terça-feira, 27 de agosto de 2013

E eu com isso? (Insegurança, transporte, Igreja e valores espirituais)

No texto “Quién vació las iglesias”, o español Alfonso Ropero defende a tese de que o esvaziamento das igrejas na Europa não teria como causa o surgimento das teologias rotuladas como conservadoras ou liberais. Para ele, as teologias (maniqueisticamente) assim rotuladas, teriam surgido do esforço bem intencionado de teólogos cristãos, empenhados em responder a profundas questões existenciais que brotaram no coração do povo, decorrentes de fatores político-econômicos, como é o caso da Europa, assolada por duas guerras mundiais.

Ele defende, também, que as novidades intelectuais e teológicas não são causa de transformações sociais, são eco. As mudanças sociais acontecem de forma lenta e imperceptível movidas por “N” fatores e, somente depois, são conceituadas por acadêmicos e especialistas. As novidades teológicas seriam, então, mais produto do que agentes de mudanças.

Bem, em que pese o texto, disponível no meu blog, ser provocativo e bastante interessante pra quem lida com temas acadêmicos, inclusive teologia, não é sobre ele que quero escrever. Apenas associei-o ao que está acontecendo em nossa igreja. Vamos lá.

Neste primeiro domingo de setembro, depois de muita resistência, passamos a iniciar o culto do domingo à noite, trinta minutos antes. Alguns defendem que deveria ser 1h30 antes. Éramos uma das poucas igrejas com perfil semelhante ao nosso, em Salvador, que se mantinha fiel à tradição de 19h30. Razão da mudança? Mudança no perfil da cidade, decorrentes de novas realidades sociais.

Há oito anos e meio, quando cheguei a Salvador, o culto do domingo à noite tinha uma freqüência maior do que o da manhã. Hoje, pela manhã, pessoas ficam em pé, outras tantas desistem antes de estacionarem, enquanto o da noite teve a freqüência diminuída. Causa apontada? Aumento visível nos índices de violência e dificuldades na mobilidade urbana.

Ensaiar corais, bandas ou realizar reuniões nas noites da semana tornaram-se mais difícil. A mobilidade tornou-se um inferno e, como 80% da membrezia mora a mais de 5 kms de distância, com concentração de pelo menos 50% a dez, na região da Pituba, querer sair do trabalho, ir pra casa tomar banho e jantar, pra depois participar de ensaios ou reuniões, tornou-se cronologicamente impossível, em face dos gargalos de engarrafamentos na hora do rush.

A não participação, outrora justificada somente como falta de compromisso espiritual, ganhou um aliado de natureza social. A existência de cantina, antes criticada por alguns como “comércio no templo”, vai se tornando unanimidade. Até a famigerada e criticada impontualidade cultural ganhou um amigo: o trânsito.

Não é por acaso, por exemplo, que o tempo do brasileiro metropolitano em frente ao computador ou televisão é diametralmente oposto ao gasto na “calçada”, numa roda de amigos, ou mesmo participando de atividades na igreja.

Ao final de uma reunião com o governador do Estado, depois de alguém levantar a influência da inversão de valores espirituais nas manifestações de junho passado, lembrei que não há como separar cultivo de valores espirituais das realidades sociais. Sem transporte ou mobilidade de qualidade e em meio à insegurança, por exemplo, até mesmo a presença nos cultos é prejudicada.

Portanto, precisamos entender que não podemos fechar os olhos às realidades sociais. Discursos que fortalecem valores espirituais, sem empenho em ações que contribuam para torná-los realidade nas estruturas nas quais a vida se desenvolve, são como fé sem obras.

A mudança no horário do culto indica que estamos perdendo a “guerra” contra a violência, inclusive por ainda não equacionarmos adequadamente a relação entre interesses individuais e os da coletividade. Quem pode sufoca e se sufoca no “engarrafamento” com seu próprio carro e, quem não pode, se sufoca “enlatado” dentro de um ônibus ou se “enjaula” em casa. No final, todos estamos perdendo.


E eu com isso?

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