E eu com isso?
No dia em que Deus perguntou a ele por seu irmão, uma resposta
com aparência de indiferença foi usada.
Indiferença, porém, não era um retrato verídico de sua realidade. Na verdade, suas
palavras nada mais eram do que uma cortina de fumaça usada como escudo para
mascarar o que de fato ocorreu: ele estava derrotado.
Sim, as palavras
são um dos meios mais usados como esconderijo da alma. Cientes de que, como
disse Jesus, a boca fala daquilo que o
coração está cheio, acreditamos poder driblar nossos interlocutores usando-as para
enganá-los. Falamos, falamos, falamos, muita vez sem ter consciência de que,
agindo como uma espécie de matraca, tão somente queremos abafar algo que grita
dentro do nosso coração e não nos deixa dormir em paz.
Não era
exatamente o caso dele. Suas palavras não foram usadas inconscientemente como
um grito de socorro. Ele sabia muito bem o que estava dizendo através do que
não dizia.
O não dizer
também pode retratar uma tentativa de colocar a alma em uma caverna. O não
dizer, nesse caso, parece ser ainda pior
do que o dizer porque ele se esconde numa aparência de sabedoria. Quem nunca
ouviu falar que Deus nos deu dois ouvidos e somente uma boca, justamente para
ouvirmos mais do que falar? Quem nunca ouviu dizer que freio na língua é sinal
de sabedoria? Então, ficar calado, ouvir longa e pacientemente em silêncio, em vez de sinal de sabedoria, de maturidade, também pode ser nada mais nada menos do que
estratégia de guerra para proteger-se do vozeirão que insiste em incomodar o
coração anunciando de forma insistente, inconveniente até, nossa fuga.
Não foi esse o
caso dele. Como disse, ele preferiu usar palavras ao silêncio, na tentativa de esconder
seu desvio. Dizer que o erro dele foi por sentimento de inferioridade, por
inveja, pela necessidade de poder, etc, seria especulação, útil, talvez, como instrumento de retórica visando
encontrar, por acaso, uma cabeça na qual a carapuça pudesse servir. De
objetivo, o que temos é que ele estava insatisfeito.
Deus sabia de sua
insatisfação e, por amá-lo, apontou o caminho para vencer-se a si mesmo em vez
de transferir a culpa de suas dores ao
seu irmão. Foi tão gracioso com ele que até mostrou as consequências de buscar
um caminho alternativo que não o levaria diretamente ao ponto. Mas, a história
infelizmente prova, ele preferiu desconsiderar as palavras de Deus, agir
segundo a enfermidade de sua alma, pensando que conseguiria liberta-se do
sufoco que seu coração amargurado lhe impunha.
Não atentou,
porém, para o fato de que “nada há encoberto que não venha ser descoberto” como
disse Jesus e, pior, acreditou que pudesse esconder-se atrás de palavras.
Mais forte,
porém, do que suas palavras, era o clamor do sangue de seu irmão. Irmão que
foi usado como bode expiatório quando quem precisava de expiação era ele.
Justamente ele que ouviu de Deus o
caminho da expiação, mas preferiu não dar
ouvidos. E por ter escolhido o caminho errado tornou-se vítima de maldição. Não
maldição imposta por Deus, mas maldição imposta por sua desobediência ao caminho apontado por Deus para o seu
problema.
Quem é ele? Qual
era o problema dele? Como deveria ter reagido à palavra de Deus? Ele tinha algo a
ver com isso?
Talvez ele seja eu e o problema dele, meu.
Tenho tudo a ver com isso. Preciso apenas de coragem para abrir-me à própria verdade em vez de escondê-la, pois, mais dia, menos
dia, um clamor chegará aos ouvidos de
Deus e usar palavras para esconder-me é perda de tempo, prejuízo certo, é um
tiro no próprio pé. Melhor é usá-las para revelar-me e assim, libertar-me da
maldição de carregar comigo a morte do próprio irmão.
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