Fidelidade a Deus na Era da Infidelidade
"Quem é fiel no pouco, também é fiel no muito, e quem é desonesto no pouco, também é desonesto no muito” (Jesus, em Lc. 16.10)
Não disponho de dados, mas, baseado em diversas evidências, suponho que “nunca antes na história” a infidelidade foi tão perceptível.
Não me refiro à infidelidade a marcas de produtos. Essa já está comprovada por pesquisas e o fato é atribuído a diversos fatores como, por exemplo, aumento na diversidade de marcas e na concorrência; ascensão das classes C e D; maior acesso à informação; advento da internet, enfim.
Também não me refiro à infidelidade conjugal, prática profundamente nociva à saúde individual, familiar e social, já comprovada por pesquisas. Nesse caso, devido a fatores como autonomia econômico-financeira da mulher, redes sociais virtuais, metropolização das cidades, dentre outros. Há quem afirme que agora “os homens estão traindo com culpa. E as mulheres, traindo como nunca”. Percebe-se que não há apenas uma mudança na qualidade do comportamento, mas também na quantidade de casos.
Não me refiro, ainda, à infidelidade eclesiástica. Isso também se tornou compreensível com o fim do monopólio da fé cristã pela Igreja Católica, via reforma constitucional; com a conscientização da pluralização, da diversidade, nas sociedades democráticas; com o uso de mídias modernas por igrejas de matriz protestante ou evangélica; com as infindáveis subdivisões formais e informais em todas as denominações; com a transformação da religiosidade em produto de comercialização pelo pós pentecostalismo ou mesmo com a frustração decorrente da queda na credibilidade de instituições antes irrepreensíveis.
O neoliberalismo atingiu a religião e a iniciativa privada passou a reger a abertura de igrejas em cada esquina, como se abre um empreendimento comercial. Diante disso, as pessoas substituíram a definição doutrinária pelo prazer da convivência como critério primeiro (e até único) de escolha da igreja a qual se unir. Assim, a infidelidade também é realidade em relação às igrejas.
Nada disso, entretanto, me assusta tanto quanto a percepção da infidelidade a Deus. Não que antes não houvesse. Na verdade, Deus sempre foi procurado muito mais como gênio da lâmpada maravilhosa ou pelo encantamento que coisas do sagrado provocam do que como regente de nossa conduta. A diferença é que no conjunto de membros das comunidades chamadas batistas – cito a minha denominação apenas pra não falar da vida alheia - percebia-se mais nitidamente a fidelidade das pessoas a Deus.
O comum, a regra, era a predominância de membros querendo conhecer mais e mais a Deus através do estudo sério das Escrituras, do conhecimento intelectual e existencial da pessoa de Jesus, da busca sincera pela presença do Espírito Santo.
Presença regular na vida da Igreja; prazer em devolver o dízimo, em entregar ofertas, visando manter e expandir as causas divinas e solidariedade, inclusive material, aos necessitados, eram manifestações de fidelidade comuns à maioria.
O que assusta hoje é que o comum foi invertido.
A infidelidade predomina e não é difícil de ser comprovada. Escolha, aleatoriamente, qualquer realidade que possa ser caracterizada como fidelidade a Deus e faça uma avaliação, dentre os membros de sua igreja. Quantos estão comprometidos com ações em seu cotidiano que sejam conseqüência consciente de fidelidade a “revelações” de Deus em seu coração? Quantos se sensibilizam diante da dor alheia como manifestação de compaixão inspirada na vida de Jesus? Quantos trabalham pensando não somente em suprir as próprias necessidades (ou excentricidades), mas também para ter com que acudir a necessitados?
Quantos manifestam interesse em saber se suas atitudes, palavras e ações são compatíveis com o caráter revelado do Deus em que crêem? Quantos se perguntam se Deus tem algo a ver com o início ou fim de um casamento? Quantos estão comprometidos com a vida em comunidade, como família de Deus, como corpo de Cristo? Quantos devolvem regularmente seus dízimos por acreditar que Deus tem alguma coisa a ver com o uso dos 100% do seu dinheiro? Quantos se perguntam, antes de fechar um negócio, se a ética que envolve a transação é agradável a Deus?
Quantos estão gritando: “Ai de mim! Estou perdido! Pois sou um homem de lábios impuros e vivo no meio de um povo de lábios impuros; os meus olhos viram o Rei, o Senhor dos Exércitos!”? (Is. 6.6)
Parece que Deus virou peça de museu.
Nossa era é a Era da Infidelidade. O padrão infidelidade foi de tal maneira assimilado também dentro das igrejas, está tão perto de nós na forma como nos relacionamos com Deus que me pergunto: será que faz sentido ou surtiria efeito lembrar: “Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus”?
Estou procurando “novos” indicadores de fidelidade a Deus para a Era da Infidelidade, mas, por não encontrar, sinto-me fora de moda. Se fidelidade é fruto de confiança e amor, será que as palavras de Jesus – “Quando, porém vier o Filho do homem, porventura achará fé na terra?” (Lc 18.8) ou “e, por se multiplicar a iniqüidade, o amor de muitos esfriará” (Mt 24.12) – estão se cumprindo em nosso meio?
1 comentários:
Edificante, tenho aprendido muito com o irmão. Minha oração é que Deus continue a preservá-lo.
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