segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Meu primeiro batismo por aspersão


Hoje é aniversário de Gláucia, meu dia de folga, numa semana em que completo 27 anos de ministério pastoral. O céu está claro e o sol maravilhoso, depois de um domingo extraordinariamente abençoador.


Ontem  16 pessoas adultas foram batizadas pela manhã, num culto em que todos os espaços do auditório foram ocupados e muita gente ficou do lado de fora. Pr. Amauri Munguba Cardoso trouxe-nos a mensagem. À noite celebramos a Ceia do Senhor, num ambiente não menos acolhedor, com pessoas afirmando publicamente seu desejo de viverem uma vida norteada pelos valores do Reino de Deus.


A novidade, entretanto, foi o batismo de Dona Pomposa, o primeiro por aspersão, por mim realizado.


Dona Pomposa tem 93 anos de idade. Já não ouve tão bem, está encurvada e anda sempre com o apoio de alguém. Frequenta assiduamente as reuniões da 3ª idade promovidas pelo Cecom/IBG e é avó de Marcela, competente líder do ministério com surdos da Igreja.


Passou a ler regularmente sua Bíblia e, há algum tempo, fez sua decisão de seguir a Jesus. Uma das primeiras manifestações de desejo, neste novo momento de sua fé, foi pedir que os símbolos religiosos antigos, fossem  retirados das paredes de sua casa. Diante da resistência de filhos, de atender seu desejo, ameaçou ela mesma subir numa cadeira e retirá-los. Segundo testemunho, o desejo foi atendido, por conhecerem sua determinação e temerem uma operação tão arriscada na idade dela.


Com a mesma determinação decidiu que queria ser batizada. Foi dando cada passo do processo, até passar pelo Conselho Diretor e ser aprovada pela Assembléia de Membros da Igreja. Nesse processo eu ficava indagando com meus botões: como realizarei este batismo? Ela é muito idosa e pode haver complicações em termos de saúde. Poderia ocorrer problemas ortopédicos, pulmonares, enfim. Pensando nisso, decidi que ela seria batizada por aspersão.


Já sei - dirá um fundamentalista - não existe “batismo por aspersão”, pois, etmologicamente, a palavra batismo quer dizer mergulho. E Paulo, quando se refere ao batismo, usa a imagem do sepultamento (Rom. 6.4; Col.2.12).


Sei muito bem tudo isso. Meu pai converteu-se no presbiterianismo, mas tornou-se batista por entender que a forma neotestamentária do batismo seria a imersão. Então, esse dado foi muito forte em minha trajetória de vida. 
Se não bastasse isso, minha formação cristã se deu numa igreja batista influenciada por missionários batistas do sul dos Estados Unidos, cujo discurso trazia fortes traços do anticatolicismo.  Portanto, forma de batismo era dado extremamente relevante. Chegava a ser argumento para distinguir uma igreja "bíblica" de outra não "bíblica", claro, pra mostrar a superioridade "bíblica" da que fazíamos parte.


Mas cresci, ganhei asas, desenvolvi meu senso crítico, ampliei meu universo de diálogos e leituras e tornei-me um pouco mais autônomo e honesto comigo mesmo. Assim, conquanto mantenha a compreensão da forma mais evidente de batismo no Novo Testamento, entendi que o mundo dos símbolos não é regido por etmologias ou figuras de linguagem; que suas razões têm vida própria; que símbolos podem fazer parte da cultura de uma coletividade, mas  só é efetivamente relevante quando está integrado ao mundo significativo da individualidade.


Por ter aprendido, desde a minha Profissão de Fé para o batismo, em fevereiro de 1968, que batismo não salva; que batismo é símbolo; que o verdadeiro batismo é o efetuado pelo Espírito Santo no ato da entrega da vida a Cristo, decidi que dona Pomposa seria batizada por aspersão.


Foi emocionamente vê-la sendo conduzida para dentro do batistério, bem maquiada, com um largo sorriso no rosto, declarando sua fé em Jesus, ouvindo: “como ministro do evangelho, devidamente autorizado por esta igreja, eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, amém” e, em vez de ser mergulhada, receber um punhado de água sobre a cabeça e ouvir a igreja inteira aplaudir, ratificando tão belo testemunho de fé.


Foi o primeiro em centenas de batismos já realizados. Continuarei seguindo a compreensão da imersão. Não tenho nenhuma inclinação para ser apologeta da aspersão, nem, muito menos, intenção de dar ao assunto relevância além do que efetivamente merece, pois, parafraseando Paulo: De nada vale ser batizado ou não. O que importa é ser uma nova criação.(Gal. 6.15)

Quando o amor adoece

por Daniel Rocha*


Fomos criados por Deus para o amor. Uma pessoa verdadeiramente autêntica é alguém que não bloqueou o amor de Deus em sua vida. Nela, há plenitude, há alegria, há compreensão, há aceitação de si mesma e do outro. E ali não existe o medo, que tantas limitações traz, pois o verdadeiro amor lança fora o temor (1Jo 4.18).

Entretanto, como tudo aquilo que é verdadeiro e sadio é susceptível de se tornar falso e enfermiço, o amor também pode adoecer. Quando encontramos alguma pessoa “difícil” pela frente, não significa que ela não tenha amor – ela tem, mas o seu amor está adoecido. O que é o orgulho, senão o excesso de amor-próprio que não consegue olhar o outro? O que é o ressentimento senão o amor que se recusa a perdoar? Que é a baixa auto-estima senão o amor que perdeu a capacidade de aceitar-se com todas as suas limitações?

Paulo nos ensina que um amor sadio não é orgulhoso, não se ensoberbece, não arde em ciúmes, é capaz de esperar, é gentil, é terno.... Mas quando esse amor adoece, desenvolve-se no seu lugar, um amor-vampiro, que suga o outro, que cobra, que exige, que sufoca, que nos faz pesados e pesarosos.

Quando o amor adoece não nos aceitamos como somos, a despeito de todas as coisas boas que Deus nos dá, e desenvolvemos interiormente a raiva ou a tristeza, porque não somos ou mais altos, ou mais bonitos, ou mais capazes, ou mais ricos, ou mais talentosos. Há sempre um descontentamento advindo de dificuldades de não apenas dar, mas também de receber – e chega-se ao ponto de “estragar” aquilo que foi recebido de bom.

Quando o amor adoece não aceitamos a liberdade do outro, mas vivemos para manipular as pessoas, mantê-las aprisionadas, fazer joguinhos, fazer cobranças. O amor adoecido é sempre controlador e manipulador, pois lhe dá vertigens imaginar que o outro possa ser livre e...... voar. Por isso “engaiola-se” o objeto amado, que passa a ser objeto por não se poder vê-lo como ser humano, livre que é. E para quem está enfermado é preferível um pássaro triste na gaiola – cujas barras chamamos de cuidado ou de proteção – que apreciá-lo em sua liberdade. Normalmente, pessoas dominadoras vivem atormentadas pelo medo de perder o controle sobre o amado.

Igrejas adoecidas querem “espreitar a liberdade que temos em Cristo Jesus e reduzir-nos à escravidão” (Gl 2.4), sim, porque o amor enfermiço é dominador, subjuga, acorrenta, manieta, encarcera, e liberdade é uma palavra que só rima com amor de verdade.

Quando o amor adoece reagimos mal às críticas, há sempre ímpetos de atacar ferozmente quem nos bloqueia o caminho, explodimos com quem tem culpa e com quem não tem. Isso acontece porque o amor adoentado não tem autocrítica, não tem coragem de se ver como é, e se porventura alguém lhe chama a atenção – mesmo em amor – isso será quase sempre visto como um ataque pessoal.

Quando o nosso amor adoece, questionamos o amor de quem nos ama, o medo da perda é recorrente, a dúvida e a insegurança tomam conta de cada pensamento. Compreende-se daí porque cada vez mais crentes exigem tanto seus direitos a Deus – é porque não têm confiança no amor do Pai, e faz-se necessário a todo o momento “lembrá-Lo” para que atente para nossos direitos.

Quando o amor adoece vivemos mal, louvamos mal, adoramos mal e torna-se impossível a comunhão com Deus e com os irmãos. Enquanto não percebermos isso, e não buscamos a cura, jamais saberemos o que é ter uma alma apaziguada que aprendeu a descansar no amor.

Em nome de um amor adoecido, perde-se a dignidade, desconfia-se, agride-se, mata-se e deixa-se de viver . Certamente essa é uma forma distorcida de vivenciar o amor e esse quadro mostra a nossa fragilidade quando estamos enfermos da alma.

Começamos a sarar quando nos rendemos a Deus e paramos de tentar manipular pessoas, quando aceitamos a nós mesmos sem medo de enfrentar o que temos de mais mesquinho, quando abrimos mão de controlar o outro e de controlar as situações. O verdadeiro amor traz descanso e não culpa, traz perdão e não ressentimento, o verdadeiro amor liberta as pessoas, e não engaiola. Quem ama sadiamente tem dignidade, tem tranqüilidade para enfrentar os reveses e não teme a solidão, pois está bem acompanhado interiormente.

*pastor da Igreja Metodista em Itaberaba, S.Paulo e Psicólogo. dadaro@uol.com.br

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Política regida por valores do Reino de Deus



Política é algo inerente à natureza humana. Fazemos política na cama e fora dela, do acordar ao dormir. As formas como ela é feita são de natureza cultural, mas a razão para fazê-la está escrita em nosso DNA.
Fazemos política porque, embora autônomos, somos interdependentes. Por sermos individuais, dotados de sentidos próprios, percebemos a realidade individualmente; por sermos interdependentes, necessitamos negociar tudo que nos afeta e nos interessa mutuamente.
Pensamos e sentimos individualmente, mas o que pensamos e sentimos, quando expresso, repercute coletivamente. Tudo o que cada um faz afeta outrem, e o todo afeta a vida de cada um. Por isso, é profundamente empobrecedor pensar política pragmaticamente, sem considerar a construção cultural de valores que norteiam sentimentos e pensamentos.
O médico Lucas (LC. 22.24-34) narra um episódio no qual discípulos de Jesus, movidos por valores e sentimentos obscuros, disputavam entre si quem seria o maior entre eles. Jesus interfere no debate, esclarecendo que há dois tipos de política: a vigente, na qual os reis dominam sobre pessoas e por elas são servidos (25) e a do Reino de Deus – representada por ele -, na qual quem quer governar deve ser movido primeiramente pela disposição de servir (26).




Segundo Jesus, os que optam por segui-lo, adotando a política do servir (em vez de ser servido), caminham em comunhão, em paz (28-30); os que adotam a política dominante de servir-se dos outros, vão pra peneira de Satanás, onde experimentam a separação, a divisão e o conflito doentios (31).
Jesus orou pelo fortalecimento da fidelidade de Pedro (32), a fim de que, experimentando a conversão (32) na maneira de encarar a relação com o outro, em vez de contribuir para o enfraquecimento e divisão, se tornasse instrumento de fortalecimento e unidade do grupo.
Pedro declara-se disposto a seguir a (política de) Jesus, a ser preso e até morrer para estar à mesa com ele e não na peneira de Satanás (33), mas é percebido pelo mestre como alguém cujo discurso não encontraria ressonância na prática (34). Seu discurso de abnegação seria derrubado antes “do galo cantar” (34).
O que nossa prática diz sobre o que tem norteado nossa caminhada política? Na equação das questões mais simples do cotidiano ou nas funções institucionais mais importantes que ocupamos, somos regidos pela disputa por ser servido ou pela disposição de servir? Estamos preparados para nos assentarmos à mesa com Jesus ou para sermos peneirados por Satanás?

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Saudade

Sinto saudade de não sei bem o que
O sentimento chega não sei de onde
Vai crescendo
Vai tomando conta
Vai dominando
E dominado fico me perguntando:
Saudade de quem?
Do que?
De quando?
De onde?

Sinto saudade por que parti?
Sim, parti tantas vezes,
De tantas pessoas,
De tantos lugares,
De tantos sentimentos
Que foram ficando pra trás
Mas nem tanto.
E, como nossa sombra,
Ora aumenta,
Ora diminui,
Ora desaparece,
E novamente aparece,
E melancolicamente floresce

Sinto saudade por que perdi?
Sim, perdi o afeto de pessoas de quem gostava
Que partiram para muito longe
Que partiram mesmo estando perto
Que partiram, sem ter partido
Mas a lembrança insiste em trazer à tona
Momentos de risos espontâneos
De abraços apertados
De lágrimas solidárias
De conversas demoradas
Cuja ausência produz um abismo
Profundo
Escuro
Doloroso

Sinto saudade de não sei bem o que.
O sentimento chega não sei de onde
Sinto saudade porque parti
Sinto saudade porque perdi
E vou curtindo
E vou sentindo
E vou pensando
E vou chorando
E vou seguindo
E vou vivendo
E esperando
E revivendo
E revive
E revi
E re
E...
(Copyright @, 2010 Edvar Gimenes de Oliveira)

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

A caminhada do CECOM


Nesses quase 6 anos anos de pastorado da IBG tenho presidido o Conselho de Administração do Centro Comunitário Batista Clériston Andrade, seguindo norma criada há mais de 15 anos.

A existência do Conselho não é uma exigência legal, segundo o Código Civil Brasileiro (Artigos 53 a 61), nem a definição de quem deve presidi-lo, uma imposição estatutária. Entretanto, em termos político-administrativos, sua existência e a maneira como tem funcionado tem se demonstrado saudável.

Conquanto convidado, não me lembro de ter participado, nesses últimos anos, de nenhuma das reuniões da diretoria, nem mesmo interferido em qualquer processo sem ter sido convidado. Mas tenho sido informado do seu desenvolvimento pelos dirigentes, via e-mail, em contatos individuais e nas reuniões do Conselho  e cooperado naquilo que minha participação ajuda na potencialização da instituição.

Fico feliz porque nesses dois últimos anos o Cecom firmou convênio com o Tribunal de Justiça da Bahia, com o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e foi reeleito para mais um mandato neste conselho (7 membros dentre milhares de instituições); teve renovado seu certificado pelo Conselho Nacional de Assistência Social e seu reconhecimento de Utilidade Pública Estadual pelo governo da Bahia, além do seu funcionamento ser atestado pelo Ministério Público Estadual.

Fico feliz porque nesse período todas as causas trabalhistas foram regularizadas, um psicólogo de tempo integral foi contratado, além do trabalho de assessoramento técnico da assistência social na formulação dos projetos

Fico feliz, também, porque nessa semana foi assinado, finalmente, o contrato que garante o início do Projeto Comunidade Musical, bem como pelo Projeto Dagba Díjo (Crescer Juntos, de capoeira) que juntos beneficiarão 70 crianças da Escola (publica) Madre Judite, impactando 210 pessoas da mesma família. Isso sem falar que o Cecom serviu de intermediador entre esta escola e o Banco Santander para parcerias na área social.

Fico feliz em ver voluntários, da igreja e de fora, investindo tempo em atividades relevantes para o funcionamento do Cecom e para vida de empobrecidos que nos procuram, bem como pela cooperação da IBG nos projetos “Sua nota é um show” e “Também de pão vive o homem”.

Fico feliz em ver os grupos de artesãos, de mães, de pintura, de biodança e terceira idade em pleno funcionamento; em ver as congregações, especialmente do Vale do Ogunjá, sendo atendidas pelo serviço social; a Unidade de Saúde desenvolvendo suas atividades de rotina e a juventude envolvida na Feira de Saúde e Cidadania tão bem organizada e articulada.

Fico feliz, finalmente, quando participo do desenvolvimento do projeto de reformas patrimoniais que terão início nas próximas semanas e permitirão o desenvolvimento do ministério esportivo e de lazer comunitário, o funcionamento da biblioteca e núcleo de inclusão digital e, a partir deles, uma série imensa de outras ações.

Agradeço a Deus pela vida dos que tiveram a visão de aqui estabelecer o Cecom e dos que têm lutado pela superação dos revezes naturais ao desenvolvimento de qualquer instituição do seu porte. Que Deus envie ainda mais obreiros para sua seara que encarem o ser humano de maneira integral e ajudem na restauração de sua imagem divina em todas as dimensões da vida.

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

O Estilo Gerencial do Administrador



Toda profissão tem um estilo gerencial próprio. Ela depende das necessidades da profissão e de seus valores.
Muitos engenheiros, por exemplo, são perfeccionistas. Perfeccionismo é uma necessidade, ou um valor que muitos engenheiros possuem. O trabalho tem que ser bem feito, custe o que custar.

Por outro lado, advogados são detalhistas. São capazes de gastar horas em uma cláusula de contrato que provavelmente nunca será necessária. O trabalho é demorado, mas quando pronto o contrato cobrirá todos os detalhes e todas as incertezas do futuro. É isto que define um contrato bem feito.

Ambas as profissões administram suas vidas sob estilos gerenciais diferentes, definidos pelos seus valores e necessidades.
Por isto, todas as profissões entram em conflito com a profissão do administrador. Elas acham, incorretamente que o estilo gerencial do administrador é conflitante ou então desnecessário.

Por isto, tantas profissões, empresários e governadores não valorizam o administrador, porque não acham que nosso estilo administrativo seja superior, muito pelo contrário, “vocês não entendem nada de engenharia e advocacia”.
Pergunte a um engenheiro, advogado ou psicólogo qual é o estilo gerencial do administrador, e eles provavelmente também usariam um único adjetivo.
Provavelmente nos definiriam de “imediatistas”, preocupados com lucros de curto prazo, como Paul Krugman e seus colegas não param de escrever no New York Times.

Administradores, segundo a visão popular, querem tudo para “ontem”, vivem dizendo que “o ótimo é o inimigo do bom”, que precisamos mais de “acabativa” e não de iniciativa.
A maioria dos administradores, infelizmente, não consegue provar a sua utilidade nem sabe explicar exatamente o que faz. Por isto, eles não ganham o que merecem, por isto não são valorizados.
Muitos acham que administrar é liderar, executar, coordenar. Isto está até escrito em inúmeros livros de Administração adotados pelas nossas Faculdades de Administração. Uma tristeza!

Vou apresentar uma das funções básicas do administrador, e que define em linhas gerais o seu estilo, e que surpreendentemente muitos administradores sequer ouviram falar nas grandes escolas de Administração como FGV, Insper, Ibmec e USP.
Basicamente, a função do administrador é não permitir que  problemas se acumulem.

Uma organização complexa, que é a empresa moderna, requer a cooperação de milhares de pessoas, dentro e fora da empresa. E, esta cooperação gera inúmeros problemas que se não forem solucionados a tempo afetarão todos os parceiros envolvidos na empresa.

Não permitir que problemas se acumulem talvez seja a tarefa mais importante para o bom andamento de toda família, empresa e nação.
Quando o mundo era gerido por açougueiros, padeiros e fábricas de alfinetes, como observou na época  Adam Smith, de fato não havia muitos problemas “acumulados”, e nem havia necessidade para se contratar administradores. Tudo funcionava pela Mão Invisível do mercado, não pela "Mão Visível" do administrador, como apontaria 200 anos depois  seu livro com este mesmo título Alfred Chandler.
Hoje, o mundo é bem mais complexo e rápido, razão pela demanda crescente de profissionais em administração.

Toda empresa e nação precisa de um corpo de profissionais treinado e dedicado a resolver os problemas de forma rápida.
Não somos imediatistas como muitos acreditam, nós simplesmente estamos evitando que problemas se acumulem um atrás do outro, e nestes casos rapidez de raciocínio e ação são essenciais.  
Por isto, nós nos preocupamos tanto com acompanhamento, qualidade total, processos, auditoria, recursos humanos, etc.
Infelizmente, não é assim que a maioria dos intelectuais brasileiros que ocuparam tantos cargos de destaques neste país pensam.

Toda a filosofia de ensino, pelo menos a partir do iluminismo e cientificismo, é voltada para resolver problemas corretamente, até a segunda casa decimal. Rapidez, só no vestibular.
Todos os dados precisam ser precisos e rechecados. Todas as variáveis precisam ser “controladas”. O ser humano precisa estar “absolutamente certo”, o refrão do programa "O Céu é o Limite".

Quando se acusa o PSDB de ficar sempre em cima do muro, na realidade se comete uma injustiça. Eles não evitam decidir ou tomar partido, na realidade seus intelectuais são simplesmente mais demorados na tomada de decisão, como todo intelectual.
Só que resolver problemas corretamente hoje em dia não é suficiente. Eles precisam ser resolvidos rapidamente, algo que nossos formadores de opinião, jornalistas e acadêmicos simplesmente não compreendem.
Temos que tomar decisões com os dados que temos, não com os dados que gostaríamos de ter.

O Brasil é um país atrasado porque estamos eternamente acumulando problemas.
É tão óbvia esta constatação que espanta que nossa opinião pública, nossos intelectuais e professores de história nunca perceberam esta simples verdade da história brasileira.
Quando se diz que precisamos fazer a Reforma Política, a Reforma Tributária, a Reforma Judiciária, o que queremos dizer é que deixamos tantos problemas se acumularem nestas áreas que somente uma ampla reforma resolverá o problema.
Se tivéssemos resolvido os problemas na medida que surgiram, o Brasil teria evoluído, teria caminhado para um sistema ótimo, em vez de termos que criar revoluções e enormes reformas de tempos em tempos, que no fundo nos atrasam ainda mais.
Temos problemas no judiciário, na previdência, na logística, na infraestruturua, na educação, na economia, simplesmente porque não temos um estilo gerencial que se preocupa com a rápida solução de problemas. E problemas que se acumulam crescem exponencialmente, não linearmente, como todo administrador sabe por experiência.  

Quatro entre cinco empresas quebram no Brasil, porque são geridas por profissões que não percebem que problemas não podem se acumular. Aí, qualquer crise ou evento fora do comum, as abate.
Nenhuma empresa quebra por uma única razão, nenhum avião cai por causa de um único problema. Estas quatro empresas quebram a um custo de capital monstruoso para o país, por falta de um estilo gerencial apropriado.

O Brasil não poupa o suficiente para crescer; e pior, torramos 80% desta poupança em empresas que irão quebrar em quatro anos.
Eu não diria, e nunca disse, que o estilo gerencial do administrador é superior ao do engenheiro, do advogado ou do economista.
Infelizmente, estas profissões se sentem ameaçadas pelos administradores, à toa. 

Não queremos comandar, gerir, tomar o lugar de ninguém.
Quero deixar claro para todo empresário, sociólogo, economista e político que possa se sentir ameaçado, que o estilo do administrador não é superior.
Ele é simplesmente necessário

Não podemos permitir que nossos problemas se acumulem simplesmente porque cada profissão acha que seu estilo gerencial é superior.
Nós administradores aceitamos que engenheiros sejam perfeccionistas, que advogados sejam detalhistas, que economistas queiram dados precisos, mas tudo isto tem de ser adequado para não atrapalhar os outros dentro da empresa ou do governo.
Não podemos ficar esperando enquanto os outros seguem seus estilos individuais.

Engenheiros, advogados e economistas precisam entender que seus estilos gerenciais são superiores e apropriados, quando se trabalha sozinho, mas quando se trabalha em grupo é necessário conciliar.  
Trabalhando em grupo, um simples atraso numa reunião atrapalha os outros, imaginem um problema que  não foi solucionado por anos a fio.

Quando vejo acusarem administradores e empresários de “imediatistas”, que pensamos somente no curto prazo, percebo que estas pessoas nada entendem das funções do administrador, de crescimento, de justiça social, de democracia e de um mundo feliz cheio de realizações, porque tudo é feito na velocidade necessária.
Se você está cansado de um país estagnado, que cresce aquém de suas possibilidades, que acumula pobreza, corrupção, injustiça e inúmeros problemas, converse mais com um administrador. Ele o ajudará a decidir e implantar suas ideias muito mais rapidamente do que você vem fazendo até hoje.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Você sabe o que é política?

por Paulo Ghiraldelli Jr.


Dizia meu avô que a política é “a arte de engolir sapos”. Nem a ciência política nem a filosofia política conseguiram uma melhor definição. Podemos comer rãs. Os que são diferentes de mim, os carnívoros, podem achar a carne da rã saborosa. Mas, sapo, nem pensar, ele é venenoso. Portanto, “a arte de engolir sapos” não é fácil. Pode-se, com ela, ficar intoxicado rapidamente e morrer. Desse modo, a definição que meu avô gostava já dizia tudo sobre a política, ou seja, é uma arte perigosa, letal. Meu avô, ele próprio, experimentou essa definição. Ele morreu na política e exatamente por ter engolido sapo.

Dizem que a política e a guerra em tempos de paz. Pode ser. Pois, como a guerra, ela também mata. Ela exige aquilo que nós, os bípedes sem penas, achamos que é da nossa natureza, ou seja, a paciência e a conversação a fim que aquilo que se quer alcançar seja negociado, administrado estrategicamente e, então, obtido com o menor número de desgaste energético possível. Tudo isso parece ameno. Mas não é. A política é a brutalidade da paz. Mesmo quem convence e vence acaba pagando um preço, engole seus sapos e, portanto, nunca tem uma vitória absoluta. Um pouco de toxinas sempre são absorvidas. Elas podem ser acumuladas de vitória em vitória e, um dia, aquele que só venceu na política, morre dela. Morre de tanto vencer. A política é “a arte de engolir sapos” não só para um lado, mas para todos os lados envolvidos no que se está disputando.

O que se quer na política é o poder. O poder substantivo e o poder verbo. Encaminhar o bom governo de uma sociedade – eis a política. Mas, no desenvolver desse bom governo, ou seja, no comando do poder que implica no poder fazer, tudo tem seu jogo de forças, sua negociação, suas idas e vindas. Engole-se sapo de todos os lados. Às vezes todos os lados engolem tanto sapo que o poder fica vazio, ninguém entre os disputantes sobra para abraçar o poder e exercer o poder. Todos perecem intoxicados de veneno de sapo por todos os poros. Morrem.

Meu avô entrou em uma negociação política. Seu grupo havia perdido as eleições de sua cidade. Os novos mandatários, uma vez na prefeitura da cidade, queriam o comando do hospital municipal. No hospital havia os médicos que há muito tempo lá estavam, verdadeiros heróis. Iriam perder suas clínicas dentro do hospital. Meu avô entrou na negociação política, intermediando os desejos vindos de vencedores e vencidos. Esteve lá, entre o novo prefeito e os médicos. Mas ele próprio havia sido vencido. Sua condição de negociador, eternamente posta na cidade como um trunfo da própria cidade, estava enfraquecida. Ainda assim ele comandou a negociação. No meio da reunião, ele teve uma hérnia estourada. Segurou a hérnia com a mão e procurou suportar a dor. Manteve-se ali na reunião, até o final, seis horas depois. Conseguiu seu intento na negociação, mas, no dia seguinte, morreu de enfarto. O sapo foi grande demais. Pagou com vida aquela eleição de 1975 para 1976.

A política é a barbárie civilizada. É a guerra brutal em tempos de paz. 

Pensar politicamente é, portanto, pensar em como guerrear sem dar tiros e, sim, empurrando sapos goela abaixo do adversário que, enfim, é visto como aquele que quer o poder substantivo e o poder verbo de modo absoluto. Ao mesmo tempo, nessa batalha, o que se deve fazer é saber engolir sapos de modo a poder cuspi-los quando o veneno acusar perigo. Mas, isso é difícil.

Não há vencedores na política, quando observamos os contendores imediatos. Vence na política os que usufruem dos benefícios do poder fazer após o bom governo se efetivar. Vence o grupo maior, o terceiro grupo que é, enfim, a população, que recebe os benefícios da administração da cidade, o bom governo. Os envolvidos diretamente com a conquista do poder substantivo a fim de empurrar as coisas por meio do poder verbo, não vencem nunca. Dos dois lados, os envolvidos diretamente, só perdem. Pois não se faz o outro engolir sapos sem também engolir a sua quantidade. Ao final, os dois lados estão envenenados. A política é a guerra da paz, a guerra lenta, surda. É o consumo dos sapos que vão soltando os seus venenos pelo estômago e pelo intestino, contaminando todos os corpos dos contendores. Sapos são altamente venenosos.

Pensar politicamente é pensar em função de ter o poder substantivo para ficar com o poder verbo. É pensar em como engolir menos sapos do que aqueles que se pode fazer o adversário engolir. Todo grande político sabe muito bem que a política é isso. Portanto, todo grande político sabe que não sairá vivo da política. Eis a razão pela qual a política e a guerra se casam, uma é a extensão da outra. A diferença é que na guerra morrem os que não fazem política, enquanto na política sofrem todos, às vezes, mas morrer, mesmo, só os políticos. Não há grande político que não saiba que ele irá perder a vida, cedo ou tarde, por conta dos sapos.

Só escapa de engolir sapos, entre os grandes políticos, aquele que, em determinado momento, opta pela guerra, ou a guerra do outro ou a sua própria guerra. Esse político morre na guerra. Ele toma a morte nas mãos, opta por morrer com data marcada. Os que optam só pela política, morrem sem saber quando vão morrer, pois os sapos não dizem exatamente quando a taxa de veneno será a fatal.
A política é a negociação associada ao pensamento estratégico em função do governo da cidade que, enfim, deve ser o bom governo. 
 
Portanto, pensar politicamente é pensar em termos de como encaminhar melhor uma negociação para que, ao final, tudo culmine no bom governo. O alvo é o poder substantivo e o poder verbo.

Pensar politicamente é pensar a negociação como um dispêndio de energia inevitável. É a morte inevitável. Pois essa energia é calculada pelo número de sapos que é possível de ser ingerido e, também, pelo número de sapos que se pode fazer o outro ingerir em um determinado espaço de tempo. A política é “a arte de engolir sapo” porque ela é a atividade da contrariedade. Quem não pode ser contrariado não pode pensar politicamente e não pode fazer política – não deve. A política só cai como luva para aqueles cujas mãos são do tamanho das luvas, ou seja, para quem se ajusta no tempo e no espaço para engolir sapos. Quem tem estômago fraco, não faz política.

Quando que alguém não pensa politicamente? Quando alguém faz política sem pensar politicamente? Quando se quer o poder substantivo em função de ser ter o poder verbo sem querer engolir sapo. Pensar politicamente é pensar com a garganta. É necessário saber engolir sapo e saber expelir. É necessário saber o que se suporta de contrariedade, se há como fazer o adversário engolir mais sapos ainda e ter uma boa visão do quanto ele suportará isso. Quem sabe isso, já está na metade do caminho de ser exímio engolidor de sapos, grande fazedor de política, hábil na capacidade de pensar politicamente.

Pensar sociologicamente é pensar a partir da perspectiva da sociedade. Pensar filosoficamente é pensar a partir da perspectiva da razão. Pensar politicamente é pensar a partir da racionalidade instrumental associada ao tanto de sapo que se pode colocar no estômago. Pensar politicamente não é pensar pacienciosamente. É pensar pacienciosamente quando se tem de pensar pacienciosamente. Mas é ser intempestivo quando se tem de sê-lo. Ou seja, a política é arte – arte de engolir sapos. Não é engolir sapos, simplesmente. É a arte de assim fazer. Não se trata de tragar para dentro tudo que é sapo. Trata-se de pegar os sapos e abrir espaço para que adversários também venha a engolir os seus. A política é um toma-lá-da-cá – de sapos!

O jogo de “dar e fornecer razões” tem a ver com as justificativas que estão no âmbito da filosofia e da sociologia. O jogo de “dar e fornecer razões” não pertence à política. Na política troca-se o jogo, pois tudo gira em torno de sonegar razões e dar não-razões quando se tem força para tal, ou seja, quando se pode fazer o outro engolir o sapo.  
 
Pensar politicamente, nesse caso, é saber entrar em um jogo de forças não para estourar com ele, mas para ficar nele. O melhor político é o que pensa politicamente, ou seja, o que fica no jogo político porque seu pensamento se desenvolve naturalmente no tempo desse jogo que, para outro, seria sufocante. Entra-se nisso para ficar. O que pensa politicamente nunca pensa em sair do jogo. Não poderia mais viver sem o veneno que consome diariamente, vindo dos sapos. Quem pensa politicamente está sempre viciado na política. Pois, antes de matar, o veneno vicia. O veneno do sapo é um tipo de droga. Pode ser uma droga alucinógena.

A alucinação que essa droga provoca é necessária, pois é a alucinação de que podemos nos entender na obtenção do bom governo. Sem essa alucinação, somos bem piores.

© 2010 Paulo Ghiraldelli Jr. filósofo, escritor e professor da UFRRJ