sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Lixão

 Poucos textos tem impactado tanto minha vida pessoal e ministerial como "Lixão". 
Já perdi as contas de quantas vezes o lí desde que um amigo o recomendou no site de Cristianity Today International, há alguns anos.

Ele me incomodou tanto que pedi à minha filha que fizesse uma tradução e pedimos autorização para publicá-lo.
Vez por outro volto a ele, leio, leio, leio e me questiono, me questiono, me questiono.
Nessa semana resolvi tirá-lo dos arquivos e publicá-lo em meu blog.

Ele coloca em cheque conceitos missiológicos, atuação social, relacionamentos interpessoais, inclusive conjugais, motivação e visão ministerial, enfim...

Confira!

.........
"Num lugar onde até as pessoas são consideradas lixo, ninguém ouviria o pastor educado e bem-sucedido. Até que ele se tornou um deles.

*Uma entrevista com Saul Cruz.

Para alguém de fora, o Ministerio Armonía aparenta um exemplo extraordinário de liderança regional em algumas das comunidades mais pobres do México – uma rede de escolas, clínicas médicas e centros comunitários liderados pelos próprios membros das comunidades. E o é. Mas Armonía (Harmonia) é também uma missão trans-cultural – não apenas porque voluntários de longo ou curto prazo vindos de igrejas dos EUA e Europa são bem-vindos, mas  porque seus fundadores tiveram que aprender a superar barreiras culturais e de classes sociais intimidantes. Saul e Pilar Cruz fundaram Armonía em 1987 no momento em que Saul, que possui um Ph.D. em psicologia, estava atingindo a proeminência como líder nacional da Visão Mundial do México. Como ele descreve na entrevista com o editor chefe do Projeto de Visão Cristã (Christian Vision Project) Andy Crouch, a história do Armonía é uma de desaprendizado de muitos de seus pressupostos sobre sucesso e importância.

É uma história que carrega muitas lições para qualquer um que superaria barreiras de educação e privilégio – qualquer um que esteja fazendo a pergunta do Projeto de Visão Cristã para 2007: O que nós devemos aprender, e desaprender, para sermos agentes da missão de Deus no mundo?

Quando você começou a trabalhar com a Visão Mundial na Cidade do México há vinte anos, quão engajadas eram as igrejas protestantes com a necessidades dos pobres?

Em 1985 haviam cerca de mil igrejas protestantes – para uma cidade em que era estimada uma população de aproximadamente 8 milhões de pessoas naquele tempo – com uma média de 60 membros cada.

Nós observamos um mapa socio-econômico da Cidade do México. Naquele tempo, 8% dos residentes da Cidade do México eram ricos, alguns, aliás, dentre os mais ricos do mundo. Por conseguinte, 17% eram classe média; 75% eram pobres, a maioria sobrevivendo com menos de um dólar por dia.

Então, no mapa que separava as áreas por renda, nós posicionamos as igrejas. Das 1000 igrejas, 890 estavam localizadas em vizinhanças de classe média. Algumas estavam dentre os ricos – a maioria servindo não aos Mexicanos, mas a estrangeiros. Aproximadamente todo o resto estava nos limites entre as vizinhanças pobres e de classe média. Quase nenhuma estava localizada dentro de vizinhanças pobres.

Assim, você tinha vastas áreas da Cidade do México sem nenhuma presença de evangélicos protestantes.

Isso deve ter sido uma decepção.
Mas eu descobri uma igreja grande em um dos piores bairros – um bairro sem água, sem ruas pavimentadas, com pouca eletricidade. “É isso,” eu pensei, o tipo de igreja que mobiliza seus recursos para servir num lugar onde esses recursos são realmente necessários. Então eu visitei o pastor.

Caminhando dentro do complexo, nós encontramos o paraíso: grama verde, água irrigando jardins e carros elegantes. O pastor me recebeu com grande alegria, me levou a seu gabinete, e me ofereceu café. Ele tinha um gabinete muito bonito!

Eu perguntei como sua igreja tinha vindo parar aqui. Eu esperava que ele dissesse: “Eu vi a necessidade. Eu vi que poderiamos causar efeito.”

Ele disse: “Você sabe, a terra é barata aqui. Se você proteger os carros, você pode ter um ótimo estacionamento!”

Que perspectiva particular.

Agora, eu devo dizer que se você for aos Estados Unidos, a imagem não é tão diferente. Muitas igrejas são pequenas ilhas que não se envolvem realmente com os vizinhos. Elas não percebem que podem ter um efeito de transformação da sociedade.

O que levou você particularmente a este tipo de ministério?

Minha esposa sempre foi minha parceira, minha intercessora chefe. Quando nos casamos, nós fizemos o compromisso de trabalhar dentre os pobres. Quando eu estava fazendo bastante dinheiro e minha carreira como psicólogo estava decolando, nós deixamos tudo para trás para iniciar uma escola para crianças deficientes numa comunidade pobre. Porém, quanto mais eu me envolvia no meu trabalho com a Visão Mundial alguns anos depois, mais distante ela se tornava.

A verdade é que enquanto havia bastante amor em nosso casamento, nossas posturas em relação aos necessitados se tornava bastante diferente. Enquanto eu trabalhava em projetos nacionais grandiosos, ela havia se envolvido com pessoas com paralisia cerebral. Ela estava sempre me perguntando, “Quando você se juntará a nós?” Mas eu estava muito ocupado para trabalhar com ela. Afinal, eu estava mobilizando igrejas para trabalhar dentre os pobres!

Um dia ela me parou e disse, “Escuta, você não é o homem com quem eu casei. E eu não sei porque você mudou tanto. Mas uma das razões para casar com você foi por causa da paixão que você tinha pelos pobres. E agora você tem uma paixão por se tornar importante.”

“Bem, escute,” eu disse, “se eu posso influenciar as igrejas do México, se eu posso mobilizá-las...”

Ela disse, “Influenciar as igrejas do México? Quem você pensa que é? Lutero ou Calvino?

Bem, isso iniciou uma enorme conversa.

Minha esposa e eu já tivemos dessas “conversas”.

Nós tiramos uma pequena folga e viajamos para discutir isso. Nós brigamos e brigamos. Até que um dia ela disse: “Eu não quero ser grossa, mas eu preciso te perguntar. Você sabe realmente como trabalhar com os pobres? Ou você apenas fala sobre os pobres?”

Eu não tinha a resposta.
Eu podia falar dos pobres. Eu podia te mostrar livros. Eu podia convocar o resto do mundo para trabalhar com os pobres. Mas eu, particularmente, não estava trabalhando com os pobres.

Ela disse: “Nós precisamos aprender. E se nós não aprendermos, como chamaremos os outros para o fazer?”

Aquilo encerrou a discussão. Ela venceu. Porque ela estava certa. Nós concordamos em viver numa favela da cidade do México e nos concentrar no trabalho com os pobres.

Agora, para minha esposa, trabalhar com os pobres não era problema. Ela não queria ser percebida como uma figura de poder, alguém com acesso a dinheiro ou alguém que tinha um projeto de mudança, mas apenas como uma vizinha. Mas para mim, isso significava despir-me do meu senso de poder, do meu lugar de segurança. Eu iniciei uma pequena clínica – um lugar para servir o povo e caminhar com meus filhos para escola e conversar com os vizinhos. E, oh!, foi terrível, porque eu era um vizinho – nada mais. Apenas um vizinho.

A abordagem da minha esposa, contudo, foi impressionantemente eficaz.  Ela se ligou a prostitutas que queriam deixar a profissão, com mães que viam seus filhos morrerem por causa do vício em drogas ou pelo tráfico, que queriam mudar seu ambiente. Mas eu não estava satisfeito com a abordagem da minha esposa. Eu me senti sem poder.

Quando uma igreja próxima nos ofereceu seu prédio para usarmos como centro comunitário, eu aceitei.

Pareceu uma boa oportunidade.

Exatamente. Parecia perfeito. Nós criamos um centro comunitário, e nós começamos a trazer pessoas para a igreja ali. Aos domingos nós acordávamos cedo para sair pelo bairro dizendo: “Acordem. Vamos para a igreja. Vamos ler a bíblia e cantar juntos. Juntem-se a nós.” Estava virando uma verdadeira passeata a cada domingo. Pessoas cantando nas ruas, batendo nas portas, oferecendo café para os vizinhos, alguns dos quais vinham para a igreja de pijama!

Mas eu não percebi que a igreja estava levando aquilo bastante insatisfatoriamente. A filha de um dos líderes se apaixonou por um dos novos Cristãos, um antigo líder de uma gangue de rua. O pai me encurralou depois de um culto e disse, “Se minha filha se casar com este homem, eu vou matá-lo.”

Então, um domingo, eu cometi um grande erro. Enquanto estava pregando, uma das mulheres da região com quem tínhamos trabalhado veio sangrando, calçando apenas um sapato. Seu vestido havia sido rasgado, e ela havia sido espancada gravemente – claramente por um cafetão. Nosso filho pequeno começou a gritar quando viu o sangue e agarrou a sua mãe, então minha esposa não podia ir ajudá-la.

Ninguém na sala toda se moveu em direção a ela. Então eu parei de pregar, pedi a um dos diáconos para continuar o culto e fui até ela, tomei-a pela mão e pedi a minha esposa para me seguir até o gabinete. Quando nós saímos, tendo atendido às suas necessidades, o culto havia terminado, mas um grupo de líderes da igreja estava esperando por mim.

Nunca abandone o púlpito por uma mulher como aquela,” eles disseram. “Isso é completamente fora de ordem!”

Eu deveria saber que o relacionamento fora quebrado e sem conserto. Mas por algumas semanas nós continuamos trazendo pessoas à igreja conosco. Nós estávamos frequentemente atrasados, o que não é raro no México. Mas uma semana nós viemos cantando para a porta do prédio da igreja. Estava trancado. Isto era estranho. Ninguém estava ali.

Eu voltei para casa e peguei minhas chaves. Abri a porta, entrei – e estava completamente vazio. Nenhuma cadeira. Nem um banco. Absolutamente vazio.

Eles tinham tirado todos os móveis?

Todos. E no chão havia um bilhete: “Saul, nós entendemos que Deus está te guiando para um caminho diferente. E nós decidimos nos mudar. Nós compramos um pedaço de terra e construímos nossa própria igreja, e você está sozinho. Se você puder pagar as contas, você poderá continuar. Adeus.”

As pessoas conosco estavam chorando, praguejando, cuspindo – elas se sentiam muito rejeitadas pela igreja. Nós prosseguimos, mas na manhã seguinte, o dono do prédio veio. “Você é o Sr. Cruz? Eu preciso que você deixe as dependências.”

Eu disse que estava aberto para assinar um contrato. Mas ele disse, “Não. As pessoas que saíram disseram que você anda com más companhias, e que eu deveria ter cuidado com você.

“Sim, eu estou com más companhias,” eu disse. “Isso é bem verdade. Eu estou com pecadores o tempo todo!”

Aquilo nos forçou a ir para um pedaço de terra que havia sido doado no meio de uma das piores favelas, um lixão. Nas áreas pobres, pessoas viviam em meio ao esgoto. Eles fizeram ilhas no esgoto com sujeira e areia,  e as conectaram com pequenas pontes, e havia uma grande rede de ilhas feitas por homens sobre o esgoto não tratado da cidade. Nós mudamos para um bairro um pouco mais seguro e trabalhamos por três anos para limpar aquela propriedade e iniciar um ministério ali. Mas era tão longe de onde estávamos antes que praticamente começamos do zero.

Para minha esposa isso não era problema. Ela ficaria feliz de estar trabalhando no lixão. Mas para mim, eu estava me desfazendo das minhas fontes de poder mais e mais.

Parece que seu senso de importância se esticou ao ponto de partir.

Exatamente. No final daqueles anos, eu disse a minha esposa, “ Eu preciso parar. Eu quero voltar a uma igreja normal. Eu quero pregar novamente. Aqui eu estou sendo muito ineficiente. Se você fala, as mulheres te escutam. Quando você lê a bíblia, as mulheres te escutam. Elas te dão suas crianças. Você as leva para hospitais. Até mesmo seus maridos vêm e te escutam. Mas quando eu falo, eles bocejam ou saem. Eu não sou aceito da forma que você é. Você é extremamente eficiente. Eu acho que devo ir a outro lugar. Eu vou te sustentar. Mas preciso de um trabalho melhor.

Em minha cabeça, havia me tornando um ninguém. Eu tinha me formado na universidade, ganhado prêmios acadêmicos e tinha uma carreirra significativa. Mas naquela vizinhança eu não era ninguém – e era culpa minha. Eu não havia aprendido a falar como eles. Eu queria que eles me entendessem, e que escutassem minha forma de falar. Lá no fundo eu era arrogante e eles podiam perceber.

Então eu disse para minha esposa, “Veja, você é que é o pastor aqui. Eu te sustentarei e serei o marido da pastora.” Nós tivemos uma verdadeira guerra aquela noite, um sábado a noite. E nossos pobres filhos tiveram que escutar tudo.

“Amanhã,” eu disse, “eu vou começar a frequentar outra igreja.”

Você não é o primeiro pastor a ter essa idéia. (Risos)

No domingo pela manhã, alguém bateu à nossa porta. Era o vizinho do lado, um homem da classe média. Ele disse, “Você é um conselheiro?”

“Sim,” eu disse.

“Por favor, me ajude. Eu estou perdendo meu casamento.”

Eu quase disse pra ele, “Eu também estou perdendo o meu – vamos chorar juntos!” Mas, ao invés disso, minha arrogância ressurgiu de mansinho. Ali estava algo em que eu era um especialista! Então, eu o convidei para entrar. Nós conversamos por duas horas. Eu estava na minha área. Me senti útil. Sua esposa se juntou a nós e no fim da conversa eles resolveram buscar um caminho para salvar seu casamento. Eles estavam aliviados e agradecidos.

Quando estavam saindo eles perguntaram, “Vocês vão a alguma igreja? Porque nós vemos vocês saindo todo domingo vestidos para ir à igreja.”

E minha esposa disse, “Sim, nós vamos, e ele é o pregador.”

E eu disse, “Não, não. Nós temos um centro comunitário numa das favelas da cidade. É lamacento e cheira mal porque é próximo ao lixão. E na verdade, o que eu tenho é uma pequeno grupo de pessoas que vêm e escutam quando minha esposa fala e não escutam quando eu falo.”

O casal disse: “Nós queremos ir com vocês.”

“Tem certeza?” Eu perguntei. Mas eles realmente queriam ir. Então eles foram conosco aquela manhã.

Na igreja, quando estávamos no meio da oração, algumas pessoas vieram correndo para o centro comunitário dizendo “Há uma emergência naquela esquina ali em baixo!”

Nós corremos para a esquina e descobrimos que um buraco enorme, talvez com dois metros e meio de profundidade, havia sido aberto sob a rua. Um novo sistema de esgoto havia sido instalado dois anos atrás, mas não tinha sido vedado corretamente. O esgoto que vinha morro abaixo levava a areia sob a rua. A rua estava à beira de um colapso e havia o perigo de que dúzias de casas próximas serem varridas também.

Alguém chamou os serviços da cidade, mas eles disseram que levariam dias até que viessem. Era óbvio que a rua iria desmoronar antes disso. Não tínhamos idéia do que fazer.

Então senti alguém tocar meu ombro e dizer: “Posso ajudar?”

Era o vizinho que tinha vindo comigo.

“Não, não,” eu disse. “Por favor, você precisa sair daqui. Você é nosso convidado e essa situação é perigosa.”

Ele disse: “Não, eu sei exatamente o que fazer. Eu sou engenheiro de minas.”

Então ele organizou os vizinhos para fazerem sacos de areia e criou uma coluna embaixo dos canos de esgoto usando os sacos e madeira que tiramos do nosso próprio prédio. Nós mobilizamos toda a vizinhança, paramos o trânsito e pusemos todos os homens para trabalhar. Ele conseguiu colocar tudo de volta ao seu lugar.

Que presente extraordinário ele ter vindo com você aquele dia!
Claro que isso também foi uma bagunça horrível. Nós ficamos completamente cobertos de sujeira. Começamos a trabalhar pelo meio-dia e terminamos às três da manhã do dia seguinte. Nós saímos da cratera e voltamos para nosso centro comunitário, provavelmente duzentos homens, e as mulheres haviam esquentado água para nos lavarmos. Elas pegaram nossas roupas e as lavaram da melhor forma possível. Estava frio e garoando, e nós estávamos tremendo, mas ao menos não estávamos mais fedendo como antes.

Eu comecei a chorar. Eu disse, “Me desculpem, mas eu preciso orar. Preciso agradecer a Deus porque ele acabou de nos salvar. Ele salvou você e me salvou. Ele enviou este homem, meu vizinho, para nos ajudar e nos deu uns aos outros para fazer o trabalho. Podemos orar?”

Eles disseram que sim.

Então extendi as mãos e eles a seguraram. Nós nos ajoelhamos e oramos. Quando nos levantamos, eu era seu pastor. Eu puder ver isso. Daquele dia em diante, eles me respeitavam. Daquele dia em diante eu me tornei seu pastor.

Você percebe, ser um pastor é aprender a linguagem do amor. As pessoas precisam ver que você é real – que você realmente se importa com elas, que você está até mesmo disposto a colocar sua vida em risco por elas. De repente, meu papel naquele bairro tinha mudado completamente.

Essa história tem implicações sobre a maneira que as pessoas chegam a uma comunidade carente?

É muito fácil para missionários cometerem os erros que eu cometi. Nós construímos nossas igrejas através do poder. Mas nós nunca ganhamos o respeito das pessoas ao nosso redor. E com o poder vem a fantasia de que eu sei tudo, que eu sou a pessoa com a competência para “consertar” a sociedade em que estou.

Porém, há na verdade uma grande resistência a pessoas que vem a uma comunidade achando que sabem do que as pessoas de lá precisam. Nós percebemos que, quando vamos a uma nova comunidade, temos que ter a postura de que não sabemos nada. Nós sabemos quem somos, dizemos, mas não sabemos como trabalhar aqui. Assim estamos abertos. Nos ensine, por favor.

Quando recebemos grupos da América do Norte ou Europa para nos visitar, eu nunca tenho um plano para o grupo ou para a comunidade. Ao invés disso, quando o grupo chega, nós perguntamos à comunidade, “O que nós podemos fazer juntos? Vocês têm vontade de fazer algo juntos?” E a resposta pode ser: nós apenas queremos jogar futebol com vocês ou gostaríamos que vocês ensinassem algo sobre computadores. Ou pode ser: nós somos bons dançarinos, gostariam de aprender a dançar conosco?

Os visitantes dizem, “O quê? Eu vim para salvar o mundo. Meu pastor disse que nós iríamos para o México para mudar o mundo para Cristo. E você me pede para aprender a dançar suas danças folclóricas?”

Mas você sabe, eles aprendem muito mais através desse processo do que apenas crendo nas fantasias de que uma chamada missão de uma ou duas semanas vai salvar o mundo.

O que as igrejas Americanas poderiam aprender que nos levaria a ser melhores parceiros em sua missão?

Eu acho que a igreja Americana, a qual eu amo e sou muito grato, frequentemente não está ciente da sua linguagem. Você escuta a linguagem dos Americanos de “mudar o mundo” o tempo todo. Bem, isso traz enormes implicações para nós restantes! Por que esses Americanos querem mudar o mundo? Em que mundo eles irão mudar? Eles sabem mais do que nós? É isso que eles querem dizer?

Se você vier a mim, mesmo com a melhor das intenções, e disser, “Saul, eu vim aqui para mudar o seu mundo,” eu vou me sentir insultado. Porque você não sabe o quanto eu amo minha própria cultura. Eu nasci aqui por causa de uma decisão de Deus, não minha. Eu cresci com nossas músicas, nossas cores, nossos rítmos.

Quando as pessoas vêm e dizem, “Oh, você está atrasado porque este é o México,” Eu sempre penso, “Bem, e daí? Os mexicanos são despreocupados e nós amamos isso!”

O mesmo acontece quando eu, como uma pessoa educada, vou até as favelas. Quando eu falo com eles, eu tenho que fazer isso na área, nas ruas, em suas casas, em qualquer lugar. E eu preciso ter certeza de que estamos criando uma linguagem de entendimento mútuo. Nós precisamos concordar em quais coisas precisamos concentrar nossa atenção para mudar, e em quais coisas nós devemos apenas dizer, “Obrigada, Deus. O que nos deste é lindo assim como é.”

Então, supondo que concordamos que um dos problemas a ser tratado seja o fato das crianças estarem reprovando nas aulas de Inglês. Agora seria fácil dizer, “Posso recrutar alguém da Inglaterra ou Estados Unidos para vir ensinar?” Mas primeiro deveria perguntar, “Há algum recurso na comunidade?”

Alguém pode dizer, “Minha filha estuda Inglês e ela está indo bem. Ela poderia ensinar as crianças.” Mas talvez ela precise trabalhar para se sustentar. Poderia a comunidade se unir para pagá-la? Este tipo de processo é muito diferente de vir para “mudar o mundo”. Nós não queremos que nossos vizinhos nos vejam como salvadores – eles devem nos ver como seus parceiros, seus facilitaderes, seus amigos.

Nós oramos, “Seja feita sua vontade na terra como no céu.”  Isso não implica em mudar o mundo?

Eu diferencio “mudança” de “transformação”. Mudança pode vir como um resultado de poder. Se você tem o poder – o poder de recursos superiores, tecnologia, conhecimento, contatos – você pode trazer um certo tipo de mudança. Mas se você usar o poder para colocar o que você tem goela a baixo nas pessoas, você nunca, nunca as verá  transformando-se. Ao contrário, você as vê se adaptando. Mas há algo sobre “transformação” que implica num processo que não é feito a alguém, mas num processo em que ambos começam a criar uma nova linguagem em comum, um novo mundo em comum, um novo entendimento em comum.

Então a transformação que precisa acontecer deve ir nas duas direções.

Exatamente. Não é “Vamos transformar esses pobres coitados” mas “Vamos ver como eles e nós seremos transformados!”

De forma alguma estou sugerindo que Americanos não são necessários no México. Nós precisamos mais desse relacionamento de transformação mútua. Mexicanos se sentem negligenciados, às vezes tão desprezados pelos seus vizinhos Americanos.

Ver os Americanos cavando ao seu lado, visitando suas casas, trazendo presentes de Natal, sentando-se com eles e lhes dando atenção, perguntando sobre seus filhos – todo ano lembrando de seus nomes – faz eles acreditarem que Deus tem uma comunidade de crentes que realmente se importam.

Essa é a forte linguagem do amor."

* Copyright © 2007 by the author or Christianity Today International/Leadership Journal.
Fall 2007, Vol. XXVIII, No. 4, Page 52n

8 comentários:

Anônimo 19 de novembro de 2010 às 22:35  

Edvar, muito obrigado por partilhar um testemunho tão profundo de vida e paixão. Fui muito abençoado e desafiado.

DANILO GOMES 20 de novembro de 2010 às 10:57  

Parece que, na multidão dos evangélicos, alguns poucos compreendem e encarnam o Evangelho de Jesus Cristo. Que Deus, por sua graça, nos conte entre esses!

Anônimo 20 de novembro de 2010 às 13:23  

Engraçado que esses dias eu estava pensando sobre esse texto e eu ia até te perguntar porque você nunca tinha levado à Igreja da Graça, que está perfeitamente posicionada para atender aos menos favorecidos.

Aqui, nossa igreja não é cercada de pobreza física, mas emocional/espiritual. Pelo menos eu vejo o pastor tentando restaurar a vida das pessoas. Mas é difícil para um Americano entender o que é passar necessidade... Outro dia nosso pastor falando sobre a necessidade de dar o dízimo e falando sobre a recessão do país, nos lembrou que nós somos 4% da população mundial que temos um CARRO! E que Deus não levanta a bandeira dos EUA e que vai julgar a todos com uma medida igual, seja aqui, seja no Sudão. Em outras palavras: Pare de reclamar de barriga cheia!

Anônimo 20 de novembro de 2010 às 18:56  

Prezado Edvar,

Esta é uma excelente sugestão de leitura.
Quem dera o despertamento que tantos almejam fosse nesta direção.
Grande abraço.
WM

BFC 21 de novembro de 2010 às 14:14  

Ótimo texto. Gostei do testemunho.

Uma pesquisa diz que a maioria dos pastores não tem amigos:

http://blogdofabianocaldas.blogspot.com/2010/11/maioria-dos-pastores-nao-tem-amigos.html

Bruno Montarroyos 21 de novembro de 2010 às 16:49  

Edvar, obrigado pela excelente leitura.

Grande Abraço,

Anônimo 22 de novembro de 2010 às 16:50  

Me senti tão tocada pelo texto, e um pouco frustrada tb. pq. esse texto me levou a refletir sobre o que tenho feito por amor as pessoas....nada!! Deus nos ajude, Deus nos perdoe! Que possamos abrir o coração para fazer algo aonde estivermos. Esse é o desejo do nosso Senhor, vivermos para servirmos uns aos outros
Pr. eu sempre me senti incomodada com essa coisa de irmos a igreja nos limitarmos aquela liturgia dentro das quatro paredes enquanto lá fora o mundo geme, as pessoas não tem nenhum tipo de ajuda. Isto é muito triste e não tem nenhum próposito.

Joel Ferreira 29 de novembro de 2010 às 22:29  

Pastor Edvar, louvo a Deus pela oportunidade que vc nos deu de conhecer este testemunho que me edificou bastante. Me veio a cabeca e muito bem clara a difrenca do SER e ESTAR. Me lembrar muito da parabola do bom samaritano que Rubem Alves reconta de uma forma "remasterizada" quando perguntaram a Jesus: "Quem é o meu próximo?"

Voltava para sua casa, de madrugada, caminhando por uma rua escura, um garçom que trabalhara até tarde num restaurante. Ia cansado e triste. A vida de garçom é muito dura, trabalha-se muito e ganha-se pouco. Naquela mesma rua dois assaltantes estavam de tocaia, à espera de uma vítima. Vendo o homem assim tão indefeso saltaram sobre ele com armas na mão e disseram: "Vá passando a carteira". O garçom não resistiu. Deu-lhes a carteira. Mas o dinheiro era pouco e por isso, por ter tão pouco dinheiro na carteira, os assaltantes o espancaram brutalmente, deixando-o desacordado no chão.

Às primeiras horas da manhã passava por aquela mesma rua um padre no seu carro, a caminho da igreja onde celebraria a missa. Vendo aquele homem caído, ele se compadeceu, parou o caro, foi até ele e o consolou com palavras religiosas: "Meu irmão, é assim mesmo. Esse mundo é um vale de lágrimas. Mas console-se: Jesus Cristo sofreu mais que você." Ditas estas palavras ele o benzeu com o sinal da cruz e fez-lhe um gesto sacerdotal de absolvição de pecados: "Ego te absolvo..." Levantou-se então, voltou para o carro e guiou para a missa, feliz por ter consolado aquele homem com as palavras da religião.

Passados alguns minutos, passava por aquela mesma rua um pastor evangélico, a caminho da sua igreja, onde iria dirigir uma reunião de oração matutina. Vendo o homem caído, que nesse momento se mexia e gemia, parou o seu carro, desceu, foi até ele e lhe perguntou, baixinho: "Você já tem Cristo no seu coração? Isso que lhe aconteceu foi enviado por Deus! Tudo o que acontece é pela vontade de Deus! Você não vai à igreja. Pois, por meio dessa provação, Deus o está chamando ao arrependimento. Sem Cristo no coração sua alma irá para o inferno. Arrependa-se dos seus pecados. Aceite Cristo como seu salvador e seus problemas serão resolvidos!" O homem gemeu mais uma vez e o pastor interpretou o seu gemido como a aceitação do Cristo no coração. Disse, então, "aleluia!" e voltou para o carro feliz por Deus lhe ter permitido salvar mais uma alma.

Uma hora depois passava por aquela rua um líder espírita que, vendo o homem caído, aproximou-se dele e lhe disse: "Isso que lhe aconteceu não aconteceu por acidente. Nada acontece por acidente. A vida humana é regida pela lei do karma: as dívidas que se contraem numa encarnação têm de ser pagas na outra. Você está pagando por algo que você fez numa encarnação passada. Pode ser, mesmo, que você tenha feito a alguém aquilo que os ladrões lhe fizeram. Mas agora sua dívida está paga. Seja, portanto, agradecido aos ladrões: eles lhe fizeram um bem. Seu espírito está agora livre dessa dívida e você poderá continuar a evoluir." Colocou suas mãos na cabeça do ferido, deu-lhe um passe, levantou-se, voltou para o carro, maravilhado da justiça da lei do karma.

O sol já ia alto quanto por ali passou um travesti, cabelo louro, brincos nas orelhas, pulseiras nos braços, boca pintada de batom. Vendo o homem caído, parou sua motocicleta, foi até ele e sem dizer uma única palavra tomou-o nos seus braços, colocou-o na motocicleta e o levou para o pronto socorro de um hospital, entregando-o aos cuidados médicos. E enquanto os médicos e enfermeiras estavam distraídos, tirou do seu próprio bolso todo o dinheiro que tinha e o colocou no bolso do homem ferido.