Nossos complexos e a leitura da Bíblia
Cá estou eu novamente tocando no assunto Bíblia.
Já percebeu que o tema faz parte de minhas atenções? É que, na minha caminhada pastoral, tenho presenciado não somente os benefícios que a Bíblia traz às pessoas, mas também - e parece crescente - os malefícios. Na verdade não é a Bíblia que produz malefícios, mas nós, seus intérpretes.
Sabendo disso e também que ela é o coração do mundo protestante, quanto mais pudermos refletir sobre a questão, melhor.
Há os que defendem que nossa relação com o texto bíblico deve se dar assim: "Tenho que ir ao texto perguntando: o que o autor disse, histórica e gramaticalmente?" Penso que esta intenção é boa, mas não creio que logremos pleno êxito. Não é necessário ser linguista para entender que a grafia é uma expressão de idéias e sentimentos. Ela é uma ponte que se constrói entre dois lados: o do escritor e o do leitor.
Se, de um lado, o escritor está sempre buscando as melhores palavras, usadas em sua época, para expressar seus pensamentos e sentimentos, do outro, o leitor entende tais palavras com os significados introjetados culturalmente em sua mente.
Assim, quanto mais próximos escritor e leitor estiverem, no tempo e no espaço, maiores são as chances de sucesso na comunicação de tais idéias e sentimentos. Quanto mais se distancia, mais desafiadora a comunicação se torna.
Se entre eles, além da distância de tempo e de espaço houver um código linguísitico diferente (hebraico-grego-português), o desafio é ainda maior. E se agrava ainda mais se além disso houver os famosos copistas, a diversidade de originais e os bons e maus tradutores.
Quanto mais enriquecido for o leitor, em relação à variedade de significado das palavras e mais profundo for seu conhecimento da sua própria língua e da língua do escritor, mais chances ele tem de aproximar-se do sentido que quem escreveu pretendeu dar à palavra.
Você deve estar se perguntando: onde ele quer chegar? Respondo: quero dizer que precisamos ser mais humildes e cuidadosos em nossa relação com a Bíblia, especialmente quando a lemos visando definir referenciais de conduta para a vida alheia.
Uma coisa é a leitura devocional; outra, é a feita visando sistematizar doutrinas.
Essa viajada toda foi porque estou lendo Culpa e Graça, de Paul Tournier e nele encontrei uma pérola relacionada ao assunto que acredito valer a pena compartilhar. Ele faz uma colocação da leitura da Bíblia à partir do perfil psicológico do leitor que merecê nossa atenção
Aproveite!!!
Nossos complexos e a leitura da Bíblia
Paul Tournier, em Culpa e Graça (ABU, 1985, Pg. 51 -52)
"Nossos complexos nos influenciam mesmo na leitura da Bíblia, quando nós procuramos nela inspiração para uma conduta mais livre e mais em harmonia com a vontade de Deus. É como no cinema em três dimensões, onde o espectador usa, para obter uma visão estereoscópica, óculos de duas cores, de tal forma que cada olho só vê uma parte da imagem projetada. Assim, cada um de nós vê na Bíblia o que corresponde às suas idéias preconcebidas e a seus complexos.
O esbanjador prontamente invocará a palavra de Eclesiástes: “lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás” (Ec 11.1) ou a história do maná (Ex.: 16.13-31) que indica claramente que, se Deus dá cada dia a seus filhos o que eles necessitam, ele não lhes permite acumular reservas. Apealará ainda à resposta de Jesus a seus discípulos na casa de Simão, o leproso, quando criticaram uma pobre mulher que, em um rasgo de coração, derramou sobre ele um perfume de grande preço. “Pois este perfume podia ser vendido por muito dinheiro, e dar-se aos pobres”, diziam eles. Jesus se voltou contra este bom raciocínio dos economistas e tomou a defesa daquela que eles julgavam severamente (Mt. 26.6-13)
As pessoas de raciocínio lógico poderão invocar o livro de Provérbios: “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso; considera os seus caminhos e sê sábio... No estio prepara o seu pão, na sega ajunta o seu mantimento” (Pv. 6.6-8) Ou esta palavra de Jesus: “Pois, qual dentre vós, pretendendo construir uma torre, não se assenta primeiro para calcular a despesa e verificar se tem os meios para concluir?” (Lc. 14.28-30). Ou ainda sua estranha parábola do administrador infiel: “Os filhos do mundo são mais hábeis na sua própria geração do que os filhos da luz” (Lc 16.1-13).
Ao enviar os seus discípulos em missão, Jesus lhes disse: “Sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas” (Mt. 10.16). Conforme o seu temperamento, há leitores que guardam somente a primeira dessas duas recomendações, ou só a segunda; apesar de Jesus ter colocado precisamente juntas.
Nós nos arriscamos sempre a ser influenciados por nossas disposições psicológicas na nossa interpretação da Bíblia.
Sabendo disso e também que ela é o coração do mundo protestante, quanto mais pudermos refletir sobre a questão, melhor.
Há os que defendem que nossa relação com o texto bíblico deve se dar assim: "Tenho que ir ao texto perguntando: o que o autor disse, histórica e gramaticalmente?" Penso que esta intenção é boa, mas não creio que logremos pleno êxito. Não é necessário ser linguista para entender que a grafia é uma expressão de idéias e sentimentos. Ela é uma ponte que se constrói entre dois lados: o do escritor e o do leitor.
Se, de um lado, o escritor está sempre buscando as melhores palavras, usadas em sua época, para expressar seus pensamentos e sentimentos, do outro, o leitor entende tais palavras com os significados introjetados culturalmente em sua mente.
Assim, quanto mais próximos escritor e leitor estiverem, no tempo e no espaço, maiores são as chances de sucesso na comunicação de tais idéias e sentimentos. Quanto mais se distancia, mais desafiadora a comunicação se torna.
Se entre eles, além da distância de tempo e de espaço houver um código linguísitico diferente (hebraico-grego-português), o desafio é ainda maior. E se agrava ainda mais se além disso houver os famosos copistas, a diversidade de originais e os bons e maus tradutores.
Quanto mais enriquecido for o leitor, em relação à variedade de significado das palavras e mais profundo for seu conhecimento da sua própria língua e da língua do escritor, mais chances ele tem de aproximar-se do sentido que quem escreveu pretendeu dar à palavra.
Você deve estar se perguntando: onde ele quer chegar? Respondo: quero dizer que precisamos ser mais humildes e cuidadosos em nossa relação com a Bíblia, especialmente quando a lemos visando definir referenciais de conduta para a vida alheia.
Uma coisa é a leitura devocional; outra, é a feita visando sistematizar doutrinas.
Essa viajada toda foi porque estou lendo Culpa e Graça, de Paul Tournier e nele encontrei uma pérola relacionada ao assunto que acredito valer a pena compartilhar. Ele faz uma colocação da leitura da Bíblia à partir do perfil psicológico do leitor que merecê nossa atenção
Aproveite!!!
Nossos complexos e a leitura da Bíblia
Paul Tournier, em Culpa e Graça (ABU, 1985, Pg. 51 -52)
"Nossos complexos nos influenciam mesmo na leitura da Bíblia, quando nós procuramos nela inspiração para uma conduta mais livre e mais em harmonia com a vontade de Deus. É como no cinema em três dimensões, onde o espectador usa, para obter uma visão estereoscópica, óculos de duas cores, de tal forma que cada olho só vê uma parte da imagem projetada. Assim, cada um de nós vê na Bíblia o que corresponde às suas idéias preconcebidas e a seus complexos.
O esbanjador prontamente invocará a palavra de Eclesiástes: “lança o teu pão sobre as águas, porque depois de muitos dias o acharás” (Ec 11.1) ou a história do maná (Ex.: 16.13-31) que indica claramente que, se Deus dá cada dia a seus filhos o que eles necessitam, ele não lhes permite acumular reservas. Apealará ainda à resposta de Jesus a seus discípulos na casa de Simão, o leproso, quando criticaram uma pobre mulher que, em um rasgo de coração, derramou sobre ele um perfume de grande preço. “Pois este perfume podia ser vendido por muito dinheiro, e dar-se aos pobres”, diziam eles. Jesus se voltou contra este bom raciocínio dos economistas e tomou a defesa daquela que eles julgavam severamente (Mt. 26.6-13)
As pessoas de raciocínio lógico poderão invocar o livro de Provérbios: “Vai ter com a formiga, ó preguiçoso; considera os seus caminhos e sê sábio... No estio prepara o seu pão, na sega ajunta o seu mantimento” (Pv. 6.6-8) Ou esta palavra de Jesus: “Pois, qual dentre vós, pretendendo construir uma torre, não se assenta primeiro para calcular a despesa e verificar se tem os meios para concluir?” (Lc. 14.28-30). Ou ainda sua estranha parábola do administrador infiel: “Os filhos do mundo são mais hábeis na sua própria geração do que os filhos da luz” (Lc 16.1-13).
Ao enviar os seus discípulos em missão, Jesus lhes disse: “Sede, portanto, prudentes como as serpentes e símplices como as pombas” (Mt. 10.16). Conforme o seu temperamento, há leitores que guardam somente a primeira dessas duas recomendações, ou só a segunda; apesar de Jesus ter colocado precisamente juntas.
Nós nos arriscamos sempre a ser influenciados por nossas disposições psicológicas na nossa interpretação da Bíblia.
Somos sinceros no desejo de nos conduzir por Deus se pretendemos permanecer os únicos interpretes de sua vontade?
Arriscamo-nos sempre a procurar as passagens que nos dão razão. E, portanto, todos temos a intuição que ela deve sobretudo nos liberar de nossas visões muito estreitas e de nossos automatismos psíquicos.”
Arriscamo-nos sempre a procurar as passagens que nos dão razão. E, portanto, todos temos a intuição que ela deve sobretudo nos liberar de nossas visões muito estreitas e de nossos automatismos psíquicos.”
E você, o que pensa disso?
1 comentários:
Edvar,
Apreciei consideravelmente suas considerações sobre interpretação da Bíblia.
Clara e objetiva.
WM
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