações ou dinheiro, deixam em segundo plano a missão de ajudar pessoas à administrarem suas vidas de tal forma que priorizem o cultivo da espiritualidade e manifestações de solidariedade.

Não defendo que pastores devem virar eremitas ou se trancarem num mosteiro. A idéia é que tenhamos clareza das diferenças entre Pastor e Executivo, a fim de que não nos deixemos pisotear pelo rolo compressor da economia. Devemos nos capacitar para interagir com todas as dimensões da vida, sem perder de vista o eixo em torno do qual gira nossa atividade.

Pastores precisam de mais tempo para oração, meditação bíblica e reflexão. Para oração, porque temos muito a dizer a Deus a respeito do que se passa em nossas vidas, famílias, igrejas e comunidades. Meditação bíblica, porque não há na face da terra coletânia inspirada e tão rica de textos que registrem tantas e tão diferenciadas experiêncais humanas com Deus. Reflexão, porque na avaliação crítica do que praticamos, dizemos e lemos está a chave para modificarmos a realidade interna e externa de nossas vidas.

Esse tempo, aos olhos dos economistas da religião é improdutivo. Imaginem: enquanto os membros da igreja ganham o pão de cada dia através da produção de bens e serviços, o pastor trabalha no campo da espiritualidade, isolando-se num escritório, usando parte do tempo para ler, orar e meditar. Isso, para supervisores da linha de produção da fé é vagabundagem, é vida fácil! Trabalho mesmo, dizem, é o deles que resulta em produção material ou aumento de capital.

Levantar a voz em defesa de igrejas caracterizadas por espiritualidade não empresarial é um imperativo se quizermos ajudar a reduzir a massa de infelizes, sufocados dentro das paredes da religião. Do contrário, em vez de libertação, seremos agentes de enganação, exploração e opressão. Por isso, é fundamental diferenciarmos atividades espirituais de econômicas em nossa ação pastoral.

Juizo final (2004)

Creio que um dia cada pessoa prestará contas de sua vida a Deus. Não creio assim somente porque está escrito na Bíblia. Creio também assim porque, além de uma necessidade, o Juízo Final faz parte de um sentimento geral, percebido em diversas religiões e textos filosóficos.

Não consigo entender a vida como um absurdo, como obra do acaso. São tão complexas suas estruturas – seja em termos químicos, físicos, biológicos, etc. - que se tivesse sido obra do acaso, certamente adorado seria o “acaso”! Por crer que a existência é fruto de elaboração divina, creio, também, que ela tem uma finalidade e que a participação humana nessa finalidade será julgada.

Não sou neurótico em relação ao Juízo. Não durmo e acordo pensando nele. Quase nunca falo sobre isso à igreja. É que desde que depositei minha fé em Jesus – expressão de Deus como Salvador – o fiz por compreender que salvação é resposta humana à graça divina e não medo de inferno. Enfatizo, então, a graça divina.

Viver sob a graça de Deus faz com que não me preocupe como céu ou inferno. Simplesmente curto, diariamente, minha comunhão interior com o criador, tentando viver em amor. Vivendo em amor, estou convencido de que estou dentro dos parâmetros divinos. Vivendo em amor, vislumbro o céu!

No Juízo, Deus não perguntará se entramos na briga pró ou contra aborto, casamento homosexual, oração em escola pública ou conceito teológico adotado em relação à Bíblia. A questão será: nossas ações ou omissões foram expressão de amor? Segundo Jesus, seremos indagados se demos de comer aos famintos ou de beber aos sedentos; se acolhemos estrangeiros com dignidade; se ajudamos a vestir despidos ou se fomos solidários com enfermos (Mt. 25.31-46).

Destesto pensar em Juízo Final de forma chantagista. Tenho horror à pedagogia do medo. O sentimento de medo tem seu papel na estrutura decisória humana, mas jamais deve ser usado para chantagear o agir das pessoas. João diz-nos que “todo aquele que permance no amor permancece em Deus e Deus nele. Dessa forma o amor está aperfeiçoaodo entre nós, para que no dia do juízo tenhamos confiança, porque neste mundo somos como ele. No amor não há medo; ao contrário o perfeito amor expulsa o medo, porque o medo supõe castigo. Aquele que tem medo não está aperfeiçoado no amor” (I Jo. 4.17-18)

Então, usar o Juízo Final como chantagem é fazer com que pessoas ajam movidas pelo medo. Essa é uma pedagogia doentia. Pelo contrário, as pessoas devem agir por razões positivas. O amor é a razão positiva para nossa conduta.

As Escrituras dizem que “o homem está destinado a morrer uma só vez e depois disso enfrentar o Juizo” (Hebreus 9.27). Isso é um alerta para incrédulos e referencial doutrinário para a igreja. Sobretudo, porém, é indicativo de vida, pois precede a afirmação de que Jesus foi sacrificado para perdoar nossos pecados e oferecer-nos salvação.

Creio que no dia do Juizo haverá muita surpresa. Muito religioso metido, orgulhoso, que age como juíz da vida alheia, se surpreenderá com vereditos de Deus em relação à pessoas que ele condenava em seu dia-a-dia. Se surpreenderá, porque apesar de ser “religiosamente religioso”, não aprendeu que “toda a lei se resume num só mandamento: ‘ame o seu próximo como a si mesmo’”! (Gálatas 5.14).

Crer que cada um prestará contas de si mesmo a Deus, me faz preferir compartilhar, à tentar impor, a fé. Gosto de compartilhar a fé e entendo isso como meu dever. Se isso ajudar alguém a viver em comunhão com Deus e em amor com seu semelhante, terei cumprido minha missão.

E você, o que pensa do Juízo Final? Ele mexe com sua vida hoje?

Infidelidade conjugal (2004)

Infidelidade Conjugal é importante tema no campo do relacionamento humano. Ela afeta as dimensões emocional e espiritual do indivíduo, desestabiliza a família, afeta a convivência social, prejudica o desempenho profissional e pode até culminar em criminalidade.

Em algumas abordagens jornalísticas o assunto é tratado de forma jocosa ou simplesmente como algo corriqueiro que não merece maiores preocupações. Tais abordagens passam a impressão de que (in) experiências particulares ou desejos latentes dos escritores prevalecem sobre a análise crítica e norteadora.

O princípio da fidelidade foi construído culturalmente ao longo da história, com base em experiências e suas conseqüências nos grupos sociais. Sistematizado detalhadamente, geralmente através de uma tradição religiosa, é repassado de forma oral ou escrita, através dos que dominam o universo religioso. Porém, a cultura do povo e as idiossincrasias individuais determinam maior ou menor submissão ao princípio.

Os cristãos que crêem na autoridade normativa do Segundo Testamento (coleção de textos canonizados pela Igreja Católica, dentre os diversos produzidos pelos primeiros seguidores de Jesus, visando nortear posicionamentos ético-doutrinários da igreja) são mais ou menos radicais em relação ao assunto, de acordo com a formação acadêmica ou estrutura de personalidade de seus líderes.

Teorias ou posicionamentos políticos à parte, todos concordam, porém, com os danos provocados pela infidelidade. Independente, portanto, das questões teológicas, filosóficas, antropológicas, sociológicas, psicológicas, biológicas, enfim, que envolvem o assunto, é inegável a dor que caracteriza a vida dos envolvidos na infidelidade conjugal.

Se as pessoas tivessem noção prévia das conseqüências dolorosas da infidelidade, provavelmente pensariam melhor antes de, irracionalmente, darem vazão aos sentimentos motivadores. Digo irracionalmente porque, via-de-regra, a infidelidade é impulsionada por uma força interior aparentemente incontrolável, capaz de fazer com que o candidato a infiel ou não enxergue as conseqüências ou, simplesmente decida arriscar-se a pagar o preço das possíveis conseqüências. Sem ajuda externa, de pessoa qualificada técnica, emocional e espiritualmente, dificilmente se consegue alterar o propósito do coração.

O triste é que, consumado o objetivo, verifica-se, primeiro, que um ato é insuficiente para satisfazer o desejo e, mais tarde, que todo o prazer alcançado é infinitamente menor do que os efeitos colaterais dolorosos que produz. Diante dos sentimentos destrutivos que assediam o coração, alguns tentam abafá-los envolvendo-se em ativismo doentio, excesso de álcool ou uso de drogas, legalizadas ou não. O corpo fragiliza-se e enfermidades aparecem, como no caso de Davi (Salmo 32.2). A dor é tal, pelo menos nos mais sensíveis a valores espirituais, que o fantasma da morte ronda em forma de desejo. Somente a graça divina, manifesta através de pessoa qualificada pode restaurar o equilíbrio na alma.

Quem se envolve em infidelidade é incapaz de mensurar as conseqüências na vida do cônjuge. Este, independente das explicações teóricas, parece ser o que sofre mais. O fato de sentir-se vítima de traição, a perda da confiança em alguém que faz parte de seus pilares de sustentação emocional, a tristeza de saber que o afeto antes tido como somente seu ter sido canalizado para outrem, os efeitos humilhantes da repercussão social, a tomada de consciência da falta de controle na situação em que o fato se deu, a própria indignação da cruel invasão de terceiros na intimidade daquele que lhe era sagrado, enfim, podem culminar em reações drásticas, irracionais e irreversíveis. O pensamento dominante é que, eliminando-se os traidores, elimina-se a dor. Crimes passionais, portanto, não ocorrem por amor ou ódio, mas pelo desejo de eliminar a própria dor.

O resultado final de um ato de infidelidade é imprevisível. Pode haver restauração da relação, uma simples separação ou até, em casos extremos, ações criminosas. Por isso, é essencial que se busque a imediata restauração do equilíbrio emocional, seguida de reflexão sobre possíveis causas, sob monitoramento de pessoa qualificada.

A restauração da relação é possível, conquanto longa e dolorosa. A transparência e a verdade como meios de resgate da confiança, são essenciais. A abertura para reconhecimento de necessidades não supridas na relação, surgidas antes ou durante o casamento, bem como de possíveis erros cometidos por ambos nos processos que antecederam ao fato, são indispensáveis. A busca de ajuda espiritual, visando restaurar a graça, a misericórdia, o respeito, o afeto, o amor mútuo, enfim, são fundamentais. Somente quando nos abrimos, ainda que através de uma pequena brecha, para o agir divino, algo novo e bom pode acontecer.

Contadores de histórias (2004)

Pelo esforço intelectual e diploma alcançado, eles têm reconhecimento e respeito social, mas continuam sendo seres de carne e osso. Os longos anos de estudo lhes dão ar de autoridade, possibilitam técnicas especializadas de pesquisa e linguagem rebuscada, mas continuam susceptíveis às mesmas paixões que cegam ou distorcem a visão de todo mortal. Refiro-me aos Contadores de histórias ou Historiadores ou como alguns preferem, Pesquisadores de história.

Quando um Contador de história toma a decisão de narrar determinado acontecimento jamais é destituído de sentimentos motivadores. Um dos mais pobres seria contar histórias simplesmente para entrar para a história como Contador de histórias. Outros, mais nobres, seriam o desejo de resgatar verdades, de promover justica, aperfeiçoamento ou de oferecer subsídios para quem quer refletir e influenciar os rumos de seu mundo.

Sendo humanos, eles não são, absolutamente, neutros. Ainda que treinados, suas idiossincrasias influenciam suas narrativas. Se as histórias contadas aconteceram em sua própria época, a neutralidade é comprometida pelo envolvimento politico-emocional. Se são de um passado distante, além de reproduzirem a ótica dos autores do material usado, a própria seleção desse material se limita a objetivos pré-estabelecidos. Curiosidade: se gostam dos atores historiados, enche-os de elogios, esconde seus pecados; se não…

Alguns Contadores não diferenciam o fenômeno social chamado história, da simples tentativa de se narrar, linearmente, a cronologia dos acontecimentos. A história como um fenômeno social acontece de forma “desordenada”, num intrincado jogo de relacionamentos marcados por interesses difusos. Já a narrativa é o ponto de vista de alguém que tenta estabelecer uma ordem cronológica, destacando aquilo que interessa a seus olhos, de acordo com o objetivo de seu trabalho.

É relativamente fácil colocar acontecimentos em ordem cronológica, sem considerar quem eram seus atores, em que contexto social seus papéis foram desempenhados e quais interesses estavam em conflito. Esse tipo de narrativa tem seu valor, mas pouca ou nenhuma contribuição dá à compreensão dos acontecimentos e ao aprendizado que conduz as leitoras a uma reflexão e revisão de posicionamentos.

Quem conta um conto pode aumentar um ponto ou mesmo dar um desconto. Tudo depende da inteligência e dos sentimentos motivadores. Por isso, quem lê histórias deve procurar o maior número possível de pontos-de-vista, a fim de que, num exercício de senso crítico, entenda, inclusive, o que estava por detrás daquilo que não foi explicitamente narrado ou o que se diz através do que não se disse. Como história não se faz somente com documentos é fundamental que se saiba algo a respeito de quem os produziu, para qual finalidade e porque foram destacados.

Motivo e finalidade da narrativa determinam a seleção do material. Tomemos a história de Jesus como exemplo. Que quantidade de informações temos sobre sua vida afetiva, educacional, econômica ou de lazer, por exemplo ? Por que o material disponível se refere predominantemente à dimensão espiritual de sua vida? A resposta está na finalidade dos contadores da história. A ênfase, certamente seria outra, se o objetivo não fosse religioso ou se fosse contada pela ótica de seus opositores.

Se o primeiro solo pisado pelos descobridores do Brasil foi Porto Seguro, pelos portugueses, ou Cabo de Santo Agostinho, pelos espanhóis, é outro exemplo. Os interesses político-econômicos atuais falam mais alto, dizem, do que a documentação que comprova a cronologia dos fatos.

Da mesma forma, por que há polêmica entre qual teria sido a primeira igreja batista no Brasil (ou brasileira)? A controvérsia, certamente, não é somente pela verdade cronológica. Há outras motivações que dificilmente seriam verbalizadas. Tais motivações não são, necessariamente, dos Contadores de história, mas daqueles que tirariam proveito da narrativa para demarcar territórios politico-econômicos, conquistar prestígio, fazer prevalecer ou negar certa identidade...

No mundo adulto dos Contadores de história, tem ainda a história dos contadores oficiais. Eles existem, geralmente, para enaltecer acontecimentos relacionados a atores aliados, instituições para qual trabalham ou grupo ao qual pertencem. Consequentemente, desvalorizam, omitem ou mesmo denigrem a imagem dos opositores. Cabe aos que têm interesses contrarios à história narrada, provar que os fatos não se deram como são oficialmente contados, tarefa nem sempre fácil.

Se contar história é comunicar-se, deve-se considerar, finalmente, o problema da comunicação. Há diferença entre “o que se quer dizer, o que se diz, o que o outro escuta, o que o outro pensa do que escuta, o que o outro diz sobre o que se disse e o que se crê que o outro disse sobre o que se disse” .

Por tudo isso, fique de olho nos Contadores de história, sejam eles o filho narrando a briga com um irmãozinho; o pastor ou ovelha contando sua versão de um conflito eclesiástico; o conjuge narrando problemas conjugais a um conselheiro; o empregado dando relatório ao patrão; o jornalista fazendo uma reportagem ou mesmo a narrativa do especialista que passou pelos bancos de faculdade de história.

Lembre-se de que nem sempre o Contador de história explicita suas finalidades e motivações e, certamente, sua versão é uma versão. Há outras que podem até ser diametralmente opostas.

Aprendiz de pastor (2004)

Era quinta-feira, 29 de abril. Estava me sentindo entristecido. Encontrei o carteiro ao chegar em meu apartamento, conversamos um pouco e ele entregou-me uma correspondência registrada. Ao abrí-la, sentei-me em minha cama e ri. Era meu certificado de Especialização em Ministério Pastoral, acompanhado do Histórico Escolar do Curso de Mestrado em Teologia do Seminário do Norte. O histórico apontava que meu aproveitamento, considerando-se a soma das notas obtidas, representava 92,5% da pontuação possível nas disciplinas das quais participei. Mas não recebi o título de Mestre por não ter entregue a dissertação final. A mudança de país e suas implicações tornaram impraticável o cumprimento do prazo acordado.

Você deve estar se perguntando: que relação teria tristeza, risada e um título de especialista? Tentarei explicar.

Durante mais de vinte anos de ministério, nunca parei de estudar. Quando não estava envolvido em algum curso oficial, me envolvia em cursos de curta duração, palestras, conferências, seminários ou em leituras que me ajudassem a fazer melhor aquilo a que me propunha. Pastoreei duas maravilhosas igrejas e dirigi um colégio batista. Atuei em praticamente todos os níveis da estrutura denominacional, sem precisar me oferecer ou fazer campanhas. Nunca precisei correr atrás de emprego. Convites sempre surgiram, inclusive comerciais, em contextos que me permitiam decidir aceitar ou não, sem pressões.

A última igreja na qual fui pastor – Emanuel em Boa Viagem, Recife, por duas vezes – é o que chamaria de igreja completa. Estrutura física próxima do desejável, estrutura organizacional flexível ao desenvolvimento ministerial, liderança qualificada e comprometida com a causa, recursos financeiros acima da média regional, localização privilegiada no bairro mais populoso e com maior renda per capta da cidade e membrezia na casa dos 1000. Lá, tudo o que aprendi e ensinei em termos de administração eclesiástica podia ser praticado.

De repente, me vejo numa realidade missionária, despreparado técnica e psicologicamente para tal. Diametralmente em situação oposta a que vivia anteriormente, me encontro trabalhando com uma comunidade que se reúne em templo alheio; mal dispõe de recursos financeiros para custear o mínimo necessário para funcionar; seus membros, conquanto pessoas amáveis, não são, em sua maioria absoluta, disponíveis para realizar a obra; o pastor é o único remunerado, em condições econômico-financeiras inferiores a anterior e, para ver o trabalho andar, realiza o papel de professor de Escola Bíblica, secretário, office-boy, corista...

Diga-se de passagem, quando me graduava em Teologia, aproveitei para estudar teoria musical, regência e, acreditem, dois semestres de piano. Acreditava que iria pastorear igrejas pequenas e isso ajudaria. Depois de duas décadas, pensava que não mais usaria isso, especialmente quando pastoreava igreja que até escola de música tinha. E não é que aqui já precisei reger, ajudar ensaiar vozes no coral e até voltar a tocar violão em reuniões!

Se não bastasse isso, o perfil psico-social da membrezia é totalmente diferente. O fato de 80% das famílias estarem em situação ilegal no país e boa parte cultivar o pensamento de juntar dinheiro e voltar para o Brasil ou se preparar para eventual deportação, faz com que tempo para igreja, preocupação com crescimento pessoal ou investimento em relações sociais, inclusive familiares, sejam secundários.

Entende agora meu momento de tristeza? Entende porque ri ao receber um Certificado de Especialista? Não que estivesse totalmente desanimado mas, pelo fato das coisas não andarem na velocidade a que estava acostumado, às vezes a tristeza toma conta e até chorar já chorei (o que não é novidade para pastor...). Ri porque estou convencido, como nunca, de que, apesar da experiência ministerial e de um certificado acadêmico de especialista, as circunstâncias exigem, como nunca, que continue um aprendiz.

P.S. Conheci, no início de maio, o Pr. Joed e Ida Venturine, missionários dos batistas brasileiros no interior do Guiné Bissau. Percebi, então, que sou analfabeto em abnegação. Estou chorando de barriga cheia, se comparado às circunstâcias deles!