sexta-feira, 14 de maio de 2010

Irmão processa Irmão?


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- Há duas senhoras na recepção querendo falar com o senhor, disse a secretária.
- Quem são elas? Perguntou o pastor.
- Zefinha de Jesus e Madalena Cruz, respondeu a secretária. Elas disseram que precisam tomar uma decisão muito importante e precisam ouvir sua opinião de qualquer jeito.
- Peça a elas que entrem.
A Porta se abriu e elas, meio sem jeito, mas demonstrando forte convicção de que o que as trazia ali era muito sério, se acomodaram e foram direto ao assunto.
- O que nos traz aqui é o seguinte: fomos demitidas de uma organização de uma igreja e ficamos sabendo no sindicato que o valor que deveríamos receber de indenização seria maior do que o pago. Falamos com o diretor da instituição e ele recomendou que entrássemos com uma ação judicial a fim de que o acordo fosse feito em juízo e o assunto fosse encerrado. O problema é que aprendemos desde quando nos convertemos que crente não põe ninguém na justiça, muito menos uma organização da igreja.
- Sob que justificativa isso lhes foi ensinado? Perguntou o pastor.
 Zefinha citou um texto de Paulo aos Corintios, capítulo 6 verso 1 que diz:  “Aventura-se algum de vós, tendo questão contra outro, a submetê-lo a juízo perante injustos e não perante santos?”
Lendo rapidamente a sequência do texto concluiu: “Para vergonha vo-lo digo. Não há porventura, nem ao menos um sábio entre vós, que possa julgar no meio da irmandade? Mas irá um irmão a juízo contra outro irmão, e isto perante incrédulos?”
O pastor pensou um pouco e, em vez de começar a comentar o texto, como que caminhando noutra direção, perguntou a elas: - vocês sabem o que a Bíblia diz sobre autoridades? Ouçam: “Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus” (ROM. 13). Além desse, há outros textos, continuou o pastor e lançou uma pergunta?
- Quem são estas autoridades no Brasil? Seria o Poder Judiciário brasileiro uma autoridade constituída por Deus? Sem pensar duas vezes Zefinha respondeu: - claro! Então, continuou o pastor, se o Poder Judiciário foi constituído por Deus, submeter um conflito para ser julgado por ele não contraria a vontade de Deus. Além disso, precisaríamos ter mais tempo pra explicar como era o sistema judiciário em Corinto e em Israel, nos tempos de Paulo, pra entender a recomendação dele para aquela época e, depois, verificar que princípio pode ser trazido para hoje, mas isso exigiria mais tempo e outros elementos que envolvem a interpretação e compreensão de um texto.
- Ah, pastor, acho isso estranho, falou Zefinha, enquanto sua companheira acompanhava silenciosamente o diálogo. - Se esse negócio de conflito entre irmãos já é estranho, continuou ela, ir à justiça é mais estranho ainda.
- É verdade, Zefinha, mas lembre-se de que conflitos fazem parte de nossa vida. Lembra dos conflitos de Jesus com os fariseus, com Herodes,  com os comerciantes do templo?, perguntou o pastor. Lembra do conflito por causa da discriminação das viúvas de fala grega? Lembra, também, dos conflitos de Paulo com Barnabé e com Pedro?  E o caso de Evódia e Síntique? E o caso de Diótrefes? Não quero com isso, cuidou de justificar-se o pastor, alimentar conflitos. Apenas estou dizendo que eles sempre aconteceram na vida das igrejas e de todos os seres humanos.
- É verdade, pastô, mas a ponto de ir à justiça é muito feio, disse Zefinha.
Percebendo sinais de conflito interior, o pastor esclareceu: - Zefinha, observe que o que estamos clareando é a legitimidade ou não de um crente ir a juízo contra outro e não se é saudável ou se se deve evitar conflitos entre irmãos. É claro que todo esforço deve ser envidado para que os conflitos sejam minimizados, mas há situações que envolvem não somente questões racionais, mas também emocionais, conscientes ou inconscientes, por isso os conflitos acontecem.
Como que com dificuldade para acompanhar as abstrações da conversa, Zefinha retomou a questão objetiva que a trouxe com a colega ao gabinete pastoral.
- Então o senhor acha que não é errado entrar com uma ação contra a organização da igreja?
Mais uma vez, cuidadosamente o pastor esclareceu: - Nesse caso, entrar com uma ação não é resultado de uma briga, mas um meio de proteção da empresa. A idéia, pelo que estou entendendo, é negociar a ação perante o juiz, a fim de que, o que ali for acordado, não possa mais ser discutido. Então não há nada de errado. Se a intenção da organização fosse lesar seus direitos poderíamos dizer que ela estaria agindo errado, mas não parece ser o caso, concluiu o pastor.
Recuperando o fôlego e sentindo-se à vontade Zefinha provocou: - Então o senhor acredita que não é pecado crente entrar na justiça?
- Claro que não, respondeu o pastor. O direito de procurar as autoridades judiciais para julgar uma situação é legítimo. O que precisa ser considerado é o que está em discussão, disse o pastor.  Observe bem, continuou,  geralmente elementos emocionais afloram em divergências de qualquer natureza. Quando, porém envolvem situações que implicam em prejuízos claros para uma das partes e não se consegue chegar a um acordo, o caminho é o poder judiciário. Entretanto, ponderou o pastor, sempre é bom lembrar o ditado que diz que um mau acordo é melhor do que uma boa briga. Perder uma capa é melhor do que arriscar-se a perder a vida.
- Nós conversamos com o advogado do sindicato, disse Zefinha, e ele disse que não deveríamos pensar duas vezes; que o melhor caminho seria entrar mesmo com uma ação.
- Faz parte do papel deles, respondeu o pastor. Advogados não são defensores da lei, mas de causas. Quando procurados, a postura deles, primeiramente, não é colocar diante do possível cliente uma lei que o desestimule a entrar com a ação, mas conhecer  bem a causa e, então, avaliar se há brechas nas leis que oferecem chances sólidas de defesa para a causa trazida. Se ele percebe que a causa tem boas chances de ser ganha, ele incentivará a ação.
Nessas alturas, mesmo  sem ter certeza de que Zefinha e a companheira estavam alcançando o que ele comentava, arriscou-se a continuar.
- Isso acontece porque as leis são escritas com palavras cujos significados são múltiplos, portanto passíveis de interpretação e sua aplicação pode variar de acordo com o contexto. Além disso, nenhuma lei é capaz de abarcar todas as situações que brotam nos relacionamentos de milhões de pessoas.
- Honestamente, disse Zefinha, não tô entendendo muito desse negócio de significado de palavras, interpretação, mas entendi que não é errado crente entrar com processo contra um irmão.
- Dizer que é errado ou certo, depende de cada história, mas o direito de procurar uma autoridade constituída para julgar um conflito, depois de esgotadas as possibilidades de acordo que seja bom para as duas partes, não tenho nenhuma dúvida. É o que penso, disse o pastor.
 (Inauguração do Balcão de Justiça e Cidadania, do Tribunal de Justiça da Bahia, no Centro Comunitário mantido pela Igreja Batista da Graça, SSA)


Vendo que o assunto chegou ao limite, o pastor olhou pra Madalena, que silenciosamente acompanhava o diálogo, e perguntou: - E você, o que pensa sobre o assunto?

5 comentários:

Anônimo 16 de maio de 2010 às 16:22  

Quanto ao texto do blog, devo afirmar que é muito bom. Esclarece, de maneira simples, alguns conceitos jurídicos de não tão fácil apreensão, se explanados de forma técnica.

Explico: em linhas gerais, a questão disposta no texto, do ponto de vista jurídico, relaciona-se com o principio do acesso `a justiça, previsto na Constituição (art. 5º, XXXV – “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”), e que se constitui, inclusive, em um direito fundamental, previsto na Declaração Universal dos Direitos Humanos (Artigo 8 - “Todo o homem tem direito a receber dos tribunais nacionais competentes remédio efetivo para os atos que violem os direitos fundamentais que lhe sejam reconhecidos pela constituição ou pela lei”); trata-se, ainda, da aplicação do princípio da igualdade, segundo o qual, sendo todos iguais perante a lei (art. 5º, caput, da Constituição), a crença religiosa não pode ser utilizada como pretexto para excluir direitos, como o de acessar a Justiça nacional (art. 5º, VIII, da Constituição).

O outro ângulo da questão, do ponto de vista das Escrituras, ou mesmo do ponto de vista moral, em se considerar inapropriado que um irmão acione o outro judicialmente, também me parece suficientemente esclarecido no texto.

Há apenas, do ângulo jurídico, uma ressalva a ser feita. Espero conseguir explicá-la de forma simples. É o seguinte: um acordo implica renúncia de ambas as partes. Se a questão versar direitos civis (p. ex., propriedade, contrato, etc), não haverá grandes questionamentos para que o juiz homologue um acordo extrajudicial, já que os direitos civis são, geralmente, renunciáveis. Mas, em se tratando de direitos trabalhistas, que são, em regra, irrenunciáveis, um acordo extrajudicial não resolve a questão de maneira tão simples, de sorte que os empregadores costumam requerer `as partes que ajuízem a ação, uma vez que o acordo judicial é mais seguro, inclusive do ponto de vista da imutabilidade (coisa julgada). O problema é que tal ação é apenas uma simulação, uma vez que já há a predisposição ao acordo. Enfim, trata-se de discussão a respeito dos limites morais e jurídicos das chamadas “lides simuladas”.

Mas isso, confesso, é excessivamente técnico, e não é essa a mensagem buscada pelo texto, que atinge, de forma bastante satisfatória, os seus objetivos.

TG

Ingrid 17 de maio de 2010 às 02:52  

Pr. Edvar, graça e paz !

Peço humilde e amorosamente que o senhor conheça as pregações desse grande pregador e homem de Deus chamado Paul Washer. Em especial, em vídeos ou em textos "As dez acusações contra a igreja moderna"
Deixo o link do "Voltemos ao evangelho" que traduz esses vídeos, mas eles também os tem em inglês que o senhor também pode ter acesso, se preferir.

http://voltemosaoevangelho.blogspot.com/2008/11/dez-acusaes-contra-igreja-moderna.html

Oro para que o Espírito Santo de Deus o incomode até que veja todos esses vídeos.

Que Deus tenha misericórida de todos nós.

Por Ele,

Ingrid Almeida

Anônimo 17 de maio de 2010 às 10:05  

Toda pessoa tem liberdade para agir da maneira que quiser. Toda ação afeta uma outra pessoa.
Por causa desses dois fenômenos sociais é que existe a ÉTICA que, como uma forma de pensar aprendida e refletida, visa gerenciar a liberdade da pessoa para que esta não afete os outros para o mal.
A ética tem sua coluna nas isntituições que guardam os princípios epassando-os a diante.
E essas instituições têm como função colateral impor às pessoas limites, por temor das punições previstas. Mas isso só funciona para quem tem senso de justiça. Quem não tem, faz o mal e joga com as isntituições como se elas o servissem.
Seja Deus, a Igreja, o Poder, o Estado, para quem não tem senso de justiça tudo isso serve apenas para interesse próprio. E são geralmente essas pessoas (sem senso de justiça)que causam os maiores escândalos dentro do "Reino de Dentro"

A ética bíblica é a ética deontológica, a ética verdadeira. Ela nos mostra como viver o Reino, como Deus/moisés mostrou no deuteronômio como viver na terra prometida, e como o povo não cumpriu nada do que Deus/moisés recomendou, também não cumpre nada hoje.
Nós não sabemos viver no Reino, não temos capacidade de refletir a ética Bíblica, assim sendo só nos resta o juizado e que Deus faça justiça ao justo e puna o ímpio através do instrumento que for adequado. (lembremos do grande servo de Deus lá em Jeremias 27:6)

O pastor da anedota orientou corretamente as irmãs.

Se nós fôssemos como a Bíblia manda, seria pecado processar um irmão. (no caso descrito pela anedota)

Paz.

Essa casta só sai com oração e jejum.

professor Irmão Delor

Alvaro Junior 18 de maio de 2010 às 11:59  

Meu mano, simplesmente genial... Muito edificante não tiro nem boto palavras!!!

Hélcio 18 de maio de 2010 às 22:03  

Muito bacana o texto! ;-)