quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

A construção da identidade batista

Há quem fale em identidade batista como algo imutável e único. O principal equívoco dos que assim pensam é olhar identidade como somente aquilo que está em nós desde o nascimento, independente das influências externas sobre nós exercidas à partir do momento que fomos trazidos à luz, independente, também, dos processos de reflexão por nós praticados, confrontando, racionalmente, aquilo que está em nós com aquilo que a realidade ao redor impõe.


A idéia de imutabilidade e unicidade é totalmente equivocada. Quem a defende demonstra não compreender o que é identidade, nem como ela se constrói.


Em princípio, identidade é o conjunto de característicos que qualificam nosso ser. Se pensarmos em termos de serem humanos, perceberemos que tais característicos podem ser originários de três fontes: a herança genética, a imposição cultural e a elaboração cognitiva individual.


Todos nós herdamos geneticamente um conjunto de elementos que definem nossa humanidade. São códigos – DNA - que determinam o funcionamento dos nossos corpos, impostos pela natureza ou, numa linguagem religiosa, por Deus, o criador. Podemos estudar seu funcionamento visando construir uma compreensão que nos ajude a interferir naquilo que julgamos ser nocivo ou contrário ao nosso desejo de preservação da vida por um maior período de tempo, com uma qualidade que nos seja satisfatória.


Claro que há um limite à nossa compreensão do seu funcionamento, imposto pela própria condição de sermos criatura e não criadores de nós mesmos. Esse limite pode ser definido como “ponto de mistério”, segundo Richard N. Wolman, docente da Faculdade de medicina de Harvard (Inteligência Espiritual, Ediouro Editora)


O segundo elemento que determina nossa identidade é a imposição cultural. A partir do momento que somos expelidos do útero materno, iniciamos um processo de interação com uma realidade sobre a qual, naquele momento, nosso controle é zero.


Nessa fase, continuamos a depender totalmente de elementos fornecidos pela natureza, para sobrevivermos e também e principalmente de semelhantes – nossos pais, por exemplo - cujos corpos já estão mais amadurecidos e estão em estágio avançado de relacionamento com a tal realidade.


Assim, a forma como a interação do nosso corpo se estabelece com a realidade, depende não somente dos cuidados dos genitores, mas também das informações que receberemos deles, que serão registradas em nossos cérebros e vão servindo como referencial para a maneira como lidaremos com o mundo ao redor, visando manter quantidade e qualidade de tempo de vida.


Herdamos linguagens utilizadas por aqueles que cuidam de nós no período em que nossa autonomia é próxima de zero, principalmente o código lingüístico convencionado entre os participantes do grupo ao qual pertencemos - no nosso caso, a língua portuguesa.


Através desse código, identificamos e nos identificamos com a nova realidade, agimos sobre ela, reagimos a ela, interagimos, enfim, com ela.


Paralelamente ao nosso amadurecimento biológico, ampliamos e aprofundamos nossa relação com o mundo extra-uterino, usando a linguagem que vamos herdando daqueles que há mais tempo convivem com a nova realidade. Não apenas aprendemos nomes dados pelos antecessores à realidade na qual vamos sendo lançados, mas também herdamos os significados por eles desenvolvidos, de cada elemento da tal realidade. A isso chamamos herança cultural.


Compreendidos os dois primeiros elementos que determinam nossa identidade – herança genética e herança cultural – trataremos do terceiro elemento que é a elaboração cognitiva individual.


A elaboração cognitiva individual é o confronto que acontece em nosso cérebro entre a herança genética imposta pela natureza ou, numa linguagem religiosa, por Deus e a herança cultural imposta pela sociedade onde nossos corpos foram lançados e se desenvolvem.


Através da elaboração cognitiva, desenvolvemos o poder não somente de afirmar ou negar as heranças recebidas, mas, sobretudo, de administrá-las de tal maneira que elas nos sejam favoráveis, individual e coletivamente.


A capacidade de elaboração cognitiva é fruto da interação entre amadurecimento biológico e aprofundamento cultural. Ao tempo em que o amadurecimento biológico segue um curso natural, a realidade - incluída aqui a herança cultural - pode beneficiá-lo ou prejudicá-lo.


Usando a capacidade que temos de pensar, podemos compreender tanto a herança biológica quanto a cultural, interferindo nelas com o objetivo de melhorar nossa qualidade de vida.


Uma analogia com a identidade batista


Façamos, então, uma analogia, para entendermos a questão da identidade batista.


Podemos afirmar, com as devidas limitações analógicas, que temos uma herança genética. Qual seria a nossa herança genética batista? Nossa herança genética seriam os dados institucionais – teologia, eclesiologia, ética, enfim - elaborados pelos primeiros batistas.


(Claro que, pensando em termos cristãos, diríamos que nossa “herança genética” seria a Bíblia, ainda que isso nos remetesse a ter que escolher um dos canons existentes. Diante do conflito entre dados institucionais dos primeiros batistas e Bíblia, apontamos duas questões: 1) as crenças dos primeiros batistas poderiam ser comparadas a uma espécie de mutação genética. Eles seriam uma adaptação resultante do conflito entre a cultura político-religiosa estabelecida na Inglaterra do séx. XVII – anglicanismo – e a percepção que tiveram de partes das Escrituras que, aos olhos deles, precisavam ser resgatadas; 2) os primeiros batistas já nasceram divididos. Uns, por exemplo, sustentavam suas pregações na crença da predestinação, outros na do livre-arbítrio. Isso sem falar em diferenças menores que não ganharam importância histórica. Portanto, não podemos falar num único modo de ser batista).


Digamos, entretanto, para fins de analogia, que os documentos existentes desde o século XVII representam nossa herança genética. Pois bem, se tais documentos seriam nossa herança genética, nosso DNA batista, na construção histórica de nossa identidade, um segundo ingrediente teria que ser admitido: a herança cultural.


A herança cultural seria a realidade sócio-econômico-político—moral-religiosa encontrada pelos batistas em cada lugar para onde a vida os expeliu. Partindo da Inglaterra (ou Holanda se quisermos pensar em termos da primeira igreja local de que se tem documento), batistas ganharam o mundo e se defrontaram com “N” realidades diferentes e, na interação com elas, influenciaram e se deixaram influenciar.


Por fazerem uso da linguagem do lugar onde se inseriam e por interagir com a realidade vivenciando seus modelos econômicos, políticos, sociais, morais, enfim, estabelecidos, é óbvio que não seria possível a manutenção de um modo puro de ser batista que, na verdade, nunca existiu. A crença em purismo, de qualquer natureza, é uma aberração, uma manifestação de deficiência ou enfermidade intelectual.


Nesse processo de interação com as múltiplas realidades, seis ou sete princípios (não confundir com Declarações doutrinárias) se mantiveram – segundo Justo C. Anderson, (História de los bautistas, Casa Bautista de Publicaciones) – que poderiam ser chamados de DNA, de herança genética e “N” elementos, provenientes das realidades onde foram se estabelecendo, foram incorporados.


Entra, então, o terceiro elemento que é a elaboração cognitiva individual. Não somente em termos individuais, mas também em termos de igrejas locais, os batistas são (pelo menos pretendem ser) seres pensantes, portanto capazes de reconhecer sua herança genética e cultural e, daí, serem competentes, autônomos, para fazer reelaborações visando melhorar a qualidade da relação com Deus, com os semelhantes e o meio ambiente onde se desenvolvem.


Assim sendo, podemos afirmar que identidade batista é o conjunto de heranças genéticas (documentais), culturais (interação) e cognitivas (capacidade de elaboração do pensamento).


Ora, se é verdade que estes três componentes não acontecem sequencialmente, isto é, não se desenvolvem historicamente de maneira linear, e se cada batista ou igreja local batista não têm o mesmo rítmo de construção da identidade, falar em identidade batista como sendo uma só e uniforme é uma grande bobagem, uma profunda ignorância ou até mesmo má-fé política.


O que podemos fazer é reconhecer que há uma base mínima de elementos que nos caracterizam como igreja (mas não nos torna iguais, da mesma forma que há uma base mínima de elementos biológicos que nos caracterizam como seres humanos, mas não somos iguais); reconhecer que há diferenças culturais em cada lugar onde surge uma igreja batista e que cada batista ou grupo de batistas deve amadurecer sua capacidade de administrar a interação entre a “herança genética” – documental, os princípios – e a herança cultural, visando viver de maneira saudável.


Se quisermos uma denominação com identidade forte, devemos investir na educação, especialmente a teológica, a fim de que sejamos capazes de gerenciar os elementos que determinam nossa identidade denominacional e sejamos saudáveis, respeitando as diferenças individuais.


Será que compliquei demais?

1 comentários:

Anônimo 10 de dezembro de 2009 às 13:01  

rs, pouca gente vai entender...Se não tiver a mesma inspiração pra ler!!!