quinta-feira, 29 de outubro de 2015

E eu com isso?

(Gênesis 4:1-16)

  No dia em que  Deus perguntou a ele por seu irmão, uma resposta com aparência de indiferença  foi usada. Indiferença, porém, não era um retrato verídico de sua realidade. Na verdade, suas palavras nada mais eram do que uma cortina de fumaça usada como escudo para mascarar o que de fato ocorreu: ele estava derrotado.



Sim, as palavras são um dos meios mais usados como esconderijo da alma. Cientes de que, como disse Jesus,  a boca fala daquilo que o coração está cheio, acreditamos poder  driblar nossos interlocutores usando-as para enganá-los. Falamos, falamos, falamos, muita vez sem ter consciência de que, agindo como uma espécie de matraca, tão somente queremos abafar algo que grita dentro do nosso coração e não nos deixa  dormir em paz.



Não era exatamente o caso dele. Suas palavras não foram usadas inconscientemente como um grito de socorro. Ele sabia muito bem o que estava dizendo através do que não dizia.



O não dizer também pode retratar uma tentativa de colocar a alma em uma caverna. O não dizer, nesse caso,  parece ser ainda pior do que o dizer porque ele se esconde numa aparência de sabedoria. Quem nunca ouviu falar que Deus nos deu dois ouvidos e somente uma boca, justamente para ouvirmos mais do que falar? Quem nunca ouviu dizer que freio na língua é sinal de sabedoria? Então, ficar calado, ouvir longa e pacientemente em silêncio, em  vez de sinal de sabedoria, de maturidade,  também pode ser nada mais nada menos do que estratégia de guerra para proteger-se do vozeirão que insiste em incomodar o coração anunciando de forma insistente, inconveniente até, nossa fuga.



Não foi esse o caso dele. Como disse, ele preferiu usar palavras ao silêncio, na tentativa de esconder seu desvio. Dizer que  o erro dele  foi por sentimento de inferioridade, por inveja, pela necessidade de poder, etc,  seria especulação, útil,  talvez, como instrumento de retórica visando encontrar, por acaso, uma cabeça na qual a carapuça pudesse servir. De objetivo, o que temos é que ele estava insatisfeito.



Deus sabia de sua insatisfação e, por amá-lo, apontou o caminho para vencer-se a si mesmo em vez de transferir a culpa de  suas dores ao seu irmão. Foi tão gracioso com ele que até mostrou as consequências de buscar um caminho alternativo que não o levaria diretamente ao ponto. Mas, a história infelizmente prova, ele preferiu desconsiderar as palavras de Deus, agir segundo a enfermidade de sua alma, pensando que conseguiria liberta-se do sufoco que seu coração amargurado lhe impunha.



Não atentou, porém, para o fato de que “nada há encoberto que não venha ser descoberto” como disse Jesus e, pior, acreditou que pudesse esconder-se atrás de palavras.



Mais forte, porém,  do que suas palavras,  era o clamor do sangue de seu irmão. Irmão que foi usado como bode expiatório quando quem precisava de expiação era ele. Justamente ele  que ouviu de Deus o caminho da expiação,  mas preferiu não dar ouvidos. E por ter escolhido o caminho errado tornou-se vítima de maldição. Não maldição imposta por Deus, mas maldição imposta por sua desobediência  ao caminho apontado por Deus para o seu problema.



Quem é ele? Qual era o problema dele? Como deveria ter  reagido à palavra de Deus? Ele tinha algo a ver com isso?



 Talvez ele seja eu e o problema dele, meu. Tenho tudo a ver com isso. Preciso apenas de coragem para  abrir-me à própria verdade  em vez de escondê-la, pois, mais dia, menos dia,  um clamor chegará aos ouvidos de Deus e usar palavras para esconder-me é perda de tempo, prejuízo certo, é um tiro no próprio pé. Melhor é usá-las para revelar-me e assim, libertar-me da maldição de carregar comigo a morte do próprio irmão.

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