quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

AMBIÇÃO x GANÂNCIA ONDE FICA A TÊNUE LINHA DIVISÓRIA?


por Davison Pereira de Freitas*

Observando a sociedade do século XXI, podemos encontrar alguns paradoxos interessantes sobre a vida cotidiana. Em recente pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral de Minas Gerais, foi identificado que 84% dos executivos principais de empresas instaladas no Brasil não estão felizes na vida profissional; na vida pessoal, 54%. No geral, considerando as duas dimensões em conjunto, 76% não se acham felizes.Pessoas que chegaram ao topo de suas carreiras profissionais, que lutaram duramente durante décadas para alcançar tal conquista, agora, sentem-se infelizes.


Na correria da vida, as pessoas precisam aprender a diferenciar ambição de ganância para que possam usufruir das benesses do sucesso. Muitas pessoas acabam desenvolvendo com sua carreira profissional uma relação de escravidão que as faz perder a identidade própria. Se tirarmos delas o trabalho, a vida perdeu completamente o sentido. Já não sabem mais serem pessoas, cônjuges, pais e ou filhos. Mudaram seus sobrenomes, assimilando o nome das empresas que trabalham e, quando porventura são demitidos, sentem-se imensamente injustiçados já que deram suas vidas pelas empresas.



Ter ambição é querer mais e esta é uma boa característica independentemente da área na qual as pessoas atuam. Isso porque quando queremos mais, não ficamos parados e satisfeitos com o nível que já atingimos, mas avançamos descobrindo coisas novas, desafiando os paradigmas estabelecidos e assim, crescemos como pessoas e como profissionais, compartilhando conhecimento, trabalhando em conjunto, construindo relacionamentos que nos aproximam uns dos outros. O ambicioso experimenta uma insatisfação com o estabelecido. Mas isso, até certo ponto é positivo. Quando estamos insatisfeitos com o status quo“o animal satisfeito dorme”. O que o escritor tão bem percebeu é que a condição humana perde substância e energia vital, toda a vez que se sente plenamente confortável na maneira como as coisas já estão. A tendência é a perigosa acomodação. A satisfação não deixa margem para a continuidade, para prosseguimento, para a persistência, para desdobramento. A satisfação acalma, limita, amortece. O “está bom como está” pode ser um grande cerceador da evolução, pois pode nos acomodar à situação atual. Já dizia Guimarães Rosa: buscamos formas de mudar as coisas para melhor. A humanidade evoluiu exatamente através da busca do melhor.



Já a ganancia é querer só para si mesmo e a qualquer custo. As pessoas gananciosas se distanciam das outras, tornam-se egoístas, não constroem relacionamentos profundos, não vivem o verdadeiro sentido da vida, ressecam-se por dentro e não têm mais nada a oferecer além do sucesso que alcançam. Com isso, não fazem as pessoas felizes, não trocam conhecimento, crescem atropelando os outros e deixando para trás muita gente ferida que forma a plateia ansiosa por ver a queda brusca. O ganancioso experimenta uma grande amargura, fruto da aridez da sua própria vida. 



Quando somos gananciosos, podemos conquistar o que desejamos, mas não teremos ninguém com quem compartilhar a emoção de ter chegado à conquista do objetivo.


Segundo Mario Sergio Cortella – professor titular da PUC-SP, a finalidade de um alpinista quando sobe ao alto do Monte Everest, não é ficar sentado lá, mas sim o orgulho da subida e a possibilidade de compartilhar as histórias e lembranças com as pessoas que ama.


Ao contrário, quando o indivíduo não tem com quem compartilhar seu sucesso, começa então a sofrer uma forte angústia e a perguntar se valeu a pena.


Até Jack Welch, um ícone da gestão do Século XX tem a sua esposa para compartilhar os momentos de vitória.


Há pouco tempo em uma formatura do Seminário do Sul, vi um professor que foi homenageado por seus alunos como o patrono da turma, dividir este momento especial de sua carreira com a esposa. Foi emocionante! É maravilhoso quando temos alguém ao nosso lado para compartilhar as vitórias que experimentamos. Deve ser muito triste não ter com quem dividir os momentos de sucesso. Tudo perde o sentido. A cadeira vazia, a falta do olhar de apoio, um abraço perdido no tempo e no espaço, fazem com que tudo perca o verdadeiro sentido. 



O sentido da vida não pode ser a conquista de poder, influência, status e destaque.


Devemos ter um verdadeiro sentido para nossas vidas, formado de significado e direção. Existem coisas que são indispensáveis à nossa vida, e essas, são comuns a todos os seres humanos normais: amizade, lealdade, religiosidade, sexualidade, felicidade, fraternidade e honestidade. Precisamos de sentido para o que fazemos.



Muitas pessoas atualmente estão buscando um sentido adicional para o seu trabalho além da remuneração e destaque pessoal. Temos visto o crescente número de voluntários que se apresentam para trabalhar em escolas, ONGs, igrejas e outras instituições a fim de fazer algo na direção do ser humano ou do meio-ambiente. Elas estão buscando um novo sentido para suas vidas, completando o que conquistam na carreira profissional com algum significado extra. 



Muitas pessoas que chegaram a uma situação financeira muito confortável, acabaram descobrindo que o dinheiro não lhes dá sentido à vida: ele não compra amigos, não compra amor, não adquire lealdade e nem pode pagar pela salvação. O dinheiro não é essencial, mas é fundamental para a vida das pessoas, pois sem ele, enfrentaremos dificuldades.



A linha que divide ambição da ganância é muito tênue e, muitas vezes, atravessamos esta fronteira sem perceber. Infelizmente isso acontece com frequência mesmo no meio do povo de Deus. A sede de poder, de controle dos outros, a síndrome do rei que deveria proteger o seu povo, mas ao assentar no trono passa a explorá-lo, já mordeu e continua mordendo muita gente em nosso meio.


Quando olhamos para a história da igreja, podemos identificar no início que os seguidores de Jesus eram ambiciosos, dedicavam-se ao crescimento do Reino, ao testemunho, à oração e ao compartilhar tudo uns com os outros. Não havia o egoísmo, todos se ajudavam e assim a igreja crescia conforme podemos ler em Atos. A igreja viveu os princípios de Cristo e cresceu em número e em influência na sociedade. A obra missionária avançava, novas regiões eram alcançadas, igrejas surgiam com pessoas que se rendiam à verdadeira fé e tinham suas vidas transformadas. Contudo, a partir de um determinado momento na vida da igreja, os valores mudaram e a motivação inicial para missões que era o crescimento do Reino, a libertação dos cativos e a restauração de vidas, foi substituída pela sede de poder, estruturas hierárquicas foram construídas a fim de dar a alguns mais poder, maior influência sobre as pessoas. A ganância egoísta substituiu a comunhão generosa.



Ao longo do tempo esta situação foi se multiplicando e gradativamente afastando a Igreja de Cristo dos seus propósitos originais. Hoje, vemos muitos exemplos que afetam negativamente a imagem do Reino de Deus, a partir do testemunho de líderes comprometidos somente com seus próprios interesses. A regra se alterou e a igreja que antes estava a serviço do Reino de Deus, agora tenta colocar Deus como um mordomo a serviço dos interesses da igreja.



A ganância tem agido para destruir o que o Amor de Deus construiu de maneira especial na história da humanidade: a comunhão, o amor, a compaixão, a igualdade entre todos, a paz e harmonia no Espírito Santo.



A ganância traz a soberba, traz a indiferença e a mentira, destrói a comunhão e impede a compaixão. Tão nociva e tão real em nosso meio que tem levado pastores a processarem igrejas, membros a processarem pastores, disputas entre nós, o povo de Deus, que somente demonstram o quanto temos nos afastado da comunhão proposta por Deus para nós.


Fomos resgatados pelo amor. Somos diariamente transformados pela graça divina, somos justificados por Cristo, restaurados pelo Criador Soberano e por isso, devemos então agir para eliminar o poder da ganância de nosso meio e permitir que a compaixão e unidade sejam realidades em nossas vidas.



Enquanto nos deixamos dividir pela ação de corações gananciosos, não vivemos os princípios ensinados e exemplificados por Jesus que se importava com as necessidades das pessoas, com seu sofrimento, com suas carências e expectativas. Jesus caminhava na direção das pessoas com afeto e compaixão. Por isso, sempre tinha pessoas ao seu redor.


No seu momento crucial – a cruz no Calvário, ele tinha muitas pessoas ao seu redor; no momento final aqui na terra, ali estavam seus discípulos e amigos. Por que mostrou compaixão e generosidade, teve várias pessoas com quem compartilhar os momentos importantes de sua estadia em nosso meio.


Devemos viver assim, como povo que vive para a glória de Deus, desejando sempre mais, mas não para nós mesmos, mas sim para o Reino do nosso Deus, que nos tirou das trevas e nos trouxe para a Sua maravilhosa luz.

*Diretor do Seminario Teológico Batista do Sul do Brasil



2 comentários:

Eleni Nalon 24 de fevereiro de 2011 às 13:32  

Que continue abençoando mais escritores com essa capacidade. Graças a Deus temos alguns que nos abençoam com amplas e profundas reflexo~es Bíblicas.

Eleni

Hélcio 10 de março de 2011 às 19:27  

Duas semanas atrás enviei esse texto para minha namorada. Em conversa ao telefone, trocamos idéias sobre seu conteúdo. As reflexões sobre ele foram úteis e benéficas para nossas vidas. Um abraço. Hélcio