sábado, 6 de junho de 2009

Sou batista, sim senhora! (Parte II)

Se a senhora ainda tem dúvidas, deixe-me dizer mais algumas coisas.
Rio quando ouço alguém falar que precisamos uniformizar a identidade batista. Pra mim, quem diz isso, ou não conhece história ou não sabe o que é identidade.

Os batistas surgiram a partir de um movimento chamado Puritano, na Inglaterra. Desde o início nunca existiu identidade uniforme, até porque isso contrariaria algumas das razões do seu surgimento, como por exemplo, a busca pelo respeito à liberdade de culto, de pensamento e ao sacerdócio individual de cada crente, à luz de uma autoridade superior à do Rei da Inglaterra – chefe de Estado e da Igreja - que seriam os textos bíblicos canonizados pela Igreja.

Qualquer pessoa minimamente bem informada e intencionada já concluiria, pelas bandeiras levantadas, que não havia somente uma identidade batista. Os batistas se caracterizariam, ao longo de sua história, pela defesa da liberdade do individuo e de igrejas locais autônomas, soberanas e democráticas.

Estudos posteriores de tais igrejas identificaram seis ou sete princípios comuns a elas. Tais princípios receberam nomes como, por exemplo, Senhorio de Cristo, Autoridade das Escrituras, Separação entre Igreja e Estado, mas até mesmo a compreensão, definição e o discurso sobre cada um de tais princípios não é uniforme. Daí a existência de batistas “tradicionais”, “renovados”, “bíblicos”, “regulares”, “do sétimo dia”, “fundamentalistas”, “independentes”, “reformados”, "pós-pentecostal" e por ai vai, cada um declarando sua identidade como sendo original e verdadeira.
Identidade é algo extremamente individual. Jamais poderia haver uniformidade. O que existe é pacto político. As convenções batistas se sustentam em pacto político. Não discuto aqui a importância de outros elementos, inclusive místicos, mas a própria palavra convenção é inerentemente política. A necessidade de se convencionar algo pressupõe o reconhecimento de que há diferenças e que, a despeito delas, acordos podem ser estabelecidos e objetivos alcançados de forma cooperativa.

O que desestrutura uma convenção de igrejas batistas não são as diferenças encontradas nas igrejas que dela participam ou de indivíduos que representam tais igrejas em seus fóruns deliberativos, mas a incapacidade de reconhecer que a caminhada cooperativa é fruto de pacto político, norteado por valores e princípios espirituais que precisam ser preservados.

Nenhum individuo possui qualquer documento comprobatório de que Deus o autorizou a falar em seu nome. Quem tem juízo admite que no exercício de nossa liberdade de interpretar as Escrituras, expor e defender nossas conclusões, jamais se pode afirmar que o resultado retrata de maneira absoluta a vontade de Deus. Tanto isso é verdade que cada ponto da Declaração Doutrinária da CBB foi votado e, quando não houve consenso, prevaleceu o desejo da maioria dos votantes.

Isso confirma nossa natureza política e a necessidade de pacto. Se convenção é fruto de pacto político, a capacidade de reflexão, a abertura para negociação e a definição de agenda mínima são elementos essenciais à manutenção do sistema.

A cooperação tende a se fragilizar quando: 1) a agenda de cooperação não é clara ou é demasiadamente ampla, 2) os princípios norteadores se multiplicam em quantidade e nível de detalhamento, 3) a administração do sistema não é transparente e 4) os participantes, especialmente líderes, começam a agir com autoritarismo numa demonstração de má-fé ou incompetência para pensar criticamente e reconhecer as diferenças individuais como parte da natureza humana.

Observe, portanto, senhora, a importância do investimento em educação, para se manter um sistema cooperativo. Uma convenção que não estimula a reflexão séria está se condenando a fragmentar-se por gerar participantes incapazes de reconhecer que somos diferentes, que percebemos as coisas de maneira diferente, mas que é possível caminharmos juntos se definirmos e enfatizarmos os pontos que nos unem e os objetivos que desejamos alcançar.
Perceba, senhora, que usei a expressão “reconhecer”. Ninguém reconhece o que não conhece. Ninguém conhece o que não estuda. Ninguém estuda adequadamente se seus professores inibem o senso crítico e desestimulam a liberdade de pensamento. Nenhum professor estimula a liberdade de pensamento e o senso crítico se depende economicamente do sistema pra sobreviver e se os líderes do sistema com o qual coopera se posicionam contra tal liberdade (claro que a liberdade de cátedra deve ser exercida com ética, com seriedade). Nenhum sistema garante a liberdade se não houver indivíduos que lutem pela manutenção deste direito. E assim se forma o circulo.

Sim, Senhora, sou batista. Nasci e me criei dentro deste sistema. Estudei para trabalhar neste sistema, reconheço que não é a única alternativa de sistema, mas não tenho a pretensão de criar outro. Estou convencido de que criar outro é, de certa forma, uma demonstração da minha própria incompetência e fragilidade de conviver com o diferente.
Além disso, um “novo” sistema enfrentaria, mais cedo ou mais tarde, seus próprios problemas. Mas respeito quem pensa diferente. Compreendo aquelas que se cansaram de lutar e resolveram abandonar o convívio denominacional ou até começar uma igreja com outra “marca”, num modelo organizacional, administrativo e político diferente.
Um dia desses perguntei a que igreja determinada pessoa pertencia e ela respondeu: sou cristã. E eu me perguntei. O que é ser cristão? Quantas definições há a esse respeito? Quantos livros já foram escritos sobre isso? Quem pode dizer que a sua definição é a certa?
Sim senhora, sou batista. Observo em meu ministério, por convicção, os princípios básicos aceitos pela maioria das igrejas batistas do planeta; reconheço a importância de uma Declaração Doutrinária em face da necessidade de referenciais, mesmo fruto de decisão política; respeito a soberania da igreja local reunida em assembléia, e tenho claro pra mim que o que sustenta a vida espiritual de uma pessoa ou de uma comunidade é uma fé firme na graça de Deus que chegou até nós revelada na pessoa de Jesus Cristo, conforme registro das Escrituras que chamamos de Bíblia. Tudo isso trabalhado na esfera do amor.
A senhora não precisa concordar, mas esse é meu modo de ser batista construído ao longo de quase 52 anos de vida, 26 dos quais como pastor.

2 comentários:

Unknown 21 de junho de 2009 às 11:06  

Aprendi há muito não discutir doutrinas/religiões para evitar desgastes comig! porém é reservado o direito de defesa à todas as razões.

Anônimo 16 de junho de 2013 às 15:45  

PARABÉNS! Abs. Mairim