quinta-feira, 28 de abril de 2016

1o domingo de maio: a propósito do "Dia Batista de Ação Social"


Ao longo da minha história no universo batista, dois detalhes ficaram na memória em relação à visão da igreja a respeito das questões sociais: a resistência e o combate.

Sobre a resistência, refiro-me ao posicionamento que desestimulava a atenção aos menos favorecidos, sob a alegação de que dar esmola era coisa de católicos, cuja salvação se conquistaria através de boas obras, ou coisa de espíritas, cuja tese em favor do interminável processo de purgação dos pecados incluia as obras de caridade.

Essa primeira tese foi sendo superada na medida em que a Bíblia foi sendo estudada com os "próprios olhos", com senso crítico e coragem para colocar em dúvida interpretações dominantes, não por não serem boas, mas por tão somente alimentarem a competição religiosa, a conquista e fidelização de novos "crentes".

O estudo aprofundado foi convencendo-nos das palavras bíblicas:  “Porque somos criação de Deus realizada em Cristo Jesus para fazermos boas obras, as quais Deus preparou antes para nós as praticarmos.” (Efésios‬ ‭2:10‬) e: “De que adianta, meus irmãos, alguém dizer que tem fé, se não tem obras? Acaso a fé pode salvá-lo?” (Tiago‬ ‭2:14‬)

Quanto a segunda visão - o combate - , ela ganhou força pouco antes do centenário dos batistas brasileiros, ainda na vigência da ditadura militar no Brasil e da guerra fria entre Estados Unidos e a antiga União Soviética.

Nessa época, dar o peixe (assistência social) e ensinar a pescar (serviço social) já haviam conquistado o coração de muitos líderes, mas um combate começou a ser travado em torno da "ação social", decorrente da seguinte questão: se uma torneira está vazando, nosso papel deveria ser o de continuar somente enxugando o chão com uma toalha ou também identificar a causa do vazamento e corrigí-la?

Em palavras mais objetivas: se existem sérios problemas sociais no mundo, quais seriam as causas espirituais, educacionais, psicológicas, econômicas ou políticas, por exemplo, dessa realidade? Deveriam os discípulos de Jesus cooperar com a manutenção da injustiça socorrendo os feridos de sistemas doentios (dando o peixe ou ensinando a pescar) ou lutar pelo aperfeiçoamento deles em benefício de todos? Essa questão enfrentou e continua enfrentando obstáculos. 

O primeiro obstáculo tem a ver com a manutenção do status quo. Uma coisa é uma pessoa, numa aparente manifestação de generosidade, tirar uns trocados do bolso e dar como esmola a alguém. Isso gera reconhecimento e aceitação social. Outra coisa é a mesma pessoa admitir que a construção da riqueza espiritual, intelectual ou material é coletiva, que deve ter em mente o bem coletivo e que, portanto, toda a coletividade deve usufruir do resultado de maneira justa e amorosa. 

O segundo obstáculo é que, para que as causas dos problemas sejam identificadas e corrigidas, são necessários estudos que não se limitam ao bíblico-teológico, exigem conhecimentos históricos, técnicos e filosóficos, além de disposição para enfrentamentos geradores de tensão interpessoal e social.

Por isso, os beneficiários e mamulengos dos sistemas estabelecidos pelos mais fortes ao longo da história, combatem ferozmente qualquer iniciativa de aperfeiçoamentos nos sistemas.

Para isso, usam dois argumentos no meio evangélico:
1. "Isso não é bíblico". Nesse caso, entenda-se como bíblico, uma leitura seletiva de textos da Bíblia (em geral sem levar em conta o contexto sócio-cultural) que fortalece a manutenção de suas posições ou um apego à falta de textos explícitos que as legitime. O uso da expressão "bíblico" gera uma impressão de autoridade espiritual, mas na verdade, nesse caso, não passa de uso ideológico visando a conservação das coisas como estão;

2. "Isso gera tensão e polêmica" - Nesse caso, um discurso teológico que elogia o pacifismo cristão e marginaliza quem não se enquadra é bem elaborado e repetido como mantra, visando gerar  sentimento de culpa em quem se opõe e de rejeição por parte daqueles que cercam os "polêmicos".

Nos dois casos a Bíblia é usada como o diabo a usou na tentação de Jesus ou como os ingleses a usaram em suas revoluções no século XVII (A Bíblia Inglesa e as Revoluções do Século XVII, de 
Christopher Hill).

Aproveitemos o "Dia Batista de Ação Social" para rever nossa visão de mundo e de ser humano visando a permitir que o amor de Deus nos impulsione a nos comprometermos com a assistência, o serviço e, sobretudo, com a ação social, a fim de aperfeiçoemos os sistemas sociais em benefício de todos.

2 comentários:

Jorge Pinheiro 30 de abril de 2016 às 11:01  

Obrigado Edvar, texto lúcido e necessário. Abraço, Jorge Pinheiro.

Fco.Araújo 30 de abril de 2016 às 11:22  

Aprovado.