segunda-feira, 30 de março de 2009

A educação sexual dos pastores

(Texto publicado na edição 14, d'O Jornal Batista da Convenção Batista Brasileira, de 05.04.2009)
Se abordar o assunto sexo em igreja ainda deixa muita gente vermelha - umas de vergonha, outras de raiva - relacioná-lo a pastores, para alguns, é motivo de pânico, afinal, no imaginário evangélico popular, pastor seria um ser angelical, portanto destituído de gênero. Temos, entretanto, pelo menos dois bons motivos para tratar o assunto com mais seriedade.

Primeiro, porque o número de pastores envolvidos em problemas de natureza sexual é maior do que imaginamos. Ouvimos muito dos problemas de padres americanos acusados de abuso sexual, mas poucos sabem que nos Estados Unidos é tão grande a quantidade de pastores acusados, inclusive batistas, que já existe uma organização de vítimas de abuso praticado por pastores, a “Survivors Networks of those Abused by Priests” – SNAP.

O segundo motivo tem a ver com a maneira como líderes religiosos pensam e ensinam assuntos relacionados à sexualidade, como, por exemplo, questões de gênero, homossexualidade, abstinência ou masturbação. Nesse sentido, a organização “Religious Institute on Sexual Morality, Justice, and Healing”, também nos Estados Unidos, defende proposta de educação sexual voltada para pastores e sacerdotes. Há reações desfavoráveis de dirigentes conservadores de seminários batistas, alegando discordância da ideologia “não bíblica” da proposta.

Seja por qual motivo for, é importante tratarmos o assunto em nossas escolas de maneira diferente daquela que apenas “ensina” candidatos a pastor, o que seria certo ou errado em termos de sexualidade, a partir de interpretação popular (ou como preferem outros, interpretação literal) de versículos isolados e descontextualizados da Bíblia, sem estudar a fundo a forma como lidamos com a própria sexualidade, o conteúdo e pressupostos dos nossos ensinos e as motivações dos posicionamentos político-sexuais que adotamos.

Depois de ler a Bíblia de capa a capa, pesquisando atentamente a questão da sexualidade, e de refletir sobre a forma passional como alguns pastores reagem à ordenação feminina ou aos direitos civis dos homossexuais, concluí que, para entendermos tais reações, mais do que prestar atenção em seus discursos “bíblicos” ou na corrente teológica do seminário onde estudou, é fundamental compreender a cultura na qual sua educação sexual foi construída.

Sendo assim, se desejo entender o porquê do meu pastor reagir como reage a temas da sexualidade, devo esquecer seu título e lembrar de que nem sempre ele se escondeu atrás de um belo paletó e gravata ou de um bonito discurso previamente elaborado. Como qualquer garoto, ele cresceu entre meninos que, como a maioria absoluta, não recebeu adequada educação sexual – no sentido técnico do termo - seja em casa, na escola e muito menos na igreja.

Como todo menino, quase 100% do que aprendeu e sentiu a respeito do assunto, é fruto da convivência com seus pares de infância. Ele não só teve seus colegas como “facilitadores” para aprender como poderia lidar com o próprio sexo, como deveria lidar com o sexo oposto e outras questões sexuais, mas sentiu na pele toda a pressão vinda do grupo para provar um tipo patriarcal de masculinidade.

Nesse sentido, a leitura do livro “Corpos, prazeres e paixões. A cultura sexual no Brasil contemporâneo”, (Richard G. Parker, Editora Best Seller, 1991), especialmente as páginas 89 a 97, levou-me a fazer conexões e clareou um pouco mais as dificuldades pastorais no trato do assunto sexo e sexualidade. Segundo o autor, a estruturação da experiência na vida sexual no Brasil contemporâneo foi influenciada pela tradição patriarcal, pela linguagem do corpo e pelo sistema de classificação sexual, tópicos devidamente esclarecidos por ele.

Tal estruturação não seria aprendida imediata e completamente. É resultado de interiorização gradual, “através de um complexo processo de socialização que se inicia nos primeiros momentos da infância”.

Reconhecendo que a responsabilidade pelo cuidado e educação das crianças é, inicialmente e em grande parte, de responsabilidade feminina, o autor demonstra como, até certa idade, a criança é influenciada pela mulher, que domina o lar, e, depois, pelos homens, que dominam o mundo fora do lar.

Como até certa idade a relação de meninas e meninos é fortemente influenciada pela presença feminina, faz-se necessário, por uma questão de definição de identidade, que a distinção de gêneros seja feita muito precocemente. Assim, a identidade das meninas, especialmente em termos de passividade e submissão, é assegurada pela continuidade da relação com a mãe, em casa, bem como pelas visíveis alterações pelas quais passam seus corpos, enquanto a dos meninos é mais complicada pela descontinuidade do processo.

Segundo o autor, “ameaçado desde o princípio por uma associação muito íntima com o domínio feminino, a virilidade e atividade que são marcas principais da masculinidade na vida brasileira precisam ser construídas, erigidas a partir do grupo e atravessar um processo de masculinização capaz de quebrar os laços iniciais do menino com as mulheres e transformá-lo em homem”.

Enquanto as meninas experimentam um processo de orientação mais forte dentro de casa, exceto a partir da menstruação, “existe um forte sentido (embora nem sempre explicitamente afirmado) da parte dos pais, de que o caminho mais adequado para seus filhos tomarem é o de se afastarem cada vez mais desse domínio feminino”. Isso lança luzes sobre a luta de alguns pastores no sentido de defender tão fervorosamente o domínio “bíblico” masculino sobre as mulheres na igreja e de resistir à atuação delas em funções de autoridade.

Pelo mesmo pressuposto entendemos a reação passional de alguns pastores às questões de direitos civis homossexuais. Observe que me refiro aqui à reação emocional que toma conta de alguns no trato do assunto, sem emitir juízo de valor, por qualquer ângulo, sobre a questão homossexual.

Isso reforça a importância de incluirmos, na educação ministerial dos pastores, uma profunda reflexão sobre o processo informal, eficaz, porém nocivo, de educação sexual a que foi submetido em sua infância. Tal reflexão o ajudará a entender o sentido de sua masculinidade, o trato do próprio sexo, sua relação com o sexo oposto, sua reação a questões civis relacionadas a homossexuais e também a influência daquilo que nele foi introjetado culturalmente, na leitura que faz dos textos bíblicos.

A superação dos paradigmas estabelecidos em sua mente e coração dificilmente será alcançada em seus estudos teológicos, nos quais a condução do pensamento está nas mãos de professores – homem em sua maioria - que, como os candidatos a pastores, também tiveram “educação sexual” eficazmente construída “nas ruas” e não em sala de jantar ou de aula.

Portanto, se quisermos entender a posição dos pastores em relação a questões de gênero, reprodução ou erotismo, mais importante do que prestar atenção às escolas onde estudaram teologia, aos livros que leu sobre o assunto ou títulos acadêmicos que ostentam, seria descobrir como se deu sua transição de saída do domínio do mundo feminino para o domínio do mundo masculino, através de suas relações sociais a partir do quinto ano de vida, aproximadamente.

Isso talvez devesse ocorrer sob a facilitação de um profissional de psicologia, não de ética, porque a insegurança para falar do assunto, especialmente dessa fase de nossa infância, não é um privilégio de alguns, mas de todos que fomos criados numa cultura religiosa em que sexo e diabo são sinônimos. O problema é que a psicologia tem sido “demonizada” pelo fundamentalismo que “anda ao redor rugindo e procurando a quem possa devorar” e prejudicada por idéias como: “enquanto Freud explica, o diabo da um toque” cantada por Raul Seixas.

Estou convencido de que, no processo de construção do conhecimento do assunto em pauta, seria muito importante que a visão de sexo e sexualidade presente na cultura brasileira e na cultura dominante nos tempos bíblicos fosse estudada criticamente à luz de princípios universais. Isso ajudaria os novos pastores a tratarem o assunto de maneira menos passional, injusta e preconceituosa, como aprendemos entre “coleguinhas” mais velhos, na infância.

2 comentários:

Unknown 1 de abril de 2009 às 18:19  

É de suma importância debater este assunto nos cultos, pois como na bíblia não há nada explícito e em casa muitas vezes não há conversa sobre o assunto, ficamos na dúvida e não sabemos até onde é ideologia.

Abraços, Aline Lima

NÓBREGA 3 de abril de 2009 às 19:44  

Gostei do texto. Peço permissão para usá-lo em minha dissertação.
Ei, o enquete ao lado só pode participar pastor?
Assim não vale.
Valeu
Abraços
Cristina