A propósito de provas e convicções - uma história particular e o caso Tomé
I.
O ano era 1980 ou 1981. Naquela noite de terça-feira, voltava da então Igreja Batista da Rua Imperial, no Recife, onde liderava um estudo bíblico para jovens.
Era mais de 22 horas e pouco depois de passar pelo portão de entrada do campus do Seminário Teológico Batista do Norte do Brasil, vi que estava acontecendo uma partida do campeonato interno de futebol de salão promovido pelo então Grêmio Acadêmico Salomão Ginsburg - GASG quando a energia elëtrica acabou.
Fui direto para o alojamento que ficava ao lado do Edifício de Música, sobre a Biblioteca, hoje salas de aula e gabinetes de professores.
Em alguns minutos uma brincadeira começaria. No escuro, baldes d'água começaram a ser derramados sobre os que voltavam da quadra, quando chegavam ao pé da escada. A partir daí, cada um, das dezenas de alunos que naquele alojamento residiam, usava sua criatividade e ousadia para molhar os demais.
Na manhã seguinte, quando as portas dos quartos se abriram para o café da manhã, o corredor exalava um cheiro insuportável. A irmã Maria José foi fazer a limpeza diária e, impressionada com o mal cheiro, chamou o tesoureiro de então, Edir Félix, pessoa de confiança do Dr. David Mein, Reitor, que estava viajando.
Como deveria, o Reitor foi informado do ocorrido e convocou uma reunião com os alunos, às 22 hs, na récem inaugurada sala Charles Dickson, que fica no térreo do então referido alojamento.
O reitor dirigiu a reunião, os fatos foram narrados, o motivo do mal cheiro foi esclarecido - um balde com objetos orgânicos que iria para o lixo também foi jogado no corredor - e a conversa terminaria com um mini sermão e uma orientação: todos podem voltar para o alojamento, exceto os que participaram da brincadeira.
Os alunos se entreolharam, um a um foram saindo, restando dois ou três na sala. O reitor pegou as folhas que estavam em suas mãos, batendo-as suavemente, na vertical, sobre a mesa, organizando-as e proferiu a sentença: - amanhã, passem pela manhã na reitoria para assinar uma suspensão de quinze dias.
Chocados, clamamos, literalmente, por clemência e justificamos: houve excesso, é verdade, mas não houve dano moral ou material na brincadeira (de mal cheiro, diga-se de passagem, agora!). Como explicaríamos tão dura pena às igrejas que nos enviaram ao seminário e àquelas nas quais trabalhávamos como seminaristas? Além disso, não fomos os únicos a brincar. Dentre os que se retiraram, se não todos, quase todos com certeza, participaram de alguma forma.
Diante do último argumento, ele pediu que chamássemos todos de volta. Um a um foram entrando na sala, ocupando seus lugares e uma nova palavra foi dada: - recebi a informação que outros alunos, além dos que ficaram, participaram da brincadeira (de mal cheiro, acrescento agora). Todos poderão retornar ao alojamento, exceto os que participaram. E acrescentou: aqueles que participaram, mas insistirem em não assumir, serão sempre olhados por seus colegas como mentirosos. (Naquela época não havia o instituto da delação premiada).
Meia dúzia ficaram na sala, portanto dobrou o número dos que assumiram, mas, dentre os que deixaram o rescinto, alguns ainda assim não tiveram coragem de assumir.
Contra esses não tínhamos provas, mas tínhamos convicção. Por isso, mesmo não participando da condenação institucional que viria, estariam condenados como mentirosos e covardes por aqueles que, repito, não tinham provas, mas tinham convicção.
O diálogo com o reitor continuou, a pena foi negociada e abrandada e, ao final, ficou estabelecido que assinaríamos uma carta de reconhecimento dos excessos cometidos, a qual ficaria por 15 dias afixada no mural oficial da reitoria, nomcorredor pincipal. E assim foi.
Comigo guardo até hoje a cópia original da carta-sentença e as lições de uma brincadeira de mal cheiro. Mais do que isso, nesses dias de Operação "Lavajato", reafirmo a lição de que, se juridicamente, convicções sem provas, podem não resultar em condenação, certamente, em termos ético-relacionais, convicões, em que pese as cautelas necessárias, continuam tendo sua importância.
II.
Jesus, provas e convicções
“Tomé, chamado Dídimo, um dos Doze, não estava com os discípulos quando Jesus apareceu. Os outros discípulos lhe disseram: “Vimos o Senhor!” Mas ele lhes disse: “Se eu não vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei”.
Uma semana mais tarde, os seus discípulos estavam outra vez ali, e Tomé com eles. Apesar de estarem trancadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: “Paz seja com vocês!”
E Jesus disse a Tomé: “Coloque o seu dedo aqui; veja as minhas mãos. Estenda a mão e coloque-a no meu lado. Pare de duvidar e creia”. Disse-lhe Tomé: “Senhor meu e Deus meu!”
Então Jesus lhe disse: “Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram”.” (João 20:24-29)
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