quarta-feira, 17 de janeiro de 2018

Perfis inadequados, experiências vitoriosas


Estive falando recentemente em um retiro estadual de pastores sobre assuntos relacionados a chamado, missão, vocação, necessidades, enfim, e, nesse meio, a questão do perfil foi ventilada.

Depois disso, pus-me a pensar e lembrei-me de conversas que tive com casais que se conheceram através de sites de namoro na internet. Uns se deram bem e estão casados até hoje; outros, nem tanto.

Uma dessas pessoas – cujo casamento não deu certo - me dizia que o processo, via site, incluía responder determinadas questões sobre si. O sistema “entenderia” qual seria seu perfil, cruzaria as informações com as de outras pessoas que também estavam em busca de alguém e encontraria a pessoa adequada ao seu perfil. Encontraram-se, casaram-se, mas não foram bem sucedidas.

Perfis e construção de acordos

Como ponto de partida, nada contra. Porém, relacionamento humano não é fórmula matemática. Pelo contrário, um mais um precisa ser igual a um ainda que tudo que caracterize cada um seja de dois.  E, para dois conviverem juntos, o acordo é essencial, como bem indagou o profeta Amós: “andarão dois juntos se não estiverem de acordo?”

Andar juntos, independente do perfil, sempre exige acordo e acordo se constrói cotidianamente a partir da vasta e diversificada realidade e não de fantasias, teorias ou hipóteses.

Os perfis podem ser parecidos, mas a realidade nos impõe a necessidade de lidarmos com situações tão diferentes que precisamos encontrar maneiras de transformar limão em limonada, mediante contínua abertura para o diálogo.

Os perfis podem ser muito diferentes, mas é possível aprender a conviver de maneira saudável, como John Drescher procurou ensinar em seu livro “Os opostos se atraem” (a tradução literal do título, a meu ver mais adequada ao propósito do livro, seria “Quando os opostos se atraem”).

 

A relatividade dos perfis

 

Depois que estudei “A Janela Johari” (criada por Joseph Luft e Harrington Ingham, em 1955), entendi que descrever um perfil é mais desafiador do que se pensa. Isso porque, como eles defendem, há elementos em nossa personalidade que: 1) são conhecidos por nós e desconhecidos por terceiros; 2) são conhecidos por terceiros e desconhecidos por nós; 3) são desconhecidos por nós e por terceiros; 4) são conhecidos por nós e por terceiros.

 

Isso significa que quando defino meu perfil, o faço com base no que conheço de mim. Preciso estar ciente, então, que eu mesmo não conheço tudo que me identifica, que me caracteriza.

 

O mesmo acontece quando alguém vai definir o perfil de terceiros. Ele deve ter ciência de que o faz com base em vivências com o outro, num tempo e espaço específico ou com base em informações da percepção de outros que também ocorreu num determinado contexto e, por isso, não pode ser – a experiência – congelada, muito menos absolutizada.

 

Perfis como trilha, não trilho

 

Assim, conquanto seja importante o esforço da definição do perfil, seja na escolha de um parceiro conjugal, seja na escolha de uma atividade profissional ou ainda na escolha de um profissional para trabalhar conosco, é essencial a consciência de que surpresas agradáveis e desagradáveis são inevitáveis e de que, por isso, identificação de perfil sempre deve ser entendida como trilha, não trilho.

 

Traço essencial a ser identificado no perfil de alguém é a capacidade de lidar com a inexperiência que sempre nos alcançará em algum ponto, bem como manifestações de predisposição para fazer escolhas visando transformar adversidades em situação favorável aos interesses dos que caminham juntos.

 

Perfis, passado e futuro

 

Vale salientar que um perfil é fruto de dados passados que apontam comportamentos passados. Como não somos seres mecânicos, tanto a caminhada produz mudanças, quanto as reações podem não ser iguais a anteriores, dependendo das variáveis presentes.

 

Por isso, na identificação de um perfil deve-se lembrar que quando o traçamos, o fazemos pensando em uma realidade conhecida. Porém, realidades desconhecidas borbulham aos milhares em nosso dia a dia, fazendo florescer reações surpreendentes – positivas ou negativas - em todo ser humano e empreendimentos por ele criados.



Perfis inadequados, experiências vitoriosas

Ressalto, finalmente, ser comum aceitarmos ou rejeitarmos um desafio baseado no perfil que traçamos de nós mesmos ou traçado por alguém, mas, pelas razões expostas, isso não significa necessariamente segurança de sucesso ou fracasso. Há fatores que, a despeito do perfil histórico identificado corretamente ou não, podem produzir resultados diferentes em cada situação. Pensemos nos casos que seguem:

1.    O caso Moisés (Ex. 3 e 4)

Moisés teve um chamado de Deus para uma missão. Porém, em vez de considerar quem o chamava e lhe dava a missão, comparou-se com Faraó, aquele que liderava um projeto contrário ao plano de Deus.

Não bastasse isso, Moisés via-se como alguém que não falava bem. Conquanto Deus se apresentasse a ele como o todo poderoso criador “da fala”, ainda assim ele pediu que Deus enviasse outro. Deus irou-se, mas providenciou um porta-voz. Problema solucionado.

Além das dificuldades que declarou acreditar ter, demonstrou também perfil inadequado para administrar o processo de julgamento dos problemas do povo. Era concentrador e isso era ruim para ele e para o povo. Deus, porém, usou seu sogro Jetro para ensinar-lhe a estratégia de dividir o povo em grupos e escolher “dentre todo o povo homens capazes, tementes a Deus, dignos de confiança e inimigos de ganho desonesto” (Ex. 18). Problema solucionado.

De um homem que se percebia com um perfil inadequado e demonstrou, por vezes, falta de habilidade, Moisés tornou-se uma referência de liderança que ultrapassou barreiras geográficas e temporais, por ter cumprido com sucesso sua missão.

2.    O caso Gideão (Juizes 6)

Gideão era agricultor e estava focado em produzir e proteger sua produção dos midianitas. Estava insatisfeito, lamentava a situação e sentia-se abandonado por Deus. Foi desafiado a enfrentar o inimigo, mas demonstrou baixa auto-estima. Sua insegurança era tal que, mesmo tendo recebido a promessa da companhia de Deus, pediu sinais que ratificassem que Deus estaria mesmo com ele.

Seguindo a orientação divina, executou uma estratégia que priorizou a qualidade e não a quantidade de guerreiros; organizou um exército com menos de 1% da mão de obra disponível e alcançou sucesso na empreitada.

3.    O caso Amós (Amós 1 e 7)

Era agropecuarista, teve uma visão da realidade sócio-religiosa-ético-espiritual, sentiu-se chamado a denunciá-la, foi visto como conspirador político e desafiado a deixar Israel.
Diante disso, ratificou seu perfil de criador de ovelhas e cultivador de figos, porém, diante do chamado e da visão dados por Deus, enfrentou o desafio e cumpriu sua missão.

4.    O caso Davi (I Samuel 16 e 17)

Saul sentia-se atormentado e seus funcionários recomendaram musicoterapia. Davi atendia ao perfil de músico e como tal foi contratado. Conquistou o rei por outras qualidades que tinha e, de “musicoterapeuta”, passou a ser escudeiro de Saul.

Seu irmão, Eliabe, definiu seu perfil como presunçoso e de coração mau. Saul, por sua vez, ao saber que ele estava interessado em enfrentar Golias, definiu seu perfil como “sem condições de lutar contra este filisteu”, pois era apenas um rapaz.

A percepção, entretanto, que Davi tinha de si, com base em enfrentamento de ursos e leões era diferente. Sentia-se habilitado à missão de derrotar Golias. Saul aceitou o argumento de Davi, mas, ainda assim, quis enquadrá-lo numa armadura. A armadura era adequada aos olhos de Saul, mas inadequada ao perfil de Davi.

A seu modo, Davi enfrentou Golias e venceu.

O que aprendemos desses casos?

a)    Podemos ser bem sucedidos em uma missão apesar do perfil que traçamos de nós mesmos;
b)    Não devemos nos deixar influenciar e, muito menos, abater, pelo perfil que as pessoas traçam para nós;
c)    A falta de perfil adequado – reconhecido por nós ou por terceiros – não significa que sejamos incapazes de cumprir uma missão que Deus nos dá;
d)    Podemos até cometer falhas pontuais no desenvolvimento da missão, mas no conjunto da obra somos vitoriosos quando, apesar do perfil, nos abrimos ao agir de Deus;.
e)    A abertura para o agir de Deus em nossa vida faz total diferença no cumprimento de uma missão.

1 comentários:

Anônimo 12 de fevereiro de 2018 às 18:40  

Maravilhoso me sinto por esse estudo que o pastor tem feito durante muito tempo. Que o senhor Jesus continue lhe abençoando, e darei mais tempo na leitura dos seus artigos. Abraço!