sábado, 24 de julho de 2010

Voto Nulo?


Foi-se o tempo em que se anulava voto escrevendo-se palavrões, nome de animais de zoológico ou piadas, na cédula eleitoral. Com o advento das urnas eletrônicas, o uso da palavra, como manifestação de insatisfação, perdeu muito do seu poder catártico. Se no tempo das cédulas, sabia-se que os escrutinadores leriam e a imprensa divulgaria os casos curiosos, hoje, o ato de anular voto não provoca nenhum efeito prático, além do prazer vingativo em eleitores insatisfeitos e impotentes.

Nem mesmo poder para anular eleições, o voto nulo tem. Diferentemente do que se diz, a verdade é que “o Tribunal Superior Eleitoral decidiu que os votos nulos por manifestação apolítica dos eleitores (protesto) não acarretam a anulação de eleição”. O esclarecimento disponível no site do TSE continua: “O voto em branco ocorre quando o eleitor escolhe a opção “Branco” e confirma na urna eletrônica. Já o voto nulo é aquele que não corresponde a qualquer numeração de partido político ou candidato regularmente inscrito. Tanto o voto nulo como o em branco não são considerados na soma dos votos válidos.

Defensores desta opção alegam que a quantidade grande de votos nulos serve para chamar a atenção dos políticos para o fato de que algo está errado. Entretanto, todos sabem que as coisas não estão bem, independentemente dos índices de votos nulos. Depois, os candidatos não deixarão de ser eleitos, nem o sistema eleitoral sofrerá modificações por causa da opção pela anulação do voto.

ÉTICA, VOTO OBRIGATÓRIO E VOTO NULO

Fere a ética, a opção pelo voto nulo? Não. Cada cidadão é livre para decidir em quem votar ou não votar, bem como para anular ou não seu voto. Lamentavelmente, nossas leis eleitorais não reconhecem o direito que deveríamos ter de ir ou não às urnas.

Somos obrigados a ir às urnas, mas não a votar em alguém ou algum partido. Prova disso é que a própria urna foi programada tanto com uma tecla para “Branco”, quanto para aceitar a anulação mediante digitação e confirmação de número estranho ao processo.
Por que, então, somos obrigados a “votar”? Uma resposta seria a vantagem para os candidatos, pois, do contrário, teriam um custo a mais: convencer eleitores a comparecer. Se a maioria dos legisladores tivesse, de fato, interesse na qualidade da participação dos eleitores, defenderia com ações concretas, por exemplo, a priorização da educação, a ampliação da democracia, a mudança no sistema de representação político-partidária e até os processos internos de escolha de candidatos nos partidos.

Entretanto, como isso não muda, resta ao eleitor insatisfeito reagir a seu modo, anulando o voto. Essa, porém, não é a única, nem a melhor saída. Se não estamos satisfeitos com a qualidade ética e técnica dos nossos representantes, nem com a realidade da sociedade, podemos encontrar alternativas melhores. Cabe aqui, então, a pergunta: Como as igrejas poderiam ajudar?

Como as igrejas poderiam ajudar?

Primeiro, ensinando seus membros a interagirem com a realidade. As palavras de Bertolt Brecht são agressivas, mas reveladoras: “O pior analfabeto é o analfabeto político. Ele não ouve, não fala, nem participa dos acontecimentos políticos. Ele não sabe que o custo de vida, o preço do feijão, do peixe, da farinha, do aluguel, do sapato e do remédio dependem das decisões políticas.
O analfabeto político é tão burro que se orgulha e estufa o peito dizendo que odeia a política. Não sabe o imbecil que, da sua ignorância política, nasce a prostituta, o menor abandonado e o pior de todos os bandidos, que é o político vigarista, pilantra, corrupto e lacaio das empresas nacionais e multinacionais.

Lamentavelmente, a teologia reinante em parcela significativa das igrejas é alienante, isto é, desestimula a participação. Santidade, nesta teologia, é sinônimo de isolamento, não de saúde. A educação ministerial de parte de nossas escolas ministeriais visa apenas preparar líderes para fazerem a máquina eclesiástico-denominacional funcionar; a educação religiosa, preparar educadores para conservar determinado tipo de cultura moral e, quando muito, preparar líderes para trabalhar para a igreja; a evangelização, o aumento quantitativo de fiéis e a administração, a manutenção e expansão do patrimônio físico-financeiro.

Não nos preparamos para ajudar a construir a vida em sociedade ou, muito menos, para dialogar com o mundo. Definimos-nos como detentores de uma verdade com efeitos futuros para ser anunciada e não receptores de uma vida presente para ser vivida e compartilhada. É o futuro da alma, não o presente da vida, o centro da teologia dominante que norteia nossa praxis.

Segundo, estimulando membros a estudarem problemas que afetam a vida de todos. Não há como encontrarmos solução para problemas se, conformados, não nos interessarmos por eles. Somente insatisfeitos procuram respostas. Mas também, não basta inconformação se não investirmos em estudá-los. Como, por uma questão de formação ministerial, nós pastores não fomos preparados para relacionar teologia com economia, política, ecologia, educação, cultura ou sociologia, por exemplo, não abordamos tais assuntos. Nosso interesse é alcançar resultados em favor do empreendimento religioso e não preparar pessoas para viverem a vida.

Terceiro, unindo-se em causas de interesse coletivo. O projeto FICHA LIMPA é um exemplo de como um sentimento de insatisfação canalizado de maneira inteligente, resultou numa lei que melhora a qualidade dos candidatos no quesito criminalidade. Sobretudo, demonstrou que unidos alcançamos melhores resultados do que separados.

Para nos unirmos em causas de interesse coletivo, precisamos reavaliar a questão da formação do pensamento veiculado em nossos púlpitos, escolas teológicas, órgãos de comunicação e literaturas. Não há como construir diálogo entre pessoas que se acham donas de todas as verdades e excluem, demonizando, os pensamentos divergentes.

Quarto, mudando a postura em relação à participação político-partidária. Alguns pastores parecem encarar outras organizações sociais como competidoras em relação à “mão de obra” dos membros da Igreja. Temem que a participação num partido esfrie o envolvimento do membro com a igreja. Outros temem que isso transforme os membros em pessoas “difíceis” nas reuniões ou assembléias administrativas.

Reclamamos da qualidade dos políticos, discordamos do voto nulo, mas desestimulamos a participação dos membros da igreja nos partidos. Esquecemo-nos de que os candidatos são definidos primeiramente no partido. Se os critérios dos partidos forem ruins, restará aos eleitores escolher dentre os “menos ruins”. Portanto, melhor do que pensar em voto nulo seria estimularmos pessoas éticas, estudiosas, de espírito público a se envolverem com a política partidária.

Nem todos têm perfil para serem candidatos, mas todos têm o dever de aprofundar o conhecimento político a fim de participar ativamente da vida em sociedade, votando de maneira consciente, pensando no melhor para todos, em vez de optar pelo voto nulo e apregoá-lo.

6 comentários:

Leonardo Martins 25 de julho de 2010 às 01:10  

Lamento informá-lo meu caro, mas trabalho há anos como voluntário no TRE e: o nulo anula sim a eleição.

É um caso raro de acontecer, mas acontece. Ninguém quer uma segunda eleição é por essa razão que atualmente só encontramos o código eleitoral “resumido” ou “revisado”.
Antes de prosseguir na questão descubra por que em Pádua (Norte Fluminense) houve uma nova eleição para prefeito em 2008. Por que a impugnação de UM DOS CANDIDATOS anulou àquela eleição?

Com respeito,

Leonardo Martins.

Anônimo 27 de julho de 2010 às 06:06  

Camarada Edvar,
Mesmo que seja pertinente o comentário de Leonardo Martins, quero dizer da pertinência de seu escrito. Afinal, nossas igrejas precisam mesmo de muita conscientização.
Saúde.

Pr. Mauricio Jaccoud da Costa 29 de julho de 2010 às 12:53  

Olá pastor Edvar.
Excelente o seu texto. Discordo somente de que o voto nulo não anula a eleição. Tivemos casos desses em 2008. Mas, de qualquer forma, precisamos realmente ensinar a membresia sobre como votar e a participar mais do processo político de nosso país!
Que bom conhecer seu blog!

america 1 de agosto de 2010 às 19:58  

excelente blog
consciencia
texto maravilhoso
temos sim que participar mais de todo o processo.
só assim seremos cidadãos.
parabens

edvardeoliveira@gmail.com 2 de agosto de 2010 às 15:20  

Meu amigos.

Pra firmar uma posição, ainda que no campo retórico uma vez que não atuo na justiça eleitoral, podia escolher duas opções:

1. Seguir com os muitos comentários opinativos que circulam na web, favoráveis à anulação de eleição via anulação do voto;

2. Seguir com uma publicação num site do Tribunal Superior eleitoral-TSE, que afirma que voto nulo não anula eleição.

Senti mais firmeza no site, respeitando as possibilidades diversas.

Hoje, pesquisei um pouco mais e encontrei: "Realmente, antes da promulgação da Constituição Federal de 1988, ocorrida em 05 de outubro de 1988, se mais de 50% do eleitorado nacional anulasse seu voto, novas eleições seriam convocadas e, nestas novas eleições, aqueles que anteriormente tinham se candidato não mais poderiam concorrer, conforme art. 224 do Código Eleitoral.

"Art. 224. Se a nulidade atingir a mais de metade dos votos do País nas eleições presidenciais, do Estado nas eleições federais e estaduais, ou do Município nas eleições municipais, julgar-se-ão prejudicadas as demais votações, e o Tribunal marcará dia para nova eleição dentro do prazo de 20 (vinte) a 40 (quarenta) dias”.

Os votos em branco, de forma diversa, não anulam o pleito, pois não são considerados como nulos para efeito do art. 224 do Código Eleitoral (Acórdão nº. 7.543, de 03/05/1983).

No entanto, quando da promulgação da Carta Constitucional de 1988, a Assembléia Nacional Constituinte, muito espertamente, visando à preservação dos sempre presentes grupos hegemônicos políticos, cometeu uma afronta ao princípio da soberania popular, aquele princípio que dispõe ser todo o poder derivado do povo. Os nobres Parlamentares, com uma canetada, impediram a expressão do descontentamento popular que se manifestava através do voto nulo.

Dispõe a nova Constituição em seu art. 77, § 2º,

“Será considerado Presidente o candidato que, registrado por partido político, obtiver a maioria absoluta de votos, não computados os em branco e os nulos”." http://www.vemconcursos.com/opiniao/index.phtml?page_id=1812

Sem intenção de plomizar, mas de enriquecer as opiniões...

Leonardo Martins 2 de julho de 2011 às 22:47  

Não estimulo que não se vote. Ao contrário, devemos participar de todos os movimentos políticos. Mas lamentavelmente o povo é massa de manobra. É isso que acho injusto.
No entanto, tenho uma pergunta: Por que em Magé haverá outra eleição?
http://odia.terra.com.br/blog/justicaecidadania/
Qual o artigo do código eleitoral o presidente do Tribunal Regional Eleitoral (TRE), Luiz Zveiter, baseou-se para pedir nova eleição?
É uma pergunta mesmo porque embora tenha o código eleitoral estou confuso porque não encontrei na Internet o processo que cassou a candidatura de prefeita e seu vice.

Obrigado,

Leonardo Martins.