Democracia batista
Meu pai – Pr. Jovino de
Oliveira - foi aluno do hoje inexistente Instituto Bíblico Batista do Estado de
São Paulo, em Bauru, nas décadas de 60 e 70. Lembro-me de que as aulas eram em
maio e setembro. Morávamos em Garça, por isso, nesses meses ele passava de
segunda a sexta estudando e voltava nos finais de semana. Quando voltava, ficávamos em torno do fogão à
lenha ou em torno da mesa da sala ouvindo-o contar o que havia aprendido.
Nessas conversas recebi as
primeiras aulas de democracia batista. Aprendi, primeiro, que quando as
posições sobre determinado assunto não convergem, o norte a ser seguido pela
igreja deveria resultar de decisão da Assembléia de Membros, pelo voto da
maioria.
Aprendi, também, que antes de
um assunto ser colocado em votação, abrir-se-ia oportunidade para discuti-lo. (Confesso
que não gosto da expressão “discutir o assunto”. Discussão é uma palavra que
pressupõe posicionamentos unilaterais firmados e tentativas de convencimento do
outro por via de mão única: um fala, o outro também e nenhum dos dois parece
ouvir. Prefiro a palavra diálogo: um fala, o outro ouve; um ouve, o outro fala,
e assim caminha-se em busca de convergências).
Claro que é legítimo o
processo de mútuo convencimento, mas as partes precisam acreditar que a
construção do consenso deveria ser o objetivo desejado. Porém, construir consensos só é possível quando há
predisposição, primeiro, para admitir que não se é dono da verdade; depois, que
é essencial colocar-se no lugar do outro para entender os motivos de sua visão
e, finalmente, que as partes estão, de fato, ponderando a respeito do que ouvem
visando construir um acordo que seja bom para todos.
Se, entretanto, em vez de
diálogo, o espírito é de imposição, a democracia dá lugar à ditadura de uma
maioria, ainda que rigorosamente conquistada pelo voto, dentro das regras
democrático-estatutárias. É que, por falta de diálogo, uma parte sente-se
vitoriosa por ter obtido apoio da maioria, mas terá que lidar com a crescente
pressão da minoria que não se sentiu pelo menos ouvida e compreendida, além de “derrotada”
no voto.
Isso gera conflitos, omissão
na cooperação, afastamento até de participantes por insatisfação, não pelo
resultado em si, mas pelo processo, além de desviar o foco de atenção da igreja
de sua missão, perdendo-se energia, tempo e dinheiro e enfraquecendo o
desenvolvimento de sua missão.
A partir daquelas conversas
com meu pai, aprendi que democracia não seria simplesmente a prevalência da
vontade da maioria, mas também uma busca continua por compreensão dos
pensamentos, sentimentos e necessidades das minorias, visando garantir a elas a
dignidade essencial para continuar caminhando com o grupo.
Aprendi ainda que, quando se é
parte da minoria vencida pelo voto, a vitória da maioria deveria ser
reconhecida, a postura de respeito à decisão deveria ser cultivada e o espírito
de oposição não deveria falar mais alto do que o de lealdade às regras democráticas
do jogo.
Aprendi, finalmente, que a
postura crítica não deveria ser sufocada, mas pautada na racionalidade que visa
abrir caminhos à continuidade de entendimentos e esclarecimentos e à
convivência construtiva, e não na passionalidade que agride, obscurece, afasta
e nos desvia da finalidade desejada pela igreja.
Sinto falta do obsoleto fogão
à lenha e das benditas conversas sobre democracia batista. Quanta falta eles - o fogão e as conversas - nos fazem nestes
tempos de crescimento das polarizações ideológico-teológico-doutrinárias e de desaparecimento
de consensos. Tempos nos quais os resultados imediatos dos nossos
empreendimentos religiosos são mais importantes do que a vida dos cooperadores
envolvidos. Tempos nos quais temos acesso a modernas técnicas de marketing e a meios
de comunicação digitais, mas que são usados apenas como via, repito, de mão
única através dos quais queremos e podemos nos fazer ouvir, mas estamos perdendo
o interesse e a capacidade de parar para ouvir.
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