domingo, 1 de março de 2009

Saudades de Edward Taylor

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Madruguei com saudade de Edward Taylor. Talvez por ter me dado conta de que já se vão 30 anos desde que, após 48 horas dentro de um ônibus da São Geraldo, desembarquei magricela, ansioso, cheio de malas, um violão e muitos sonhos na antiga rodoviária do Recife, retirante do interior paulista, para me preparar para o ministério pastoral.

Por que Recife? Coisas de coração adolescente, guiado por ideais e paixões, e dos mistérios da vida que nos empurram de um lado para outro como bem lhe convém. O fato, entretanto, é que agradeço a Deus todos os dias por me permitir fazer caminho inverso ao da maioria dos migrantes brasileiros e ter podido entender e experimentar um pouco do orgulho de ser nordestino.

Mas a saudade, como disse, se personificou em Edward Taylor. Poderia ser Maria Betânia, Glaucília Perruci, Harald Schaly, Merval Rosa, João Ferreira, Jairo Monteiro, Amauri Munguba, Nilson Galvão, Alvinéa Silva (sim, fui seu aluno de teoria musical e piano!) Epitácio Fragoso, Isaias Rego, Ramos André, Manfred Grellert, Walter Baptista, Richard Plampin, José Guimarães, Fred Spann, Paulo Wailler, Ademar Paegle, David Mein, o magnífico reitor, professor e pastor, ou outro dos muitos que deixaram suas marcas em nossas vidas.

Lembrei-me, entretanto, de Edward Taylor, um nome pouquíssimo conhecido, pois sua passagem pelo STBNB foi meteórica. Teria sido o primeiro missionário norte-americano a não poder retornar ao Brasil, vítima da intolerância e incapacidade dos, à época, novos detentores do poder na SBC, de respeitar uma das mais antigas e belas tradições batistas que é o respeito ao pluralismo e à liberdade de pensamento.

Com Taylor me interessei pelo grego, ainda que nunca tenha me aprofundado nele ou em qualquer outro idioma. Sobretudo, aprenderia em suas aulas de Exegese do Novo Testamento, estudando a carta aos Romanos, a aplicar princípios hermenêuticos (tão bem ensinado por Merval Rosa, professor de hermenêutica por acaso, como ele mesmo disse no primeiro dia de aula) que têm norteado até aqui minha relação com as Escrituras Sagradas.

Estudar no seminário não se deu somente por uma vocação ministerial ou, muito menos, por uma busca de aprendizado tecnicista e empresarial visando tornar-me um bem sucedido, porém alienado, controlável e obediente operário padrão batista. Havia também razões existenciais misturadas em meus sentimentos adolescentes. Uma delas era como equacionar de maneira honesta a convivência entre a Bíblia – coração do protestantismo e livro texto de suas igrejas e do trabalho pastoral – e as perguntas complexas que brotavam naturalmente em meu cérebro, sem que as desejasse ou fosse estimulado por terceiros, antes mesmo de sentir o delicioso cheiro das mangueiras seminariais.

Taylor, muito mais movido pela epistemologia do que pela política da religião, não temeu incluir caminhos, digamos alternativos, em suas reflexões, que, se não responderam todas as minhas questões, certamente serviram de piso para uma relação honesta com a Bíblia, com as pessoas que têm cruzado meus caminhos e, sobretudo, com Deus.

Nunca mais tive notícias de Edward Taylor. Gostaria muito de encontrá-lo e com ele recordar o dia em que tentou comprar abacaxi de um vendedor de macaxeira, por entender errado o nome do produto que era anunciado em alto e bom som – do jeito que só os vendedores de rua do Recife sabem - pela saudosa Rua do Padre Inglês.

Ao lembrar-me dele, agradeço a Deus pelos 30 anos de chegada ao STBNB e rogo por seus atuais professores e dirigentes, no sentido de que lutem, se preciso for, para preservar hasteada a bandeira das frágeis liberdades conquistadas, não se deixando contaminar por aqueles que, em nome de deus (sim, com “d” minúsculo), de uma política de educação teológica puramente empresarial e de uma unidade uniformizadora de pensamento, exercem, sutil, ingênua ou ardilosamente, o papel medieval e inquisitório de caçadores de bruxas.



4 comentários:

wsbaptista 4 de março de 2009 às 10:43  

Pois é, Edvar. Vc conseguiu me deixar nostálgico também...

Obrigado por citar meu nome entre os amados mestres do STBNB (alguns foram meus também).

Ed Taylor foi meu colega no The Southern (Seminário de Lville). O Seminário sempre foi reconhecido como de mente aberta, um estímulo à pesquisa teológica e ousado em suas abordagens. Ali, encontrei irmãos de fé profundamente espirituais, sérios e que não levam a vida cristã à toa e sem compromissos.

Hoje, tudo mudou. ProfessorAS não ensinam classe onde haja homens (é mole?) A vocação feminina é reconhecida desde que não ensine o sexo masculino...

Vc me deixou nostálgico mais uma vez. Não bastassem as fotos de "antigamente"...

Unknown 5 de março de 2009 às 12:25  

Edvar,

Pelo texto e pelas lembranças.

Os Taylor sumiram da SBC. Foram caçados...

Eu estou nela! Eu Disse: Estou... Pertencer, é outra coisa...

Aprendi com tantas mulheres de Deus, entre elas, Edith Vaughn, a pessoa que mais se parece com Jesus, das que conheci até hoje.

Mais descobri, também, que circuncisão ou incircuncisão, não importa muito, mas, como disse Paulo: "o ser uma nova criatura."

E eu tenho encontrados novas criaturas, tanto no meio fundamentalista, quanto no meio mais aberto,chamado liberal.A igreja de Cristo vaza os rótulos.

O Problema dos irmãos conservadores é que arrotam uma superioridade que não carregam, e anatematizam quem pensa diferente.

Eu já vivi tempo suficiente para ver muita santidade em herejes, e muito de demoníaco em ortodoxos.

Por isso mesmo, a heresia me fascina mais que a ortodoxia, repelente, na maioria de seus postulados e posturas atitudinais.

Mais uma vez, obrigado pelo seu belo texto.

Josias

Eli Brandão 6 de março de 2009 às 11:09  

Valeu,
Edvar!
Seu sugestivo e menmônico tecido verbal também me fez mergulhar em "saudades de ausências". Recordo aqui daquela viagem que fizemos ao sertão pernambucano - Serra Talhada, você ainda calouro, com o referido perfil físico. Destaco, entretanto, sua referência ao prof. Taylor, comprometido cristão, competente, crítico responsável e destemido, defensor dos caros princípios (hoje quase abandonado pelas instituições batistas) de liberdade de expressão e livre exame das Escrituras. Uma palavra oportuna, num contexto de acentuada crise da reflexão teológica mais profunda e relevante.

Anônimo 24 de abril de 2009 às 15:42  

De todos os professores que tive no STBNB, Eduard Taylor foi um dos poucos que me mostraram um certo sentido na teologia.
Não tenho saudade dele. Mas tenho gratidão.
Willians