quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Fortalecendo o desejo de participar da igreja


“Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns...” (Heb. 10:25)
  
Cresce a população de “desigrejados” no Brasil. O adjetivo “ex-evangélico” está se popularizando. O slogan “cristo sim, igreja não”, famoso na década de 70, usado como mote para arrebanhar insatisfeitos com igreja, está retornando aos nossos ouvidos. E alguns de nós, líderes de igrejas, continuamos preferindo escrever  “pecador” na testa de quem se afasta da instituição a fazer autocrítica a respeito dos possíveis “pecados da igreja”, causadores disso.

Pensando no assunto, reporto-me a 4 versões do texto de Hebreus 10:25. Na primeira – Almeida RA -  leio que não devemos deixar “de congregar-nos”. Na segunda – A Bíblia de Jerusalém -, que não devemos deixar “as nossas assembléias”. Na terceira – A Mensagem - , que não devemos “evitar as reuniões de culto”. Na quarta – NVI –que não devemos “deixar de reunir-nos, como igreja”.

Os termos das versões suscitam lembranças e sentimentos diferentes. Nas três últimas -  BJ, Mensagem e NVI - aparecem “assembléias”, “reuniões” e “cultos”. Eles nos lembram atividades formais da instituição igreja. Já a primeira –ARA – foca no ato de congregar-se. Esse nos remete à idéia simples de estar com gente.

Se considerarmos que boa parte dos afastamentos de pessoas da vida eclesiástica não ocorre porque elas não gostam de “estar com gente”, muito menos por não gostarem de estar com Deus, mas porque se cansaram de experiências desagradáveis nas “assembléias”, “reuniões” e “cultos”, isso pode ser uma boa pista para tratar os que se afastam.

Enquanto estar com gente na igreja aponta mais para possibilidades de exercício do amor, da comunhão, da solidariedade, do crescimento pessoal através do conhecimento e aceitação mútuos, estar em “reuniões”, “assembléias” e “cultos” de algumas igrejas provoca, muita vez, conflitos e indignação por aquilo que se ouve, se vê, enfim, se percebe, especialmente na forma negativa como o exercício do poder se manifesta neles.

Sem a consciência dos nossos “pecados” que contribuem para o afastamento das pessoas, não adianta pregar que teologicamente “o isolamento não faz parte dos ensinos cristãos”, que “devemos olhar pra Jesus e não para as pessoas” ou que “igreja é assim mesmo, todos somos pecadores”, pois isso dificilmente trará pessoas de volta à comunhão.

Nem adianta, também, usar a manipulação como forma de atrair pessoas. O uso de artifícios em igrejas, ainda que legítimos e bem intencionados, não substituem o poder que a vivência e o ensino simples e honesto da vida de Jesus têm, quando levados a sério principalmente por nós que ocupamos cargos ou funções de liderança.

A manipulação tem o poder de atrair pessoas para eventos religiosos, especialmente àqueles caracterizados por arte, com ou sem catarse, e até de inspirá-las a contribuir financeiramente. Isso, porém, além de ser insuficiente para alterar a comunhão cotidiana das pessoas com Deus ou, muito menos, alterar a escala de valores ético-espirituais dos participantes, isso, repito, não é capaz de gerar fidelidade espiritual ou compromisso com o reino de Deus.

É importante reconhecer que são muitos os motivos que levam pessoas a freqüentar uma igreja e que recriminá-las por isso é ineficaz. Mais importante ainda é que nós líderes busquemos conhecer em profundidade a razão de ser de uma igreja à luz da vida, missão e ensinos de Jesus, a fim de ajudar os participantes a se congregarem movidos por eles.

Alimentar a presença por dever religioso, pela beleza retórica do sermão pastoral, pela qualidade ou estilo artístico-musical utilizada, enfim, por aquilo que a instituição tem a oferecer aos sentidos, sem “trazer à memória aquilo que nos dá esperança”, isto é, a vida comprometida com o misericordioso Jesus, o Cristo de Nazaré, isso é “hamartia”, é desvio de propósito, é pecado e causa  afastamento de muita gente do convívio eclesiástico.

Não temos, como igreja, o poder de impedir que pessoas escolham viver longe da comunhão com Deus ou com o “corpo de Cristo”, nem mesmo que participem por motivos secundários, mas podemos estar atentos, empenhados em remover de nossas vidas, como igreja, aquilo que serve de obstáculo à comunhão das pessoas, ao desejo e necessidade que todos têm, ainda que em níveis diferentes, de viver “congregados”.

Isso – a remoção de obstáculos - é possível se humilde e graciosamente fizermos auto-crítica, avaliando permanentemente  atitudes, comportamentos e discursos  adotados em nossas “assembléias”, “reuniões” e “cultos”. Isso ajuda a fortalecer o desejo das pessoas de se congregarem, de estarem juntas, e nos dá autoridade para dizer: “Não deixemos de congregar-nos, como é costume de alguns...” (Heb. 10:25).

1 comentários:

Anônimo 31 de agosto de 2018 às 14:38  

"Bom dia Edvar! Interessante tema. À primeira lida, reporto a mim mesma: por quê deixei de congregar?
A convivência não me fazia melhor do que sou. Intolerância muito acentuada, controle do tempo...
Sabe aquela história de cobrar presença em toda a programaçao? Ninguem merece.
A cultura da valorização do ausente, da falta:
- vc não veio hoje pela manhã, ontem, na quarta...
- estamos atrasados, mas vamos esperar mais um pouquinho (será que a pessoa virá???)...
Pregações raivosastambem me cansaram, ameaças de castigo, fogo, ira divina...
Escrevo porque tenho a impressão de que vc pode atingir muita gente boa que se sente "desirmanada" (de irmão, não de manada). Encontro-as vez em sempre."