sábado, 18 de agosto de 2018

De passagem pelos “quarenta” - Uma palavra sobre momentos de aflição


Quarenta é um número simbólico. Aparece muito mais vezes no Primeiro Testamento bíblico do que no Segundo. Quando se refere a tempo, não se trata de um número exato, mas de  um longo período. Não tem, portanto, sentido literal, cronológico, mas existencial, psicológico.

Algumas vezes, nas histórias bíblicas,  refere-se a experiências que podem ser classificadas como positivas, como no caso dos espias de Israel fazendo, durante quarenta dias, reconhecimento de terreno. Ou do reinado de Otoniel, caracterizado por 40 anos de paz. Ou ainda no caso dos discípulos que passaram quarenta dias na companhia de Jesus, após a sua ressurreição, ouvindo sobre o reino de Deus.

Na maioria das vezes, entretanto,  está relacionado a experiências de aflição pelas quais os envolvidos talvez preferissem não ter que passar. Nesse sentido, poderia citar:
1. Quarenta dias de dilúvio;
2. Quarenta anos do povo de Israel no deserto;
3. Quarenta anos de Israel à base de maná após a fuga do Egito;
4. Quarenta anos até que o anjo aparecesse a Moises no Monte Horebe;
5. Quarenta dias entre o desejo de morrer de Elias e o encontro com Deus no Monte Horebe;
6. Quarenta anos de Israel sendo oprimido pelos filisteus;
7. Quarenta dias de Israel sendo ameaçado pelo gigante Golias;
8. Quarenta dias de agonia de Jonas, proclamando a destruição de Nínive;
9. Quarenta dias de Jesus sendo tentado no deserto.

É sempre longo, o tempo vivido em meio a aflições. Parece interminável. Sentimos a angústia de cada minuto sem conseguir enxergar uma luz em meio a trevas. Quando um raio de luz aparece distante, o sentimento é de dúvida, de pessimismo, imaginando mais uma possibilidade de prolongamento da nossa dor.

Todos temos uma história de  “40” pra contar. Uns, 40 minutos; outros, 40 dias; outros, ainda, quarenta anos. Alguém pode afirmar que nunca passou pelos “40”?

Quando podemos olhar pra trás e constatar que superamos um “40”, que o período de “vacas magras” passou,  tenha sido ele uma crise conjugal, uma enfermidade, um problema de natureza financeira, um tempo de desemprego, uma experiência sob o domínio do pecado, uma fase sentindo-se marginalizado ou mesmo uma experiência de amargura religiosa, enfim, estampamos no rosto um misto de reflexão de quem amadureceu e de alegria que marca quem carrega o troféu da vitória. 

Quando, entretanto, estamos passando por um deles a dúvida domina; a desconfiança faz com que pensemos que todos estão contra nós;  a solução do problema parece sempre estar no horizonte; o sono nos abandona; as noites se tornam uma eternidade; a ansiedade – desejo intenso de trazer o futuro desejado para o presente indesejado  – alcança níveis doentios e parece que o estômago quer sair pela boca.

Nesses tempos de “40”, o que muito precisamos não é primeiramente a solução para nossa dor, angústia, ansiedade, tristeza, seja lá o que for, mas a presença de gente que nos faça companhia, que nos ajude a superar a sensação de solidão, que seja capaz de nos ajudar a encontrar um significado plausível para continuarmos lutando, que seja, enfim, capaz de alimentar nossa esperança – aquilo que os olhos viram, mas o corpo ainda não experimentou.

Nesses tempos de “40”, precisamos de gente que nos ajude a confiar que “o choro pode persistir uma noite, mas de manhã irrompe a alegria” (salmos 30:5). Ou que nos ajude a recordar que “ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal algum, porque tu estás comigo” (salmo 23:4). Ou ainda, alguém que seja regido pelo sentimento do profeta Jeremias que, em meio aos erros e sofrimentos do seu povo, decidiu trazer à memória aquilo que pudesse alimentar a esperança (Lam. 3:21).

Em última análise, de passagem pelos “40”, precisamos crer ou de alguém que creia que: “quando, porém, o que é corruptível se revestir de incorruptibilidade e o que é mortal, de imortalidade, então se cumprirá a palavra que está escrita: “A morte foi destruída pela vitória”. “Onde está, ó morte, a sua vitória? Onde está, ó morte, o seu aguilhão?” O aguilhão da morte é o pecado, e a força do pecado é a lei. Mas graças a Deus que nos dá a vitória por meio do nosso Senhor Jesus Cristo. Portanto, meus amados irmãos, mantenham-se firmes, e que nada os abale. Sejam sempre dedicados à obra do Senhor, pois vocês sabem que, no Senhor, o trabalho de vocês não será inútil.” (I Cor. 15:54-58)

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