3 diferentes leituras da narrativa da páscoa
São múltiplas as possibilidades de leitura e aplicação da narrativa da páscoa cristã, principal acontecimento dessa tradição de fé. Da teologia à política passando pela psicologia, por exemplo, ela é pedagogicamente rica e seus significados fortalecem nossa caminhada neste planeta.
Na leitura teológica, predomina Jesus, o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo. A linguagem é uma analogia aos rituais de animais praticados em diversas religiões, inclusive na judaica, cujo derramamento de sangue era feito em favor da purificação de pecados. A crucificação de Jesus e o sangue derramado no madeiro põe fim à necessidade de rituais religiosos em favor da comunhão humana com o divino.
A ênfase nessa leitura é ao Cristo de Deus e sua aplicação se dirige predominantemente aos benefícios individuais da fé no sacrifício de Jesus. Tal fé produz alívio à alma das culpas produzidas pelos pecados individuais e possibilita ao que crê aguardar confiante pela salvação eterna no céu.
A leitura política enfatiza o Jesus histórico, sua relação com os poderes estabelecidos e as consequências das posições que assumiu frente aos sistemas políticos que sustentavam o religioso estado vigente à época.
A postura crítica de Jesus ao principal partido religioso de então – os fariseus – e o confronto dos valores que a denominação religiosa abraçava, dos costumes que defendia, com os valores do Reino de Deus, resultaram na crucificação do homem de Nazaré. O argumento da força teria vencido a força do argumento.
Essa compreensão é pouco ou quase nunca destacada, não porque seja difícil de ser entendida ou porque não tenha realmente algo a ver com a realidade dos acontecimentos, mas porque relacionar a vida de Jesus, suas atitudes, palavras e ações, com o desfecho na cruz do Calvário, em seu aspecto político, tem a capacidade de gerar tensão profunda e constante entre igreja e sociedade.
É muito mais confortável, seja para igreja, seja para os seus dirigentes, desvincular os efeitos da vida de Jesus da realidade que os cerca e vincular seu ministério exclusivamente a um porvir glorioso, do que experimentar cotidianamente o dissabor de confrontar os valores que norteiam o funcionamento dos sistemas – políticos, econômicos, educacionais, religiosos, de saúde, segurança, transportes, etc - que sustentam a vida presente da coletividade e os benefícios que eles – os valores vigentes - trazem aos que conduzem tais sistemas.
A leitura psicológica enfatiza a vitória da vida sobre a morte, alimenta a esperança humana diante dos desafios de todas as naturezas que se apresentam à caminhada neste mundo, revigorando nossas forças e alimentando nossa criatividade em busca perseverante de soluções que nos ajudem a não desistir de viver.
O cotidiano da vida neste lugar impõe desafios de toda ordem. Viver o aqui e agora implica enfrentar todo tipo de adversidade. Muita vez o sofrimento é tal que a esperança se esvai, o sentido desaparece. Nesse contexto, a narrativa do sofrimento, morte e ressurreição de Jesus reacende a chama que anima a alma e o desejo de continuar vivendo, movido pela fé de que, por mais difíceis que sejam as lutas, a vitória está reservada.
Há aqueles que se relacionam com o texto de maneira positivista e acreditam que somente uma verdade pode ser relacionada aos acontecimentos narrados. Há outros cuja relacão com o texto é de natureza estritamente pedagógica, para os quais o importante seriam as lições que podem ser tiradas e ensinadas em favor da vida. Alguém poderia perguntar: qual seria a leitura correta da narrativa da páscoa?
Pessoalmente entendo que todas as leituras são benéficas e se complementam, pois as Escrituras nas quais a história de Jesus – portanto a narrativa da páscoa - está inserida demonstram de maneira clara que o amor de Deus é por sua criação em todas as dimensões e todos que buscam viver em comunhão com o criador, personificado em Jesus, hão de entender que a vida de Jesus, do nascimento à ressurreição, são uma estrondosa manifestação de vida, de esperança, sem exclusão de qualquer de suas dimensões.
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