domingo, 10 de maio de 2009

Paulo, machista e conservador?

Paulo tem sido identificado por muitos, como um machista conservador. Essa acusação se deve ao fato de afirmar que as mulheres deveriam ser submissas a seus maridos e que deveriam permanecer em silêncio na igreja. Porém, uma análise do contexto sócio-cultural em que ele estava inserido e do papel da mulher naquela sociedade nos surpreende, tornando a acusação pouco justa.

Em "Jesus e as Estruturas de seu tempo" (E. Morin, Edições Paulinas, 1984) vemos que as mulheres deveriam obedecer aos homens porque a crença era de que Deus deu poder a eles. Geralmente elas eram associadas aos escravos pagãos e crianças. As filhas podiam ser vendidas, como se fazia com escravos. Aos homens era recomendado que orassem agradecendo a Deus por não os terem sido criados como mulheres.

Em termos de educação, a lei não lhes era ensinada, pois isso seria o mesmo que ensinar-lhes a devassidão. Alguns mestres julgavam preferível queimar a Torá (lei) a ensiná-la à mulher. Nas sinagogas elas ocupavam lugares separados dos homens por uma barreira. Em nenhuma hipótese elas tinham acesso aos lugares reservados aos escribas.

No casamento, ainda que não fossem escravas do marido, elas eram posse sua. Cabia a elas não somente prepararem a alimentação dele, mas também lavar suas mãos, pés e rosto, coisas não exigidas de escravos judeus. Em termos de divórcio o direito ao repúdio era quase que exclusivamente do marido.

O testemunho de uma mulher não era válido. As casadas não podiam ser olhadas e nem sequer cumprimentadas pelos homens. Elas não participavam da vida pública e, na cidade ou diante de pessoas importantes, somente poderiam aparecer com véu na cabeça.

Em "Vida Cotidiana nos Tempos Bíblicos" (Merryl C. Tenney, J.I. Packer e William White Jr., Editora Vida, 1984) os autores descrevem a condição da mulher de maneira romântica. Eles não se manifestam sobre a justiça das relações homem-mulher. Pelo contrário, enaltecem as mulheres como virtuosas por agirem como agiam em contexto tão adverso.

A postura desses autores é de simplesmente reproduzir acriticamente o que os registros bíblicos apontam, sem nenhuma reflexão sócio-política. Ao tratar do papel da mulher de forma enaltecedora, seus escritos trazem imbutidos uma ideologia que legitima e alimenta relacionamentos injustos. Suas descrições, entretanto, confirmam a condição inferior das mulheres, mesmo que não tenha sido este o propósito dos escritores.

Agora me responda: se, num contexto como o descrito, em que mulher, escravo e objeto quase se confundem, alguém aparece ensinando que elas deveriam ser amadas, essa postura seria machista e conservadora? Claro que não!

Creio que as palavras de Paulo foram as ¿palavras possíveis¿ para seu tempo e espaço, uma vez que, enquanto o novo ¿ a restauração da graça - estava sendo estabelecido, os efeitos da ruptura com o velho ¿ o legalismo ¿ precisava ser politicamente administrado. Desafiar homens a amarem ¿ e não somente usarem - suas mulheres significava defender uma nova forma de relacionamento. Podia parecer pouco explícito, acanhado até, mas no desenrolar do processo os efeitos seriam revolucionários.

Imagino os conflitos interiores de Paulo, na formulação, apresentação e defesa desse novo comportamento. Compreendendo as perdas que a mudança representaria para os homens, entendo porque ele parece dar dois passos à frente e um para trás. Entendo, também, porque os homens-interpretes de hoje se apegam mais aos ¿passos para trás¿ do que aos ¿para frente¿ que Paulo deu.

Dois problemas posteriores a Paulo determinam a lentidão nos avanços das relações sociais homem-mulher. O primeiro, de natureza teológica, tem a ver com a canonização e absolutização dos escritos de Paulo. No momento em que a igreja decidiu fechar o Cânon, os avanços nas mudanças foram dificultados pois, aos teólogos, restaram duas alternativas: ou rompiam com a decisão da Igreja se expondo ao risco de serem marginalizados pejorativamente como modernistas, liberais, ou faziam marabalismos linguístico-teológicos com tais textos visando encontrar saídas que desatassem o nó. A maioria absoluta, compreensivamente, continua escolhendo a segunda opção.

O segundo problema é de natureza política. Na agenda de discussões político-doutrinárias da igreja, o tema submissão da mulher aos homens ocupou muito mais espaço nos debates do que o tema amor dos homens por elas. Essa ênfase na submissão e não no amor, retrata a resistência dos homens em aceitar as perdas políticas resultantes da proposta de Paulo.

Vale salientar que quem sempre definiu a agenda de temas a serem debatidos na igreja foram os homens. Quem sempre interpretou e escreveu sobre textos bíblicos foram os homens. Essa condição fez com que eles não somente pudessem escolher o que deveria ser discutido ou não, mas também possibilitou que o que eles pensavam se estabelecesse como verdade. Quantos livros de hermenêutica escritos por mulheres você conhece? Como elas poderiam fazer isso se não podiam, por decisão política dos homens, sequer se matricular numa escola teológica para estudar técnicas de interpretação, linguas originas e temas afins? Como as mulheres poderiam difundir o que pensavam ou sentiam se os púlpitos, por decisão política dos homens, eram espaços masculinos?

Estudando a natureza das relações sociais e como os sistemas são montados, entendemos porque tantas rupturas surgem no seio eclesiástico. É que, quando pessoas que têm uma visão diferente da dominante, perdem a esperança de ver avanços acontecerem, resta-lhes a alternativa do rompimento. Nas rupturas, brechas se abrem e raios de sol penetram nas estruturas escuras e mofadas que sufocam a beleza da vida.

Paulo não foi tão conservador e machista como é acusado. Nós é que somos ao nos calarmos diante de pressupostos teológicos e agendas de debates que nos favorecem e de relações humanas tão injustas.

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