segunda-feira, 6 de julho de 2009

Aviso Prévio para o Sr. Deus de missões

Prezado Sr. Deus,

Comunicamos que a partir desta data não mais precisaremos de seus serviços como cooperador na obra missionária desenvolvida por nossa instituição. Não poderíamos, entretanto, deixar de reconhecer os valiosos serviços prestados durante os últimos séculos à nossa denominação, bem como dizer as causas da demissão.

Seria até injusto se não destacássemos a importância de seu papel movendo de maneira misteriosa corações de homens e mulheres, crianças, jovens ou adultos, no sentido de se dedicarem a viver e proclamar o evangelho ou mesmo de, generosamente, dedicarem recursos materiais e espirituais para sustentarem obreiros, adquirir terrenos, construir templos, escolas, orfanatos, residências pastorais, enfim, dar condições para a efetivação do ministério.

Admitimos que de forma incompreensível, pessoas deixaram de viver em lugares modernos para se instalarem em lugares onde ninguém enxergava futuro, como tribos indígenas ou cidades então desconhecidas como, por exemplo, Jaguaquara, São José do Belmonte, Tatuamunha, Correntes, Presidente Bernardes ou Irece, mas, misteriosamente, vidas foram salvas ou edificadas na palavra, nestes lugares e depois se mudaram para grandes centros e se tornaram líderes importantes em suas regiões ou até mesmo nacional e internacionalmente.
Não entendemos bem, mas parece que a coisa era feita sem planejamento estratégico, só na base da cooperação contigo, usando-se muita oração, honestidade administrativa e o que chamavam de “dependência” na hora da tomada de decisões, mas, apesar disso, pessoas se diziam movidas por um impulso profundo que diziam vir do senhor e acabavam fazendo coisas extraordinárias em nome de Jesus.

Não poderíamos, portanto, neste momento em que estamos lhe dando este Aviso Prévio, deixar de agradecer sua cooperação.

Achamos, porém, ser justo também, que saiba o motivo de sua demissão. Sabe como é: as coisas mudaram, se modernizaram. Agora contamos com a tecnologia da informação, dados estatísticos, psicologia social. Muitos dos que se converteram lá no meio do mato, quando não existia televisão, celular ou internet, muito menos acesso à universidade, hoje entendem de técnicas de administração financeira, de recursos humanos e, principalmente de marketing. Patrimônios caríssimos, elegantes, foram feitos por esta gente, mas não podemos mais depender delas. Decidimos seguir a orientação de pessoas de destaque na mídia, com conhecimento de negócios, mesmo que com pouca ou nenhuma experiência contigo.

Sim, Sr. Deus, nós descobrimos que não há mais necessidade de contarmos com o senhor em nosso trabalho. Na verdade, com toda honestidade, cremos mesmo que incluir o Senhor em nosso trabalho é preocupante. Veja, por exemplo: descobrimos que falar das conseqüências de compromisso com o senhor em questões éticas como política, economia, administração financeira assusta um pouco as pessoas. Pessoas abastadas geralmente não gostam disso. Assim, chegamos a conclusão de que falar de compromisso com o senhor nesta vida não dá ibope, não produz bons resultados. Descobrimos que resultado mesmo é falar de uma vida futura, longe do inferno. As pessoas querem isso e, como muito prazer, dão dinheiro para que outros creiam nisso e não se sentem incomodadas com este negócio de ética, ajuda a empobrecidos, enfim.


Além do mais, aprendemos que não há necessidade de muita oração ou mesmo a velha história de vocação. Aprendemos a mexer com as emoções das pessoas. Aprendemos técnicas para despertar “vocações” ministeriais e desenvolvemos avançada pedagogia para preparar técnicos em ministério. Concluímos, por exemplo, que ensinar pessoas a pensar teologia bíblica, contemporânea, sistemática, filosofia da religião é contraproducente. O mercado está precisando de técnicos em administração eclesiástica, administração de conflitos, especialmente conjugais ou vendedores de um “discurso positivo”. Por isso, preferimos investir em treinamento objetivo, empresarial, para alcançar-se os resultados que desejamos e não em conhecimento da Palavra para que o senhor alcance os resultados que espera na vida dos ouvintes.

Aprendemos também a usar imagens e sons que emocionam. Mostramos crianças pretas barrigudas ou magricelas, velhos sem dentes usando chapéu de palha andando encima de jegue em lugares áridos e, sobretudo, incitamos a antiga briga religiosa, apresentando a infalível imagem de multidões seguindo imagens religiosas católicas ou de religiões afro. Claro, falamos das imagens visíveis que elas seguem e calamos a respeito das imagens que guardamos em nossos corações, afinal, não é uma boa estratégia de marketing falar dos nossos pecados. Tais imagens em Data Show, acompanhadas de uma voz grave e música emocionante, faz com que corações amoleçam, lágrimas desçam e bolsos se abram para contribuir.

Tem mais: se o Senhor continuar trabalhando conosco, nos sentiremos constrangidos na administração dos recursos que recebemos. Ficamos com sentimento de culpa por não declararmos de maneira transparente onde cada centavo é investido, quem ganha quanto e assim por diante.

Aprendemos também que não precisamos mais da ação do Espírito mediante a pregação da palavra, para levantamos cooperadores. Descobrimos que, levantando uma lista de nomes e endereços, especialmente eletrônicos, enviamos folderes com fotografias, textos com histórias de arrepiar e as pessoas depositam dinheiro diretamente em nossa conta. Até deixamos de chamá-las de membros da igreja ou do corpo de Cristo e preferimos usar um termo mais moderno: associados.

Diferente de suas ultrapassadas práticas milenares, concluímos que devemos colocar missionários onde tem mais gente e, de preferência, mais gente com mais dinheiro. É pouco estratégico investir dinheiro mantendo alguém em lugarejos com 5, 10 ou 20 mil pessoas. Isso é pouco inteligente. Com todo respeito, não entendemos como é que o Senhor, onisciente, deixou, durante séculos, que as igrejas não percebessem isso, que não se afinassem com as leis de mercado, deixando de escolher locais pelos critérios de densidade populacional, poder aquisitivo e forte presença de formadores de opinião.



Perdão, mas não acreditamos que o custo-benefício justifique investirmos em pessoas em lugares como Coronel João Sá, a cidade mais analfabeta da Bahia, quando temos uma região como Ilhéus e Itabuna com 500 mil habitantes com possibilidades de atração de turistas ecológicos de diversas partes do planeta. Claro, basta entender de mercado para ficarmos no sul da Bahia. Por que o senhor insiste em acreditar que deveríamos enviar missionários para Cabrobó ou Orobó se a densidade humana e a concentração financeira estão em São José do Rio Preto, Ribeirão Preto? Achamos que o Senhor está equivocado e preferimos seguir as leis de mercado. Elas são mais objetivas, claras e óbvias.

Por essas e outras, queremos agradecer sua cooperação nesses séculos, mas entendemos que seus serviços agora são dispensáveis.

Antes que nos esqueçamos, precisamos de sua autorização para continuarmos usando seu nome. As marcas Deus, Jesus Cristo, Espírito Santo tem uma força milenar e não gostaríamos de dispensar seu uso. Comprometemo-nos a não explicar pras pessoas o que elas significam pra não complicar o crescimento patrimonial do empreendimento, mas pedimos que permita o uso de tais marcas.

Bem, acreditamos que com toda a sua experiência o senhor não ficará desempregado. Há muitos “cases” de pessoas que foram demitidas, iniciaram seus próprios negócios e se tornaram bem sucedidas. Acreditamos que o Senhor poderá continuar com seu próprio negócio, agindo a seu modo, ainda que ultrapassado e, se precisar de uma carta de recomendação, faremos uma na forma da lei.

Atenciosamente,

Cristiano Bispo Bisneto Batista
Secretário Geral



3 comentários:

NÓBREGA 6 de julho de 2009 às 18:59  

Caro Edvar,
Seu textos tem verdades de doer.
é isso ai.
Fico pensando no que Deus diria ou diz, porque essa demissão tem sido
dada em muitos lugares e no coração de muitas pessoas.
Daí, que Ele já deu Sua resposta.
Abraços

José Crispim da Silva Santos 9 de julho de 2009 às 11:25  

Esse texto seria cômico se não fosse absurdamente sério, entretanto, aqueles que estão no campo continuam na dependência exclusiva do Deus das missões.

Anônimo 28 de julho de 2009 às 18:58  

texto lamentavelmente VERDADEIRO, Edvar.
Daí,a insistência em se abrir igrejas de tal denominação onde, muitas vezes já existe um trabalho evangélico, porém não é da nossa "griffe"!´Excelente oportunidade de reflexão!. Marina Simonato