segunda-feira, 29 de outubro de 2018

Democracia batista


Meu pai – Pr. Jovino de Oliveira - foi aluno do hoje inexistente Instituto Bíblico Batista do Estado de São Paulo, em Bauru, nas décadas de 60 e 70. Lembro-me de que as aulas eram em maio e setembro. Morávamos em Garça, por isso, nesses meses ele passava de segunda a sexta estudando e voltava nos finais de semana.  Quando voltava, ficávamos em torno do fogão à lenha ou em torno da mesa da sala ouvindo-o contar o que havia aprendido.

Nessas conversas recebi as primeiras aulas de democracia batista. Aprendi, primeiro, que quando as posições sobre determinado assunto não convergem, o norte a ser seguido pela igreja deveria resultar de decisão da Assembléia de Membros, pelo voto da maioria.

Aprendi, também, que antes de um assunto ser colocado em votação, abrir-se-ia oportunidade para discuti-lo. (Confesso que não gosto da expressão “discutir o assunto”. Discussão é uma palavra que pressupõe posicionamentos unilaterais firmados e tentativas de convencimento do outro por via de mão única: um fala, o outro também e nenhum dos dois parece ouvir. Prefiro a palavra diálogo: um fala, o outro ouve; um ouve, o outro fala, e assim caminha-se em busca de convergências).

Claro que é legítimo o processo de mútuo convencimento, mas as partes precisam acreditar que a construção do consenso deveria ser o objetivo desejado. Porém,  construir consensos só é possível quando há predisposição, primeiro, para admitir que não se é dono da verdade; depois, que é essencial colocar-se no lugar do outro para entender os motivos de sua visão e, finalmente, que as partes estão, de fato, ponderando a respeito do que ouvem visando construir um acordo que seja bom para todos.

Se, entretanto, em vez de diálogo, o espírito é de imposição, a democracia dá lugar à ditadura de uma maioria, ainda que rigorosamente conquistada pelo voto, dentro das regras democrático-estatutárias. É que, por falta de diálogo, uma parte sente-se vitoriosa por ter obtido apoio da maioria, mas terá que lidar com a crescente pressão da minoria que não se sentiu pelo menos ouvida e compreendida, além de “derrotada” no voto.

Isso gera conflitos, omissão na cooperação, afastamento até de participantes por insatisfação, não pelo resultado em si, mas pelo processo, além de desviar o foco de atenção da igreja de sua missão, perdendo-se energia, tempo e dinheiro e enfraquecendo o desenvolvimento de sua missão.

A partir daquelas conversas com meu pai, aprendi que democracia não seria simplesmente a prevalência da vontade da maioria, mas também uma busca continua por compreensão dos pensamentos, sentimentos e necessidades das minorias, visando garantir a elas a dignidade essencial para continuar caminhando com o grupo.

Aprendi ainda que, quando se é parte da minoria vencida pelo voto, a vitória da maioria deveria ser reconhecida, a postura de respeito à decisão deveria ser cultivada e o espírito de oposição não deveria falar mais alto do que o de lealdade às regras democráticas do jogo.

Aprendi, finalmente, que a postura crítica não deveria ser sufocada, mas pautada na racionalidade que visa abrir caminhos à continuidade de entendimentos e esclarecimentos e à convivência construtiva, e não na passionalidade que agride, obscurece, afasta e nos desvia da finalidade desejada pela igreja.

Sinto falta do obsoleto fogão à lenha e das benditas conversas sobre democracia batista. Quanta falta eles  - o fogão e as conversas - nos fazem nestes tempos de crescimento das polarizações ideológico-teológico-doutrinárias e de desaparecimento de consensos. Tempos nos quais os resultados imediatos dos nossos empreendimentos religiosos são mais importantes do que a vida dos cooperadores envolvidos. Tempos nos quais temos acesso a modernas técnicas de marketing e a meios de comunicação digitais, mas que são usados apenas como via, repito, de mão única através dos quais queremos e podemos nos fazer ouvir, mas estamos perdendo o interesse e a capacidade de parar para ouvir.

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