Por um Brasil movido pela graça
Muito feliz a idéia da Junta de Missões Nacionais de escolher a frase “movidos pela graça” como tema de sua campanha 2018. Ao lê-la, pus-me a pensar no que teria passado pela cabeça dos que participaram do processo decisório. É que a escolha de tema de campanha de qualquer natureza não se dá no vácuo. Há um contexto sócio-cultural e uma realidade que se pretende influenciar, preservar ou alterar. Palavras significam muito mais do que palavras.
Sejam quais tenham sido as constatações responsáveis pela escolha, “movidos pela graça” foi de uma felicidade imensa, pois poucas palavras têm o poder que a graça tem de tornar mais saudável e feliz a vida de indivíduos e grupos.
Provavelmente constatou-se que o que tem movido pessoas nas igrejas e fora dela não seja o que seria mais recomendável, desejável, benéfico, se fosse adotado como paradigma pelo conjunto da população. Provavelmente se percebeu a existência de referenciais de pensamento e de conduta que não deveriam fazer parte da vida daqueles que se declaram seguidores de Jesus, partícipes do Reino de Deus.
Pensei nessa direção por lembrar-me de como, no Sermão da Montanha – a constituição do Reino de Deus -, há uma tônica na fala de Jesus insistindo no arrependimento, isto é, na mudança de mentalidade, na mudança de modelos mentais que determinam a conduta.
Jesus sabia que somos guiados por modelos que são introjetados em nossa mente ao longo da vida, expressos em frases curtas e que moldam nossos relacionamentos. Quem nunca ouviu, por exemplo: “lugar de mulher é na cozinha” ou “homem nenhum presta” ou “todo político é ladrão” ou “pastor só pensa em dinheiro” ou “homem que é homem não chora” ou “quem pode manda, quem tem juízo obedece” e por aí vai. São paradigmas que repetimos e, no fundo, determinam nosso modo de ser e tratar o próximo.
Por isso ele dizia: “ouviste o que foi dito”, “eu porém vos digo”. Ele estava provocando um repensar de conceitos culturais norteadores de ações.
Na cultura dominante as pessoas eram movidas pelo legalismo. Pessoas legalistas têm dificuldade para compreender que, conquanto as leis sejam necessárias e devam ser obedecidas, nenhuma delas é capaz de abarcar todas as possibilidades de situações que envolvem a vida humana. Não percebem que as relações interpessoais não são uma equação matemática e, por isso, repito, conquanto as leis sejam importantes, a cosmovisão regida estritamente pela lei, sem considerar seu espírito, acaba matando.
Na cultura dominante as pessoas eram movidas pelo moralismo. Embora a moral, isto é, costumes e tradições que determinam o modo de agir, tenha sua importância, ninguém é obrigado a repetir comportamentos simplesmente porque “sempre foi assim”. Houve tempo em que o paradigma era: “crente não vai ao cinema”. Na IB de Garça, SP, onde fui batizado, há uma ata que deliberava exclusão automática de quem fosse ao cinema. Hoje não. “Mulher crente não usa calça comprida”. Quando a I.B. Emanuel em Boa Viagem, Recife, na década de 60, liberou o uso de calças compridas pras mulheres em função dos maruins, foi chamada de liberal. Hoje não.
Quando Jesus declarou "Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo’. Mas eu lhes digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem” (Mt. 5:43) ele estava dizendo não à cultura do ódio. O paradigma vigente era odiar o inimigo, mas sob a égide do reinado de Deus o paradigma deveria ser: “amem os seus inimigos”. E a justificativa de Jesus era: Deus não manda sol e chuva somente para bons e justos, mas também para maus e injustos. Deus é amoroso e assim como ele é perfeito em amor – “vínculo da perfeição” (Col. 3:14) e “caminho mais excelente” (I Cor. 12:31) – assim devemos nós também ser (Mt 5: 43-48).
Estamos vivendo dias de extremismos. Símbolos de morte ganham espaços, são acolhidos até em igrejas e disputam nossos corações. A cultura do ódio recebe aplausos. A corrupção que ilicitamente enriquece alguns e condena milhares à morte por falta de recursos é a regra. O moralismo irrefletido está na crista da onda. O crescimento da arrogância doutrinária que humilha a divergência e se pudesse mataria o divergente, é sem igual.
Desafiar, portanto, nesses tempos, a nos movermos pela graça é de uma oportunidade extraordinária. Parabéns Junta de Missões Nacionais. Que o povo batista brasileiro entenda o recado e adote o paradigma.
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