Angra dos Reis e Porto Príncipe
Os olhos do Brasil estavam voltados para Angra dos Reis, talvez a mais badalada cidade, pelas celebridades e elite, do litoral brasileiro. A cidade foi fortemente atingida por chuvas, dezenas de pessoas morreram e centenas ficaram desabrigadas.
Eis que, de repente, a imprensa reduz drasticamente as informações sobre Angra e passa a falar de Porto Príncipe, no Haiti. Segundo algumas fontes, em torno de 212.000 pessoas teriam morrido vítimas de fortíssimo terremoto, além da destruição de toda a cidade, deixando milhões de pessoas literalmente na rua.
Se nos sensibilizava saber da dor de compatriotas de Angra, por que o foco passou a ser Porto Príncipe? Simplesmente porque a diferença entre os dois casos é notável. A magnitude do terremoto e a extrema miséria na qual vive a população haitiana simplesmente soterram o drama de Angra dos Reis.
Em outras palavras, não só o número de vítimas, mas suas condições sociais e a realidade econômica dos dois países que abrigam tais cidades são diametralmente opostas.
Enquanto a renda per capta de Angra dos Reis era, em 2003, de R$ 9.913,00, a de Porto Príncipe, em 1998 era de R$ 700,00 (em torno de 80 vezes inferior a dos Estados Unidos). 80% da população vivem abaixo da linha da pobreza. Mais da metade sobrevive com pouco mais de R$ 50,00 por mês.
Isso significa que, o valor gasto corriqueiramente num restaurante por um casal brasileiro de classe média baixa é o mesmo que mais da metade da população do Haiti dispõe para alimentação, transporte, saúde, educação, lazer, vestuário, etc, durante 30 dias.
Um pastor amigo da Florida, cuja igreja há anos ajuda o povo haitiano, dizia-me certa vez que se os Estados Unidos resolvessem colocar uma fábrica de bolas de beisebol no Haiti, provavelmente a miséria caminharia para o fim. A questão é que a grande bandeira da maioria das igrejas, num país em que mais de 90% da população se declara “cristã”, tem sido tão somente a salvação do inferno futuro, sem se interessar pelo fato de milhões, no presente, já experimentarem o inferno da injustiça social.
Por isso, não podemos nos espantar quando o pastor pentecostal Pat Robertson declara que a catástrofe teria sido fruto de um pacto que os haitianos teriam feito com o diabo para se libertarem dos franceses. Esse discurso é subproduto da teologia obscurantista ensinada em destacados seminários e reproduzida nas igrejas, bem como da política adotada por parte de nossas lideranças cristãs, de boicotar iniciativas que estimulem o envolvimento social das igrejas.
Angra e outras cidades brasileiras estão sofrendo. Nada, porém, se compara à história de Porto Príncipe. Daí a importância de não só levantarmos ofertas, mas também continuarmos lutando para que valores do Reino de Deus brilhem em nós, em nossos relacionamentos e estruturas que dão sustentação às nossas vidas.
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