domingo, 10 de maio de 2009

Casamento: O princípio da cumplicidade

"Eu quero uma mulher que seja diferente de todas que eu já tive, de todas tão iguais; que seja minha amiga, amante, confidente, a cúmplice de tudo que eu fizer a mais".
(A cúmplice, de Juca Chaves)

Cumplicidade é uma palavra do mundo criminal. Refere-se à participação num crime, seja de forma direta, seja como testemunha que silencia visando não prejudicar o criminoso.

Duas outras importantes palavras estão associadas a ela: conivente e cooperante. A primeira é mais popularmente utilizada num sentido reprovável e significa fingir não ver o mal que o outro pratica. A segunda, ao contrário, é mais usada positivamente e tem a ver com colaboração num projeto ou processo do qual mais de uma pessoa estão envolvidas.

Aplicada ao casamento, ela pode tornar-se fonte de sucesso na vida a dois. Entretanto, para que isso ocorra é fundamental que se tenha profunda clareza de seu significado.

Cada cônjuge traz consigo uma bagagem cultural que inclui crenças e valores. No dia-a-dia do casamento as situações fazem eclodir diferenças existentes entre os dois. Quando tais diferenças acontecem num momento de diálogo que não envolve decisões, a troca de opiniões pode culminar com mudanças ou manutenção no conteúdo do pensamento. O problema é quando uma situação concreta exige posicionamento, definição.

Tomemos, por exemplo, uma situação em que um filho age de maneira errada. A mãe, com suas crenças e valores, dialoga com o filho mostrando-lhe o que ele fez e compara com o que ele deveria ter feito. O parâmetro que define o certo, no caso, seria o que a mãe crê ser o certo. Portanto, a postura correta do filho seria aquela que está em acordo com o que ela compreende ser o modo correto de agir.

Digamos que o pai tenha uma crença diferente da mãe. Como ele deveria agir diante do filho corrigido? Aqui está uma causa comum de conflito no casamento.

Se o princípio da cumplicidade for o norte da relação, a divergência seria primeiramente equacionada entre o casal para depois ser comunicada ao filho. Porém, não havendo cumplicidade o pai contraria a mãe perante o filho causando tanto o enfraquecimento da autoridade dela, quanto uma confusão na cabeça da criança.

O mesmo problema pode ocorrer perante parentes, amigos, colegas de trabalho ou irmãos na fé. Quando há divergência de atitudes, palavras ou ações, em vez de expor o cônjuge ao descrédito, a cumplicidade se manifesta na ação de procurar-se primeiramente ouvi-lo e, equacionada a diferença, formalizar a posição.

Escrever isso é fácil, porém, geralmente a equação de tais diferenças vem carregada de emoção, cegando nossa capacidade de refletir e agir.

A postura de corregedor adotada por um dos cônjuges dificulta o desenvolvimento da cumplicidade. Por acreditar que suas crenças e valores são as melhores ou mais certas, o corregedor sempre tenta corrigir ou outro em caso de divergência. A ausência de diálogo visando afinar posturas e de humildade para rever valores anula a cumplicidade.

A expressão "uma só carne" como algo que acontece no ato da legalização da relação ou da consumação sexual é um mito. Seremos eternamente unidades autônomas. É um equívoco acreditar que no ato conjugal ocorre uma fundição de dois seres, transformando-os em um só. As diferenças sempre existirão e eclodirão na caminhada.

Nesse caso, a cumplicidade reconhece a individualidade do outro e a necessidade de abertura eterna para o diálogo, visando produzir harmonia. Não há harmonia nem cumplicidade, mas castração, quando, em vez de diálogo, um impõe e o outro silencia.

Cumplicidade não significa eliminar a possibilidade de cada um manter suas particularidades, nem nos obriga a sermos um livro aberto. A transparência é saudável na relação, mas o grau e o momento de sua aplicação deve ser bem calculado, a fim de não transformá-la numa arma contra o casamento.

Se Paulo defende que a verdade deve ser dita em amor (Ef. 4.15), isso significa que há outras motivações, inclusive maléficas, para dizê-la. Assim, compete a nós administrarmos a motivação, o tempo e a forma de torná-la pública.

O mesmo se dá com a cumplicidade. Seu desenvolvimento deve ser movido pelo respeito mútuo, pela confiança e amor. Sem isso, em vez de arma a favor do fortalecimento, ela "fragiliza" e destrói a relação.

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