segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Minha passagem pela Igreja Batista Emanuel em Boa Viagem (Parte 2 - entrevista sobre o NASCE)

(Compartilho na íntegra esta entrevista feita por Juliana Outtes, para a Revista EMANUEL de Julho de 2014, da Igreja Batista Emanuel em Boa Viagem, Recife, igreja a qual servi como pastor em dois momentos: junho de 1987 a outubro de 1992 e dezembro de 2000 a junho de 2003. Ela trata da minha relação com o Núcleo de Atuação Social Cristã Emanuel - NASCE -, criado em minha segunda passagem como pastor daquela Igreja).

1. Pastor, qual a sua história com a ação social cristã?


Meu interesse pelo assunto foi despertado aos 20 anos, quando cheguei ao STBNB. Leituras, diálogos, ampliação do conhecimento da realidade social do país, aprofundamento no conhecimento bíblico-teológico despertaram em mim o interesse pela dimensão social do evangelho, pois até então a expressão da minha fé girava em torno do futuro - céu-inferno - da alma de cada ser humano.


No Seminário aprendi com solidez sobre o interesse de Deus pelo ser humano integral, por todas as dimensões da vida e passei a construir uma visão integral do evangelho. Fui aluno de Harald Schaly, ex-pastor da Emanuel, o qual nos sensibilizava muito para esta área ministerial da Igreja.


Também trabalhei tanto nas pesquisas preliminares de campo quanto no desenvolvimento do Projeto TransCoque, desenvolvido pela então Igreja Batista da Rua Imperial em parceria com a Visão Mundial.


Já no primeiro ministério, em Maceió, me envolvi em ações de responsabilidade social, tanto nas de assistência e de serviço quanto nas de ação; tanto aprofundando trabalhos desenvolvidos pela Igreja Batista do Pinheiro quanto participando da criação de outros.


O mesmo fiz na minha primeira e segunda passagens pelo pastorado da Emanuel.


Além disso, tenho colaborado como preletor sobre o assunto em diversos estados da federação; fiz parte do Comitê de Ação Social da Convenção Batista Brasileira e tive participação ativa na criação da Câmara Setorial de Ação Social nas assembléias dessa Convenção.


Tenho também incentivado a manutenção do Centro Comunitário da Igreja Batista da Graça, Salvador, no qual funciona posto de saúde em convênio com a Secretaria Municipal de Saúde; Balcão de Justiça e Cidadania em parceria com o Tribunal de Justiça da Bahia; cursos para 500 alunos em parceira com o Instituto Federal da Bahia e PRONATEC; escolinha de futebol de salão, karatê e capoeira; club de mães e da terceira idade e, agora, estamos construindo uma cozinha-refeitório com equipamento profissional para cursos de empreendedorismo na área de alimentos, além de outros.


Nesses dois anos na presidência da Convenção Batista Baiana elevamos o tema da responsabilidade social a uma posição de destaque, dedicando uma das noites das Assembléias a esta temática.


2. Como se deu sua atuação no NASCE?


Para falar do NASCE é preciso que nos lembremos de algo da história da Emanuel. Dois pontos distiguiram a Emanuel das demais igrejas do Recife nas primeiras décadas de sua existência: 1) a realização de um fortíssimo trabalho em lingua inglesa, tanto culto quanto escola Bíblica, sob a liderança do casal missionário Glenn e Audrey Swidegood; 2) A existência da Creche Raio de Sol, criada no pastorado de Harald Schaly que achava absurdo as salas das igrejas ficarem a semana inteira desocupadas.


A Creche funcionava em parceira com a Kindernothilfe, sediada na cidade de Duisburg, Alemanha, e com a DIACONIA, tendo como intermediária no Brasil a organização Amparo ao Menor Carente - AMENCAR - e abrigava diariamente 200 crianças, das 7 às 17 hs. Além disso, auxiliava financeiramente famílias empobrecidas da então favela Ilha do Destino.


Com o fim das parcerias, a Emanuel decidiu, em 1993, sob a liderança do Pr. Josias Bezerra, que a Creche deveria ser encerrada e novas formas de atuação social desenvolvidas.


Quando retornei à Emanuel, em dezembro de 2000, a igreja mantinha sua visão social através de diversas ações, com destaque para atendimento odontológico. Nesse contexto entendemos ser necessário a criação de uma organização com personalidade jurídica própria a fim de possibilitar parcerias com instituições públicas e privadas.


Criamos então o NASCE, convidamos a Profa Delaine Melo, Assistente Social, para dirigí-lo, reformamos totalmente a parte do prédio que vai do refeitório ao escritório do NASCE, construimos novas salas para atendimento médico e psicológico e desenvolvimento de outras ações e construimos a quadra-estacionamento da Igreja na perspectiva de comunhão e de espaço para atuação social com atividades esportivas para crianças empobrecidas.


3. O que ela trouxe de experiência para a sua vida?


Aprendi que quando acreditamos firmemente em um ideal, quando o coração está dominado por um interesse real pelo próximo, colocamos a experiência, o conhecimento, os recursos que temos à disposição do Reino e, sob a orientação de Deus, somos capazes de realizar obras duradouras para manifestação do nosso amor ao semelhante.


4. O sr. acha que, atualmente, as pessoas dentro da igreja valorizam esse trabalho?


Creio que o que ocorre dentro da igreja é um retrato do que o ocorre fora dela. Não deveria ser assim, mas é. Nossas crianças estão sendo educadas para serem consumidoras e não cidadãs.


Investimos muito pensando no que nossos filhos precisarão ter e não no que precisarão ser. A febre do consumo, a valorização da grife se reflete dentro da igreja. O ser cliente prevalece sobre o ser crente. Participamos da igreja muito mais pensando em receber do que em dar, atitude diametralmente oposta ao ensino de Jesus quando diz que mais bem aventurado é dar do que receber.


Contribuir para atividades sociais muita vez parece ser mais manifestação de desencargo de consciência do que expressão de amor. Assim vejo, de maneira geral, o que ocorre dentro das igrejas, à luz de discursos que ouço e leio na mídia "evangélica".

5. O que é preciso para se estar mais atento à dor e à necessidade do outro?



Amor, consciência de justiça social, sobretudo real e genuina identificação com a pessoa de Jesus. Ser menos religioso e mais discípulo de Jesus, ser menos liturgia e mais adoração. Isso é obra do Espirito Santo de Deus. Nosso papel é insistir em sermos fiéis a Jesus, orar e sensibilizar, respeitando, claro, os dons de cada um, pois cada um manifesta sua atenção ao próximo com os recursos espirituais, emocionais e intelectuais que desenvolveu.

6. Que diferença há entre a ação social e a ação social cristã?



Na ação em si não vejo diferença. Ação Social é uma ação de cidadania e nós cristãos também somos cidadãos desta terra. Todos, em tese, devemos ter interesse pela predominância da justiça social, da solidariedade, da fraternidade. Todos ganham quando esses valores afloram, todos perdem quando são desprezados. O Brasil os desprezou por séculos e todos temos colhido resultados nocivos.


Há diferença na motivação. Há  quem realize atividades sociais como terapia ocupacional. O foco é em si mesmo. Há quem as realize como estratégia de marketing. O foco é o aumento da clientela. Há quem as realize para evitar o colapso social. O foco é a manutenção do status quo. Há quem as realize para aumentar o eleitorado. O foco é político. Há quem as realize visando a libertação, o bem estar do outro. Esse deve caracterizar  as desenvolvidas por cristãos.


Outra diferença poderia ser no empenho. Nós cristãos deveríamos nos empenhar muito mais, pois somos estimulados por Jesus a sermos sal da tera e luz do mundo; a termos fome e sede de justiça;  a sermos humildes, reconhecendo que somos essencialmente iguais e assim por diante.


7. Muita gente diz que gostaria de ajudar, mas não tem tempo. O que o sr. diria a esses irmãos?


Acredito que a responsabilidade social é de todos. Uns dão peixes, outros ensinam a pescar e outros ensinam porque os rios produzem mais ou menos peixes e porque uns têm mais e melhores equipamentos de pesca do que outros, possibilitando acúmulo e concentração violentamente desproporcionais.


Assim sendo, todos podem fazer algo. Talvez nem todos disponham de tempo para participar das atividades desta área na igreja, inclusive porque a igreja gira em torno de sete eixos diferentes que consomem tempo (adoração, administração, comunhão, ensino, proclamação, pastoral e responsabiliade social). Porém,  o importante é que todos sejam sensibilizados e estimulados a servirem, seja através de qual área for, sem perder de vista o ser humano integral.


8. O sr. já foi ajudado por algum programa de atuação social?


 Tenho lembrança da infância quando a Prefeitura da cidade de Garça, SP, onde nasci, mantinha programa de distribuição de alguns alimentos básicos às familias. Lembro-me de que isso era muito bem vindo em nossa casa, formada por pais e 8 filhos.


Também fui alvo da generosidade de irmãos, quando estudei no seminário, creio que fruto do incentivo da igreja aos membros, à manisfestação de amor ao próximo.


9. As pessoas que são ajudadas por programas e/ou pessoas da igreja passam a ter outra visão de Deus e das instituições religiosas?


No mínimo elas são levadas a pensar na razão que levaria alguém a dividir com elas, num mundo em que subtrair do outro, amparado ou não pelo sistema, predomina. Se deixamos a pessoa saber que estamos dando um copo d'água em nome do Senhor, certamente ela se interessará por conhecer este Senhor.


O que não entendo como correto é usar a ação como moeda de troca: eu te ajudo e você passa a participar da minha igreja. Quem faz o bem movido pelo amor de Deus, simplesmente faz, sem esperar retorno para si ou sua tribo.


10. Num mundo tão democrático como o atual, parece cada vez mais difícil falar do amor de Deus. O sr. acha que a ação social cristã torna mais fácil pregar o evangelho? Por quê?


Bem, conta-se que São Francisco de Assis teria ido a uma vila, acompanhado de um noviço, aprendiz de evangelista. Chegaram ao lugar, conversaram com muita gente e retornaram. O noviço teria perguntado: por que o senhor não falou do evangelho. A isso ele teria respondido: preguemos o evangelho. Se preciso for, usemos palavras.


Ainda que vivamos numa sociedade plural, na qual a diversidade de pensamentos religiosos é crescente, as pessoas continuam sendo sensíveis à manifestações de amor. João diz que a prova de que passamos da vida velha para a nova é o amor.


Então, amar é a solução para o fim do esvaziamento de igrejas, para o retorno ao crescimento, mesmo numa sociedade religiosamente plural.


Nesse sentido, o exercício de nossa responsabilidade social é uma fortíssima autenticação da nossa mensagem, se não for a mais forte. E, sem  dúvida, aumenta em muito a credibilidade e receptividade da mensagem que anunciamos.


11. De que forma os pais podem incluir a ajuda ao próximo na educação dos filhos?


Com seus exemplos, manisfestando altruismo, participando de ações em prol do bem estar coletivo; chamando a atenção dos filhos para as condições de vida dos empobrecidos pelo sistema que não não trata todos com igualdade, inclusive na oferta de oportunidades; dialogando sobre o assunto com eles, mas sobretudo, ensinando-lhes que Deus é amor e por isso devemos amar.

12. Sabemos que os adolescentes e jovens têm muito vigor, mas, muitas vezes, não participam desse tipo de atividade. Como fazer para incentivá-los a ajudar as pessoas que precisam?



A adolescência é a fase de maior sensibilidade para as injustiças sociais e para o envolvimento em causas idealistas. A questão, repito, é que há uma massificação para o consumo, uma inversão na escala de valores ético-espirituais e isso tem sido pouco abordado na igreja.


Nós, igreja, estamos tão preocupados com o crescimento numérico, financeiro e patrimonial que temos nos esquecido de priorizar a qualidade de vida humana. A ênfase na estética litúrgica tem sufocado o desenvolvimento da ética espiritual.


Acredito que se chamarmos os adolescentes para dialogar sobre a realidade adversa de milhares de pessoas na mesma idade deles e  colocarmos em debate maneiras objetivas de minimizar a situação certamente eles se envolverão. Isso, entretanto, depende em parte da visão daqueles que definem as ênfases a serem priorizadas na vida da igreja.


13. O que muda na vida de alguém que se dedica a praticar os ensinamentos de Cristo com atos concretos na vida do outro?


As pessoas que assim agem se humanizam mais; descobrem que não estão sós nos sofrimentos que a vida impõem; encontram sentido para viver e isso lhes traz paz e alegria interior; a sensação de utilidade e de dever cumprido revigora suas energias e, sobretudo, sentem-se verdadeiramente cooperadoras de Cristo, pois sabem que naquele dia - o dia do juizo - ele nos dirá: “Venham, benditos de meu Pai! Recebam como herança o Reino que foi preparado para vocês desde a criação do mundo. Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram’. “Então os justos lhe responderão: ‘Senhor, quando te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos como estrangeiro e te acolhemos, ou necessitado de roupas e te vestimos? Quando te vimos enfermo ou preso e fomos te visitar?’ “O Rei responderá: ‘Digo a verdade: O que vocês fizeram a algum dos meus menores irmãos, a mim o fizeram’." (Mateus 25:34-40 NVI)

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