E eu com isso? (Insegurança, transporte, Igreja e valores espirituais)
No texto “Quién vació las iglesias”, o español Alfonso Ropero defende a tese de que o esvaziamento das
igrejas na Europa não teria como causa o surgimento das teologias rotuladas
como conservadoras ou liberais. Para ele, as teologias (maniqueisticamente) assim
rotuladas, teriam surgido do esforço bem intencionado de teólogos cristãos,
empenhados em responder a profundas questões existenciais que brotaram no coração
do povo, decorrentes de fatores político-econômicos, como é o caso da Europa,
assolada por duas guerras mundiais.
Ele defende, também, que as
novidades intelectuais e teológicas não são causa de transformações sociais,
são eco. As mudanças sociais acontecem de forma lenta e imperceptível movidas
por “N” fatores e, somente depois, são conceituadas por acadêmicos e
especialistas. As novidades teológicas seriam, então, mais produto do que
agentes de mudanças.
Bem, em que pese o texto, disponível
no meu blog, ser provocativo e bastante interessante pra quem lida com temas
acadêmicos, inclusive teologia, não é sobre ele que quero escrever. Apenas associei-o
ao que está acontecendo em nossa igreja. Vamos lá.
Neste primeiro domingo de
setembro, depois de muita resistência, passamos a iniciar o culto do domingo à
noite, trinta minutos antes. Alguns defendem que deveria ser 1h30 antes. Éramos
uma das poucas igrejas com perfil semelhante ao nosso, em Salvador, que se
mantinha fiel à tradição de 19h30. Razão da mudança? Mudança no perfil da
cidade, decorrentes de novas realidades sociais.
Há oito anos e meio, quando cheguei
a Salvador, o culto do domingo à noite tinha uma freqüência maior do que o da
manhã. Hoje, pela manhã, pessoas ficam em pé, outras tantas desistem antes de
estacionarem, enquanto o da noite teve a freqüência diminuída. Causa apontada? Aumento
visível nos índices de violência e dificuldades na mobilidade urbana.
Ensaiar corais, bandas ou
realizar reuniões nas noites da semana tornaram-se mais difícil. A mobilidade
tornou-se um inferno e, como 80% da membrezia mora a mais de 5 kms de
distância, com concentração de pelo menos 50% a dez, na região da Pituba,
querer sair do trabalho, ir pra casa tomar banho e jantar, pra depois
participar de ensaios ou reuniões, tornou-se cronologicamente impossível, em
face dos gargalos de engarrafamentos na hora do rush.
A não participação, outrora
justificada somente como falta de compromisso espiritual, ganhou um aliado de
natureza social. A existência de cantina, antes criticada por alguns como “comércio
no templo”, vai se tornando unanimidade. Até a famigerada e criticada
impontualidade cultural ganhou um amigo: o trânsito.
Não é por acaso, por exemplo,
que o tempo do brasileiro metropolitano em frente ao computador ou televisão é
diametralmente oposto ao gasto na “calçada”, numa roda de amigos, ou mesmo
participando de atividades na igreja.
Ao final de uma reunião com o
governador do Estado, depois de alguém levantar a influência da inversão de
valores espirituais nas manifestações de junho passado, lembrei que não há como
separar cultivo de valores espirituais das realidades sociais. Sem transporte
ou mobilidade de qualidade e em meio à insegurança, por exemplo, até mesmo a presença
nos cultos é prejudicada.
Portanto, precisamos entender
que não podemos fechar os olhos às realidades sociais. Discursos que fortalecem
valores espirituais, sem empenho em ações que contribuam para torná-los
realidade nas estruturas nas quais a vida se desenvolve, são como fé sem obras.
A mudança no horário do culto
indica que estamos perdendo a “guerra” contra a violência, inclusive por ainda não
equacionarmos adequadamente a relação entre interesses individuais e os da
coletividade. Quem pode sufoca e se sufoca no “engarrafamento” com seu próprio
carro e, quem não pode, se sufoca “enlatado” dentro de um ônibus ou se “enjaula”
em casa. No final, todos estamos perdendo.
E eu com isso?
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