A nova vida comunitária em Cristo e a função social do trabalho
“O que furtava não furte mais; antes trabalhe, fazendo algo de útil com as mãos, para que tenha o que repartir com quem estiver em necessidade.” (Efésios 4:28 NVI)
Nossa leitura e prática dos ensinos bíblicos é seletiva. Desde a busca por palavras de conforto nas famosas caixinhas de promessa até a necessidade de rechear nossos sermōes para garantir que eles sejam percebido como bíblicos, a seleção faz parte de nossa relação com as Escrituras Sagradas.
Seletivo também é o destaque que damos aos textos que sustentam nossas crenças, valores e até mesmo a ideologia das ênfases ministeriais que abraçamos. Os textos que fortalecem, por exemplo, a ética corporal, conjugal ou familiar por nós defendidas, estão sempre na ponta da língua. Já os que tratam das relaçōes econômico-sociais não recebem qualquer atenção, quando não passam totalmente despercebidos ou até “espiritualizados”.
Esse é o caso do versículo em epígrafe. Raramente se prega sobre ele, talvez porque não haja como aplicá-lo sem incomodar o “stablishment”. Como geralmente não queremos ter problemas políticos com aqueles que se beneficiam do modelo estabelecido de relacionamento sócio-econômico-financeiro, optamos por retirá-lo do nosso cardápio diário.
Mas ele está ali e o mesmo Espirito Santo que inspirou Paulo, continua livre, inclusive livre dos poderosos príncipes deste modelo cultural opressivo, e, vez por outra, quando abrimos a Palavra em busca de luz para os nossos caminhos ele nos brinda e faz nosso coração pulsar um pouco mais aceleradamente. Quando isso ocorre, até procuramos seguir a leitura devocional adiante, mas é como se ele travasse o sentimento e não o liberasse enquanto não dermos a atenção devida àquilo que ele quer nos dizer.
O que ele disse a mim, foi a mim. A você, leitora, cabe examinar os espíritos conforme I Jo 4:1 e decidir o que fazer com esta palavra.
A mim sinto que ele está dizendo que, na nova vida em Cristo roubar é um verbo que deve ser retirado não só do meu vocabulário, mas também do vocabulário de nossas comunidades. Ele está dizendo que, embora seja importante estarmos informados dos roubos praticados contra nosso dinheiro administrado pelos governos públicos e que, como cidadãos, devemos participar do combate a ele, está dizendo que o não roubar deve ser realidade primeiramente em minha vida, família, igreja, trabalho, escola ou denominação religiosa, círculos enfim, que fazem parte do meu mundo significativo imediato.
Roubar, sob qualquer nomenclatura ou motivação, não deve pertencer ao nosso novo modelo de vida em Cristo.
Mas ele me diz mais através desse desconfortável texto. Diz que devemos nos conscientizar da finalidade de nossas mãos. Elas devem ser usadas de maneira útil, isto, de maneira que o resultado de seus movimentos seja benéfico e não maléfico, altruísta e não egoísta.
Nesse sentido, a palavra nos anima a entendermos que há uma evolução no desenvolvimento da nova vida em Cristo, nas relaçōes com as coisas. Inicialmente respeitamos o direito à propriedade; em seguida resignificamos o uso das mãos, depois passamos a trabalhar e, finalmente, passamos a incluir o outro no resultado do nosso trabalho. É uma mudança incrível. Partimos de uma situação pecaminosa na qual tirávamos do outro e atingimos uma graciosa na qual compartilhamos o que é nosso com o outro.
Dividir com o outro é parte essencial da nova vida em Cristo. Como cada um administra isso deve ser fruto da própria comunhão com Deus, mas não há como negar que compartilhar o fruto do nosso trabalho seja evidência da nova vida em Cristo.
É claro que muitos detalhes precisam ser ponderados. Por exemplo: como agir com os aproveitadores, diante das palavras bíblicas que dizem: “aquele que não trabalha que não coma”? (II Tess. 3:4). Como encarar aqueles que acumulam dinheiro como resultado de relações trabalhistas ou comerciais injustas, exploradoras e aparentam generosidade fazendo doações financeiras generosas? Sim, esses são exemplos de pontos que merecem reflexão, mas não alteram o princípio que nos ensina que não há como viver sinceramente a vida em Cristo sem que haja alteração em nossa relação com as coisas do outro e na finalidade do nosso trabalho. O trabalho deixa de ser apenas para sobrevivência econômico-financeira individual e passa a ter também uma finalidade social. O que passar disso, parece-me, é de procedência maligna.
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