domingo, 6 de abril de 2014

"As rosas não falam" (ou, quando a dor individual é necessária ao bem-estar coletivo)

Se alguém diz que sente prazer quando fere o outro, ou é sádico ou está dominado por profundo sentimento de vingança, fruto, por exemplo, de injustiça, desrespeito ou humilhação que acredita ter sofrido.

Não faz parte dos objetivos de vida das pessoas em estado minimamente saudável, querer ferir, até porque sabem que, como dizia sua avó, "que com ferro fere, com ferro será ferido".

A convivência humana, conquanto traga consigo um potencial diversificado e imenso de experiências prazerosas, é acompanhada de elemento pontuais, pontiagudos, que machucam, fazem sangrar e até matam.

Digredindo.



A rosa é um dos mais interessantes exemplos disso. Apreciamos rosas. Paramos para olhar quando nos deparamos com uma. A estética produz prazer. Basta um olhar. O olhar não exige maior aproximação. 

Além da estética,  a rosa também nos proporciona prazer pelo olfato. Seu perfume é agradável, por isso o inalamos com produndidade, seguindo-se, geralmente, algum tipo de exclamação.

O paladar também pode ser usado para extrairmos prazer da rosa. Chás de rosa são conhecidos por sua leveza, suavidade, sabor e aroma. Fala-se também do mel de rosas, mas nunca experimentei.

Além da estética, do perfume e do sabor, a rosa também possibilita um outro meio de prazer: o tato. (Quem nunca pegou uma e a roçou levemente no nariz, deslizando pelo rosto, que atire a primeira pétala). Isso porém exige aproximação máxima. Mais do que isso, exige que seja pega pelo caule e aqui reside um problema. Parece que, consciente de sua libidinosidade, sua força atrativa, ela criou algo em si que nos alerta: espinhos. Sem eles, elas poderiam ser "mal-tratadas" e mais facilmente destruidas pelo instinto possuidor alheio.

As rosas, então, oferecem tudo que o ser humano gosta, mas não tudo que o ser humano precisa. As rosas, já dizia e cantava Cartola, não falam! Se falassem, estragaria a magia! Sim, pois falar e ouvir exige perfeição. Por falta dela - da perfeição -, diria o autor bíblico, tropeçamos.

As palavras são um diferencial que nos torna melhores e piores do que as rosas. Com boa autoestima e cuidado próprio, podemos proporcionar ao outro tudo que uma rosa oferece. (E se tivermos boa vontade para cultivar ou dinheiro pra comprar o que nos é oferecido para melhoria do espírito, do intelecto, do corpo, etc, nos tornamos imbatíveis!). Mas, as palavras...

As palavras veiculam informações que nos fazem reagir com alegria ou tristeza, prazer ou dor, aproximação ou afastamento, aceitação ou rejeição. O tom e volume usados para pronunciá-las evidenciam o tipo do nosso caráter em sentido psicológico; o tipo de relação que está se estabelecendo entre pessoas e o objetivo que se quer alcançar ao usá-las. Quanto menos os corações estão afinados, mais elevado é o volume de voz; quanto mais afinados, menos precisamos dela.

Voltando à idéia inicial.

Nos ferimos e isso já sabemos. A questão que me fez viajar nas palavras é que as feridas causadas por quem está em evidência, liderando, podem ser em maior quantidade do que de quem está em situação oposta. Ferir não é essencial, nem inerente ao exercício da liderança, porém, muita vez, o líder se encontra em circunstâncias nas quais precisa escolher entre ferir um ou muitos, uns ou todos.

Didaticamente falando, quando um líder percebe que um está fazendo mal a todos e após dialogar percebe que esse um não manifesta sinais de mudança de atitude, resta-lhe decidir pelo mal menor que é, se inevitável, ferir um pra proteger o todo. Quanto mais essa decisão é adiada, mais profundas poderão se tornar as feridas da coletividade. 

Se a política do bem-estar próprio está acima dos interesses da coletividade, este líder adia sua decisão e se beneficia da função, sugando tudo que pode, até o bagaço. 

Portanto, avalia-se o resultado das ações de um líder não somente destacando a natureza dos ferimentos e a quantidade dos que se sentiram feridos, mas também a natureza e quantidade dos que deixaram de ser feridos pelas ações de quem foi afastado.

A ênfase a indivíduos feridos, em detrimento da coletividade sujeita aos ferimentos por eles provocados é equivocada e coloca em dúvida a finalidade da avaliação.

Uma rosa é muito importante, mas, se sendo cuidada não apresentar melhoras, é podada quando apresenta riscos comprovados ao jardim. Elas podem não falar, mas ferem!

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