Perfis inadequados, experiências vitoriosas
Estive falando recentemente em um retiro
estadual de pastores sobre assuntos relacionados a chamado, missão, vocação,
necessidades, enfim, e, nesse meio, a questão do perfil foi ventilada.
Depois disso, pus-me a pensar e lembrei-me de
conversas que tive com casais que se conheceram através de sites de namoro na
internet. Uns se deram bem e estão casados até hoje; outros, nem tanto.
Uma dessas pessoas – cujo casamento não deu
certo - me dizia que o processo, via site, incluía responder determinadas
questões sobre si. O sistema “entenderia” qual seria seu perfil, cruzaria as
informações com as de outras pessoas que também estavam em busca de alguém e
encontraria a pessoa adequada ao seu perfil. Encontraram-se, casaram-se, mas
não foram bem sucedidas.
Perfis e construção de acordos
Como ponto de partida, nada contra. Porém,
relacionamento humano não é fórmula matemática. Pelo contrário, um mais um
precisa ser igual a um ainda que tudo que caracterize cada um seja de
dois. E, para dois conviverem juntos, o
acordo é essencial, como bem indagou o profeta Amós: “andarão dois juntos se
não estiverem de acordo?”
Andar juntos, independente do perfil, sempre exige
acordo e acordo se constrói cotidianamente a partir da vasta e diversificada realidade
e não de fantasias, teorias ou hipóteses.
Os perfis podem ser parecidos, mas a
realidade nos impõe a necessidade de lidarmos com situações tão diferentes que
precisamos encontrar maneiras de transformar limão em limonada, mediante
contínua abertura para o diálogo.
Os perfis podem ser muito diferentes, mas é
possível aprender a conviver de maneira saudável, como John Drescher procurou
ensinar em seu livro “Os opostos se atraem” (a tradução literal do título, a
meu ver mais adequada ao propósito do livro, seria “Quando os opostos se
atraem”).
A relatividade dos perfis
Depois que estudei “A Janela Johari” (criada por Joseph Luft e Harrington Ingham, em
1955), entendi que descrever um perfil é mais desafiador do que se pensa. Isso
porque, como eles defendem, há elementos em nossa personalidade que: 1) são
conhecidos por nós e desconhecidos por terceiros; 2) são conhecidos por
terceiros e desconhecidos por nós; 3) são desconhecidos por nós e por
terceiros; 4) são conhecidos por nós e por terceiros.
Isso significa
que quando defino meu perfil, o faço com base no que conheço de mim. Preciso
estar ciente, então, que eu mesmo não conheço tudo que me identifica, que me caracteriza.
O mesmo acontece
quando alguém vai definir o perfil de terceiros. Ele deve ter ciência de que o
faz com base em vivências com o outro, num tempo e espaço específico ou com
base em informações da percepção de outros que também ocorreu num determinado
contexto e, por isso, não pode ser – a experiência – congelada, muito menos
absolutizada.
Perfis como trilha, não trilho
Assim, conquanto
seja importante o esforço da definição do perfil, seja na escolha de um
parceiro conjugal, seja na escolha de uma atividade profissional ou ainda na
escolha de um profissional para trabalhar conosco, é essencial a consciência de
que surpresas agradáveis e desagradáveis são inevitáveis e de que, por isso, identificação
de perfil sempre deve ser entendida como trilha, não trilho.
Traço essencial
a ser identificado no perfil de alguém é a capacidade de lidar com a
inexperiência que sempre nos alcançará em algum ponto, bem como manifestações
de predisposição para fazer escolhas visando transformar adversidades em
situação favorável aos interesses dos que caminham juntos.
Perfis, passado e futuro
Vale salientar que um perfil é fruto de dados
passados que apontam comportamentos passados. Como não somos seres mecânicos, tanto
a caminhada produz mudanças, quanto as reações podem não ser iguais a
anteriores, dependendo das variáveis presentes.
Por isso, na identificação de um perfil deve-se
lembrar que quando o traçamos, o fazemos pensando em uma realidade conhecida. Porém,
realidades desconhecidas borbulham aos milhares em nosso dia a dia, fazendo
florescer reações surpreendentes – positivas ou negativas - em todo ser humano
e empreendimentos por ele criados.
Perfis inadequados, experiências vitoriosas
Ressalto, finalmente, ser comum aceitarmos ou
rejeitarmos um desafio baseado no perfil que traçamos de nós mesmos ou traçado
por alguém, mas, pelas razões expostas, isso não significa necessariamente segurança
de sucesso ou fracasso. Há fatores que, a despeito do perfil histórico
identificado corretamente ou não, podem produzir resultados diferentes em cada
situação. Pensemos nos casos que seguem:
1. O caso Moisés (Ex. 3 e 4)
Moisés teve um chamado de Deus para uma missão. Porém, em vez de considerar quem o chamava e lhe dava a missão, comparou-se
com Faraó, aquele que liderava um projeto contrário ao plano de Deus.
Não bastasse isso, Moisés via-se como alguém que não
falava bem. Conquanto Deus se apresentasse a ele como o todo poderoso criador
“da fala”, ainda assim ele pediu que Deus enviasse outro. Deus irou-se, mas
providenciou um porta-voz. Problema solucionado.
Além das dificuldades que declarou acreditar ter,
demonstrou também perfil inadequado para administrar o processo de julgamento dos
problemas do povo. Era concentrador e isso era ruim para ele e para o povo.
Deus, porém, usou seu sogro Jetro para ensinar-lhe a estratégia de dividir o
povo em grupos e escolher “dentre todo o povo homens capazes, tementes a Deus,
dignos de confiança e inimigos de ganho desonesto” (Ex. 18). Problema
solucionado.
De um homem que se percebia com um perfil inadequado e
demonstrou, por vezes, falta de habilidade, Moisés tornou-se uma referência de
liderança que ultrapassou barreiras geográficas e temporais, por ter cumprido com
sucesso sua missão.
2. O caso Gideão (Juizes 6)
Gideão era agricultor e
estava focado em produzir e proteger sua produção dos midianitas. Estava
insatisfeito, lamentava a situação e sentia-se abandonado por Deus. Foi
desafiado a enfrentar o inimigo, mas demonstrou baixa auto-estima. Sua
insegurança era tal que, mesmo tendo recebido a promessa da companhia de Deus,
pediu sinais que ratificassem que Deus estaria mesmo com ele.
Seguindo a orientação
divina, executou uma estratégia que priorizou a qualidade e não a quantidade de
guerreiros; organizou um exército com menos de 1% da mão de obra disponível e
alcançou sucesso na empreitada.
3. O caso Amós (Amós 1 e 7)
Era agropecuarista, teve uma
visão da realidade sócio-religiosa-ético-espiritual, sentiu-se chamado a
denunciá-la, foi visto como conspirador político e desafiado a deixar Israel.
Diante disso, ratificou seu
perfil de criador de ovelhas e cultivador de figos, porém, diante do chamado e
da visão dados por Deus, enfrentou o desafio e cumpriu sua missão.
4. O caso Davi (I Samuel 16 e 17)
Saul sentia-se atormentado e
seus funcionários recomendaram musicoterapia. Davi atendia ao perfil de músico
e como tal foi contratado. Conquistou o rei por outras qualidades que tinha e,
de “musicoterapeuta”, passou a ser escudeiro de Saul.
Seu
irmão, Eliabe, definiu seu perfil como presunçoso e de coração mau. Saul, por
sua vez, ao saber que ele estava interessado em enfrentar Golias, definiu seu
perfil como “sem condições de lutar contra este filisteu”, pois era apenas um
rapaz.
A
percepção, entretanto, que Davi tinha de si, com base em enfrentamento de ursos
e leões era diferente. Sentia-se habilitado à missão de derrotar Golias. Saul
aceitou o argumento de Davi, mas, ainda assim, quis enquadrá-lo numa armadura.
A armadura era adequada aos olhos de Saul, mas inadequada ao perfil de Davi.
A
seu modo, Davi enfrentou Golias e venceu.
O que aprendemos desses casos?
a)
Podemos ser bem sucedidos em uma missão apesar
do perfil que traçamos de nós mesmos;
b)
Não devemos nos deixar influenciar e, muito
menos, abater, pelo perfil que as pessoas traçam para nós;
c)
A falta de perfil adequado – reconhecido por
nós ou por terceiros – não significa que sejamos incapazes de cumprir uma
missão que Deus nos dá;
d)
Podemos até cometer falhas pontuais no
desenvolvimento da missão, mas no conjunto da obra somos vitoriosos quando,
apesar do perfil, nos abrimos ao agir de Deus;.
e)
A abertura para o agir de Deus em nossa vida faz
total diferença no cumprimento de uma missão.
1 comentários:
Maravilhoso me sinto por esse estudo que o pastor tem feito durante muito tempo. Que o senhor Jesus continue lhe abençoando, e darei mais tempo na leitura dos seus artigos. Abraço!
Postar um comentário