segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Tudo me é permitido

"Todas as coisas são lícitas, mas nem todas as coisas convém; todas as coisas são lícitas, mas não me deixarei dominar por nenhuma delas (pois "nem todas edificam")." (I Cor. 6:12,23)

Todas as coisas me são lícitas. Isso não é invenção de Paulo. Até veneno de cobra tem sua utilidade, pelo menos para dele extrair-se soro para anular os efeitos mortais sobre quem por ela picado. Não há, portanto, nada neste planeta que seja absolutamente ilícito. Tudo tem a ver com a forma e finalidade do uso.

Isso exige que cada pessoa desenvolva sua inata capacidade de pensar em torno das informações que dispõe, abstraindo, fazendo conexões entre elas, construindo conhecimento e encontrando possibilidades. Por isso, dizer ou fazer algo, não pode ser classificado como nocivo à vida da pessoa ou das pessoas ou coisas que as cercam, senão após avaliação.

Há coisas cuja decisão em torno delas não exige uma parada para avaliação. A experiência demonstra os prejuízos e assim, automaticamente decidimos fazer ou não fazer. Exemplo: ninguém se aproxima de um abismo pra estudar os efeitos de se atirar nele (a não ser para especular como poderia se sentir atirando-se à morte). Já temos noção dos efeitos e instintivamente nos preservamos.  Porém, a distância que devemos ficar de sua margem, abre uma possibilidade de avaliação, dependendo das experiências, da estrutura emocional e capacidade cognitiva de cada um.

(By András Sásdi and Raphael Gimenes)

Visitando a maravilhosa Cachoeira da Fumaça, na Chapada Diamantina, depois de 2h30 de caminhada montanhosa, senti um desejo profundo de ver a beleza dela por ângulos, cujo risco de cair abismo adentro era grande. Aceitei meus limites e troquei, conscientemente, a possibilidade de ver algo ainda mais belo pela segurança, não me arriscando. Outros se arriscavam mais.

(By András Sásdi)
(Enquanto meu filho se arriscava, confesso, eu de longe orava)

Todas as coisas e pessoas têm seu lado bom ou ruim, ainda que inicialmente imperceptível. Daí todas as coisas serem lícitas, daí o complemento das palavras de Paulo: “mas nem todas me convém”.

“Nem todas as coisas me convém” indica que de cada um deve ser reconhecido o direito e responsabilidade de escolher  (se é ou não conveniente), inerente à sua condição humana.

Claro que condição de escolher e poder de escolher não são a mesma coisa. Poder escolher depende de fatores diversos. Quanto maior for nossa dependência de alguém ou de algo, menor nosso poder de escolha.

É comum ouvirmos adolescentes dizendo: “não vejo a hora de completar 18 anos”. Ele está pensando somente na independência civil, mas nessa idade, a não ser em casos excepcionais, a maioria não terá alcançado a independência econômica. Ganha o poder civil, mas a dependência econômica mantém restrito seu poder de escolha.

O medo de acreditar na própria capacidade de pensar, leva pessoas a fazerem ou deixar de fazer coisas, apenas porque herdou a informação de que pode ou não pode. Jamais se aventurou a perguntar, pesquisar e avaliar o porquê do pode ou não pode. São pessoas que se regem a vida inteira por costumes (mores, no latim = costumes, moral) não porque entendeu o que gerou tal costume, mas apenas para não contrariar seu grupo significativo.

Não perguntam, por exemplo: por que isso ou aquilo é ilícito, proibido? Ou: a partir de quando e de que lugar tornou-se ilícito, proibido? Ou ainda: os elementos ou motivos que justificaram a ilicitude, proibição, naquele tempo e local continuam presentes em nosso tempo e espaço?

Reconheço que, seja pela necessidade de controlar outros, seja por insegurança, medo ou mesmo dúvida sobre a própria capacidade de carregar nos ombros o peso da liberdade, alguns preferem seguir costumes, cegamente. Se seus limites são estreitos, têm meu respeito, mas também devem reconhecer que não lhe cabe impor a outros que se enquadrem no seu quadrado.

O alerta paulino, em seu contexto, traz consigo uma carga restritiva, mas também deixa uma brecha à decisão individual. Que sejamos capazes de avaliar custo-benefício, implicações, efeitos colaterais sobre si e próximos, e assim exercer nossos direitos e deveres de maneira saudável, para o bem de todos e glorificação do criador.


1 comentários:

Bete Meira 20 de fevereiro de 2014 às 00:07  

Gostei do texto. Ótima reflexão!