sexta-feira, 14 de dezembro de 2018

"Sabedoria" e "Inteligência Emocional"?

Há quem apregoe que "sabedoria" e "inteligência emocional" são característicos daqueles que não se envolvem em conflitos de natureza política, inclusive os de natureza político-religiosa ou político-eclesiástica ou ainda político-denominacional. Esse tipo de "sabedoria" e "inteligência emocional" (ou a falta delas) seriam a causa de, no popular, alguém se dar bem (ou se dar mal) na vida.

Reconhecidas as exceções patológicas, ninguém se envolve em conflito porque gosta, muito menos porque gosta só de si. Se envolve porque enxerga e acredita que há algo nocivo, doentio, na formatação estrutural, política, ideológica, enfim, do grupo ao qual pertence que precisa ser corrigido, curado, elucidado. Se envolve porque persegue o bem não só pra si, mas também para todos.

Se "sabedoria" e "inteligência emocional" fossem ser capaz de nunca se envolver em conflito, que classificação daríamos à pessoa de Jesus? Ou à pessoa de Paulo? Ou será que  ignoramos as narrativas abundantes dos conflitos de Jesus com Fariseus, de Paulo com comerciantes e religiosos? Teria sido por nada que um foi parar na cruz e o outro atrás das grades?

Se por comodidade, medo ou outro até bom motivo alguém valoriza e, por isso, prioriza nunca envolver-se em conflito, essa é uma escolha que deve ser respeitada. Até mesmo escolher ser um covarde vivo a um herói morto seria legítimo. Cada um sabe onde seu sapato aperta e reconhece até onde é capaz de ir.

Daí, entretanto, "sinonimizar" a escolha de nunca envolver-se em conflitos como "sabedoria" ou "inteligência emocional" soa-me muito mais como conversa pra King (o Martin, não o monarca) dormir do que verdade.

Faça um levantamento na história de quem fez diferença no desenvolvimento social da humanidade ou de um segmento dela ou mesmo em um pequeno grupo e descubra o percentual desses que seriam classificados como "sábios" ou "emocionalmente inteligentes", segundo a definição pacifista. Se o percentual não for zero, chegará próximo disso.

A história daqueles que fizeram diferença social na caminhada de um grupo, de uma sociedade, demonstra que, sim, eram "sábios", "emocionalmente inteligentes". Apenas o escalonamento de seus valores tinha sequência diferente, com outra prioridade.

Eles decidiram não viver só pra si, só pra preservar  emprego,  salário,  posição social ou privilégios.  Antes, tiveram um senso de justiça social, sentiram a dor dos enfraquecidos, empobrecidos ou fragilizados pelos sistemas, eram empáticos, compassivos, corajosos e focados.

Eles pensavam no que precisava ser feito e em como fazer pelo bem de todos e agiam, mesmo que isso lhes custasse perda de privilégios, do status quo, da vida. "É preciso obedecer antes a Deus do que aos homens!” (Atos‬ ‭5:29‬), acreditavam.

Todo relacionamento é conflituoso. Cabe, portanto, a cada um, e é desejável e recomendável que assim seja, desenvolver a capacidade de buscar a harmonia através de diálogo, negociação, acordo, visando o maior benefício para todos, pelo menor custo emocional, político, etc, possível.

Mas, se os privilégios inaceitáveis de uns são mantidos a base dos sofrimentos inaceitáveis de outros, nada resta a ser feito senão preparar-se pra cruz ou pra prisão, com muita "sabedoria", "inteligência emocional", mas também altruismo, coragem, competência e muito amor ao próximo.

A alternativa a isso seria, "pilatianamente", "lavar as mãos", mantendo-se com curriculo "limpinho", com aparência de "cidadão de bem", de "bom mocismo" e, com "sabedoria" e "inteligência emocional", passar os dias sentado "no trono de um apartamento com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar".


0 comentários: