sábado, 25 de abril de 2009

Liberdade, disciplina e prazer

(acervo de conteúdo livre da Wikimedia Foundation)

A música “Minha Vontade”, samba da Portela de Chatim, interpretada por Vânia Lucas (ex-aluna do STBSB) em seu agradabilíssimo CD, é um belo retrato daquilo que chamo de prazer da disciplina. Sua letra expressa algo que todos, em maior ou menor grau, almejamos: liberdade.

A letra diz:


Quero viver como passarinho
Cantar, voar, sem direção.
Quando eu quiser construir meu ninho
Hei de encontrar o coração.
Por enquanto eu quero viver
Com toda a liberdade
Saltando aqui, pousando ali
Essa é a minha vontade.
Não, eu não quero prisão
Para o meu coração, eu não quero
Será bem triste o meu fim
Se eu não conseguir
Levar minha vida assim.



O interessante é que não há como ouvi-la atentamente, construindo mentalmente as possibilidades de imagens que a letra desencadeia e experimentando o prazer da harmonia, sem pensar na relação do trinômio liberdade, disciplina e prazer, tendo a própria música como referência.

A execução inicial com voz e um único instrumento de percussão, exige disciplina rítmica entre quem canta e quem toca. A junção disciplinada de ritmo e sons produz uma imensa sensação de prazer, quando se ouve sem pressa, como quem degusta uma deliciosa manga madura.

De maneira suave, planejada, vão aparecendo piano, apito, violão, baixo acústico, bateria, tan tan de mão, tamborim, pandeiro, agogô, repinique, afoxé, ganzá, cuíca, surdo e o coro, tudo de forma milimetricamente disciplinada.

De repente, percebe-se que a liberdade de criação de cada intérprete é rigorosamente controlada, disciplinada, visando alcançar um interesse maior que é produzir uma harmonia tal que faz o ouvinte experimentar a sensação de liberdade interior. É a ação disciplinada daqueles que estão cantando a liberdade, que produz o delicioso prazer.

Lembro-me das vezes em que pude ouvir música ao lado dos meus filhos ainda crianças. Estimulava-os a prestarem atenção em cada instrumento musical usado e em como cada um, mesmo participando de maneira curtíssima, porém disciplinada, era essencial na construção da harmonia e da beleza musical. Bolero, de Ravel, é um dos exemplos contundentes de como isso se dá.


O investimento em disciplina é a garantia do prazer da liberdade. Ele “não parece ser de gozo, senão de tristeza, mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos exercitados por ela.” (Hebreus 12.11). Assim acontece com a música "Minha Vontade". Ela pode falar de liberdade, mas, para que produza prazer em quem ouve, há muita disciplina da parte de quem a executa.

6 comentários:

Anônimo 25 de abril de 2009 às 13:56  

Pois é, Edvar!
Como eu não tenho a música, fiquei somente com a letra que você veiculou no seu texto; e, em face dela, fiquei me fazendo perguntas.
Quando li a letra, tive a impressão de alguém que quer uma liberdade que pode preocupar a muitos. "Liberdade... sem direção", diz o texto.
É uma liberdade que quer migrar como bem entender, sem certos limites. E ainda mais, diz que sua vida está condicionada a essa situação: "Será bem triste o meu fim; Se eu não conseguir levar minha vida assim".
Posso estar errado, claro, mas me parece meio funesta a situação do poeta.

Não sei se foi só minha impressão, mas me parece que você se deteve mais nos aspectos musicais. É uma pena que eu não tenha acesso aos mesmos.
De minha parte é também uma honra grande ter acesso à sua produção escrita.
Grande abraço.
WM

Vania 25 de abril de 2009 às 19:28  

Edvar,
A primeira vez que ouvi essa música fiquei de cara muito emocionada.Foi com um coro de mulheres da Velha Guarda da Portela, num disco produzido pela cantora Marisa Monte em homenagem à escola;as vozes daquelas mulheres maduras cantando, trouxeram-me a imagem dessa liberdade "disciplinada" a que você se referiu.
Liberdade responsável de quem tem os pés bem no chão e por isso pode sonhar, enquanto não está pronto para construir seu ninho(fazer suas escolhas).Penso que a liberdade de "cantar, voar, sem direção"( passarinho voa sem direção mas não perde o rumo!)traz a possibilidade de encontrar abrigos sólidos "no coração",(na alma).
Mas interpretação da letra à parte, o que me surpeendeu e deixou feliz foi sua análise musical de ouvinte atento e conhecedor,
mostrando paralelos tão pertinentes ao tema "Liberdade,Disciplina e Prazer" Isso eu não tinha imaginado!
Muito obrigada!
Abraços a você e sua família
Vania
PS. vou deixar o site que diz onde encontrar o Cd ou as músicas separadas:
http://www.tratore.com.br/cd.asp?id=7898060833675

Anônimo 25 de abril de 2009 às 19:54  

Voltando ao tema, Edvar, usei o link do YouTube e conseguir escutar a música.
Acrescento pois:
Deixando a letra de lado, digo que sua análise fez jus à música. Sem falar que a voz da cantora é muito agradável.
WM

João Bosco Barreto 26 de abril de 2009 às 00:17  
Este comentário foi removido pelo autor.
João Bosco Barreto 26 de abril de 2009 às 00:19  

Título perfeito. 3 palavras mágicas. Uma quarta eu acrescentaria, so no texto escrito porque vc já se antecipou escrevendo-a em forma de imagem: sonho.

Harmonizar liberdade, disciplina e prazer na nossa vida é o sonho de muitos, como eu.

Lidicom 29 de abril de 2009 às 21:40  

Bom, voltando à letra da música... Senti também um estranhamento que gostaria de compartilhar. Na verdade, o primeiro a sentir o tal estranhamento foi meu marido, ao lê-la no boletim. Depois, sem tecer comentários, pediu que eu lesse a letra e dissesse o que eu tinha entendido. Enfim, tivemos uma mesma interpretação: (apesar de o tema ser a liberdade, efetivamente, e de a sua pregação no domingo ter trabalhado muito bem os potenciais da tríade liberdade-disciplina-prazer) a letra da música me parece apresentar um discurso favorável à liberdade individual e, particularmente, sexual (lato-senso). Parece uma ode ao não-compromisso, ao não ter ninho (lar/casamento... que aprisionaria seu coração e não mais lhe permitiria viver "de galho em galho")!
Enfin, c´est ça!