quinta-feira, 6 de maio de 2010

Quando a saudade encanta

 Por Gláucia Carvalho Gimenes

Deitada em minha cama, contemplo através da janela, um céu claro, sol límpido e vento calmo e suave. Olho parte da cidade e vejo copas de árvores verdes e lavadas pela chuva, pequenas borboletas amarelas saltitando ao seu redor. Prédios altos e imponentes completam um lindo quadro de um colorido muito vivo e encantador. Digo: como gostaria de estar lá fora fazendo parte desse encanto do viver!

Logo me reporto a momentos suaves e belos como este: momentos eternos, de saudade, de paz e aconchego.
Vejo mamãe nos preparativos da chegada da filha querida na volta anual para as férias em casa. Férias sonhadas, merecidas, depois de tempos longe, de esforço e estudo. Era um verdadeiro mimo do céu, encontrá-la serena, contente e até um pouco orgulhosa da filha que voltava para seu aconchego.

Lembro de cada detalhe: casa arrumada, limpa e cheirosa; bolo recheado e fresquinho; comida da melhor qualidade com frutas e verduras para completar uma dieta simples, mas saudável.

As marcas do seu rosto, mamãe, não me deixavam esquecer que o tempo era implacável, mas seu sorriso franco, seus macios cabelos cinzas, seus passos ligeiros e certos, sua bondade e alegria me enchiam de uma emoção sem igual. Como era bom desfrutar daquele momento tão esperado!

No quarto o melhor lençol, a melhor roupa de cama. O cheirinho era inconfundível. O mosqueteiro servia para afugentar temíveis insetos que jamais poderiam tocar a pele da filha. Na cozinha as panelas antigas, herdadas de vovó, reviviam emoções e a mesa com sua toalhinha vermelha me esperavam com uma deliciosa fatia de bolo. Enquanto me deliciava, seus olhos ávidos ficavam e assim falávamos das aventuras nos estudos e da grande cidade.

Para mamãe, minha chegada representava o encantamento. A filha que foi se preparar para servir a Deus, o que mais seu coração podia esperar?
Quanta expectativa e prazer ao voltar ao lar! Todos os amigos sabiam, todos da igreja queriam me ver, todos que cresceram comigo queriam participar daquela festa.  Minha filha já chegou! Minha filha está em casa! Minha filha está mais bonita! Venham vê-la!
Recordo-me da visitas inumeráveis e até cansativas, mas agradáveis.

Mamãe querida, queria poder voltar no tempo, mas a chamada do Pai nos separou.  Queria te encontrar, mas, sei que ao voltar não estarás mais lá e isso me deixa a face molhar. Queria poder dizer tudo o que sinto, o que você me fez ser, o que plantou em mim e me possibilitou fazer diferença.

Marcas ficaram... A saudade de voltar ali e te ver de novo, poder abraçar-te e pedir sua bênção está viva e me deparo com o imenso vazio de não te encontrar.

Mamãe, dos cabelos cinza e brilhantes; dos bolos fresquinhos de laranja e das tortas de abacaxi; dos dias que tanto amei e me senti acolhida; que me levava à igreja e me fazia compreender e sentir que era o melhor lugar do mundo para servir, para estar, para aprender e para amar; das escolas bíblicas nas quais sempre vi a grande professora ensinar; das melodias que gostava de cantar em vozes com as três filhas: “Que doce voz tem meu senhor, voz de amor tão terna e graciosa”. Graciosa era a sua voz que entrava com seu mavioso contralto para a harmonia pronta e encantadora ficar; que me fazia tocar no velho piano as melodias que gostava, até cansar. Horas a fio, uma por uma entoadas com a alma e o coração agradecidos a Deus que tudo lhe dera, inclusive a bela voz; das plantas que fez crescer bonitas e viçosas, como era seu amor e cuidado por elas. Mamãe, você foi meu chão firme e seguro.

Sei que posso dizer hoje para meus filhos que volta não haverá mais, porém, eles podem ver e reconhecer o que você deixou de mais grandioso: o seu amor por mim.

Obrigada mamãe.

3 comentários:

Ju 8 de maio de 2010 às 11:36  

Gláucia, que linda história, inspiradora e edificante. Desejo a ti felizes dias e se amanhã te encontrar não hesitarei em te dar um abraço. Grande beijo Ju.

Raquel Xavier 11 de maio de 2010 às 12:13  

Lindo texto, Gláucia, fiquei emocionada. Bjs., Raquel.

nanda& 15 de maio de 2010 às 23:04  

Glaúcia,parabens,que história emocionante.