Umas e outras (Férias, igreja, Convenção, Lula, Malafaia, ovos, mortadela, VEJA, cientistas...)
Gláucia perguntou-me o que iria fazer. Respondi que iria
escrever, como terapia. É assim: uns pescam, outros ficam na rede, outros
escrevem... Cada um faz o que lhe dá prazer com seu tempo livre.
Férias, igreja e Convenção
Hoje, posso dizer, é meu último dia de férias. Amanhã
volto à rotina: aula no seminário, palestra para missionários em seu retiro anual,
texto para boletim, estudo bíblico para quarta-feira, mensagens para o domingo,
agenda de aconselhamento, reunião com ministros e, enfim, o que ocorrer na
família, igreja, Convenção...
Férias é um tempo bom. A igreja merece. Eu também.
Voltando à igreja, cheguei de viagem e já dei uma passada
por lá. Coisas boas estão acontecendo e desafios também.
Lula e Malafaia
Dessa vez, segundo se noticiou tanto na mídia do alto,
quanto do baixo clero, na de chapa branca e na marrom, ou, se preferirem, na da Casagrande e da Senzala,
ele fez comentários jocosos com pastores neopentecostais que mexeu com os brios
da população dita evangélica. De repente esqueceu-se de que a maioria do povo
chamado evangélico é feita de empobrecidos, seu nicho eleitoral.
Malafaia, em seu papel de comentarista político de
religião mandou ver. (Não estranhe. Não
é demérito ser comentarista de religião. Há comentaristas de economia, de
futebol, de gatos e cachorros, enfim, nada demais nem de mal, um comentarista
de religião). Com sua capacidade indiscutível de comunicar-se, de articular as
palavras, de defender seu nicho, como Lula defende o seu, Malafaia mostrou com quantos paus se faz uma canoa.
Negando a acusação
que Lula teria feito, de que pastores neopentecostais atribuem tudo ao diabo,
não só discursou contra essa idéia como denunciou um monte de maracutaias que o
PT, não o diabo, teria feito. Disse que a única paternidade do diabo declarada
na Bíblia seria a mentira e, portanto, diante da mentirosa campanha eleitoral
do PT e das negações de Lula de nada saber em relação à corrupção,
classificou-os como filhos do Dito Cujo. Finalizou, com um apelo que pode ser
chamado, no contexto, de “tiro de misericórdia”: declarou que não odeia Lula e
que Jesus tem poder para libertar da cachaça quem o aceita. Pronto, em nome de Jesus xingou Lula de
pinguço, como se dizia lá em Garrça, na minha longínqua infância.
Lula deixou de representar minhas expectativas políticas
por reformas estruturais há algum tempo; Malafaia nunca me representou. Acompanhando
esta discussão, choro mais do que rio. Choro pelos de esquerda que Lula declara
defender, choro pelos pobres dos pastores evangélicos que Malafaia auto
declara-se representar. Choro pelos dois lados: por ter sido rotulado ao longo
de minha vida como evangélico e de esquerda.
Ovos, mortadela,
VEJA e cientistas
Comprei também meia dúzia de ovos, caros, no Bom Preço.
Cresci comendo ovos. Ovos fritos, batidos, cozidos na água e no feijão, na
salada. Gosto de bater um ovo com cebola e Orégano e comer como omelete.
Delicioso. Naquele tempo não se questionava a “saudabilidade” dos ovos, até
porque havia dias em que eram a única “mistura” do almoço, graças às galinhas
criadas no quintal.
Depois veio a conversa de que a ciência destacava seus
malefícios. Continuei comendo.
Não costumo dar ouvido a discursos só porque estão
embalados em batas brancas e óculos de grau. Já pensava assim antes de ler “Filosofia
da Ciência” e “Entre a ciência e a sapiência”, ambos de Rubem Alves. Lê-los
ajudou-me a organizar melhor meus pensamentos nessa área.
Nada contra a ciência. Tudo contra a absolutização dela,
como linguagem única para se entender e se relacionar com a vida.
Voltando aos ovos. A chamada de capa da VEJA (sim, minha
insegurança política não é tal, a ponto de não ler Veja). diz: “OVO. Depois de muito vai e vem, a
ciência finalmente dá o diagnóstico: ele faz bem”. Ri. Eu já sabia. Sinto muito
pelos teleguiados que deixaram de comer ovos, só porque a “ciência”, irmã gêmea
do “mercado”, disse ou deixou de dizer.
Abro as páginas amarelas da revista e lá está uma
entrevista publicitária com Richard Dawkins. Ele está lançando mais um livro no
Brasil e se VEJA prepara o caminho do lançamento com a presença dele, é sucesso
de vendas num segmento. Dawkins, professor de Oxford, decidiu construir um
caminho literário num nicho pouco explorado comercialmente: a defesa do
ateísmo. Se deu bem comercialmente.
O problema da teoria de Dawkins é igual a dos ovos. Tem
um monte de gente que só acredita no que a ciência diz, por isso para de comer
ovos. Se um cientista diz que Deus não existe, serei ateu. Não importa as
diferenciações filosóficas muito bem feitas por Paul Tillich entre ser e
existir. Não importa a reflexão de Carl Jung sobre a incapacidade da parte
explicar o todo. Muito menos importa se, por razões que não vem ao caso,
Dawkins decidiu dar um corte epistemológico em seu trabalho, decidindo não
entrar no terreno dos “fatores desconhecidos e aleatórios” como ele diz. Ora,
se optou por não entrar neste terreno, por que abraçou o discurso do ateísmo?
Discursar-se como ateu é apenas o outro lado da moeda da reflexão sobre “fatores
desconhecidos e aleatórios”, repito, como ele diz. É uma forma de encarar e se
relacionar com o mistério.
Agora, o fato dele ter optado por desconsiderar Deus em
seus estudos, de ser cientista de Oxford, de defender o ateísmo, de ser
entrevistado nas páginas amarelas de VEJA, não me impedirá de comer ovos. Ele
faz a escolha dele com os critérios que escolheu, eu faço as minhas com os
meus. Ele responde por ele. Por mim respondo eu. Sem crise.
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