Casamento: o princípio da negociação
O princípio da negociação no casamento deveria ser encarado como caminho óbvio, natural numa relação conjugal. Porém, o tradicional discurso masculino, introjetado culturalmente inclusive em mentes femininas, aponta a submissão unilateral da mulher como elemento necessário à preservação da família. Para isso versículos são isolados de seus contextos e olhos são fechados para fartos indicadores neotestamentários de igualdade na relação.
A ideologia política do tal discurso é que, num processo de divergência decisória na vida conjugal, a posição do marido deve prevalecer, independente da razoabilidade dos argumentos da esposa, pelo simples fato de que haveria uma recomendação ¿bíblica¿ para que a esposa submeta-se unilateralmente ao marido.
Presenciei um exemplo contundente desse discurso contrário ao princípio da negociação. Participando como ouvinte de um encontro de casais num hotel no agreste pernambucano, engoli a seco, para não gerar um mal estar maior, a afirmação da esposa do preletor ¿ de São Paulo, com sobrenome europeu, pra que fique claro que machismo não é privilégio nordestino - que orientava: se seu marido decidir vender aquecedor de ar em Manaus, vá com ele sem discutir.
Com um pouco mais de aplicação e autonomia no estudo da Bíblia ela poderia orientar os homens presentes a serem também humildes e a darem mais ouvido às suas esposas, pois elas, sendo também portadoras de massa cinzenta de boa qualidade e tão interessadas no bem estar da família quanto eles, merecem ser ouvidas com muito mais respeito, especialmente quando a decisão pode afetar negativamente a vida de todos do lar.
O problema é que, justamente pela cultura machista na qual somos criados, a maior parte de nós homens, dentre os quais me incluo, demora para aprender esta verdade ou morrem (às vezes matando antes a alegria do casamento) sem aplicá-la.
E pior: a igreja, que deveria ser agente de libertação de valores preconceituosos, acaba ela mesma tornando-se instrumento de alimentação da escravidão ao estimular a submissão unilateral como modelo ideal de ¿Deus¿ para a vida conjugal.
Ouvi o caso de certo rapaz evangélico, pasmem, que desrespeitava sua mãe e justificava-se ¿em bases bíblicas¿, declarando que homem não deve sujeitar-se à liderança de mulher, portanto, nem mesmo à de sua mãe.
O princípio da negociação faz parte de uma liderança familiar na qual cada cônjuge deve ser humilde pra reconhecer pontos fortes e fracos um do outro e permitir que cada um exerça a liderança nas áreas ou situações em que está mais bem preparado.
A negociação deve estar presente não somente quando o assunto é relação sexual (¿Não se recusem um ao outro, exceto por mútuo consentimento...¿ (I cor. 7.5)), mas em todas as áreas de relacionamentos amorosos, fundamentados no respeito e sujeição mútuos (Ef. 5.21).
Cultivemos e fortaleçamos o principio da negociação no casamento. Ele é a semente que evita que, num processo mais avançado de dominação, as mulheres sejam tratadas como na sociedade afegã. Lá, ¿primeiro elas pertencem ao pai, depois são vendidas ao futuro marido¿ e se os talibãs permanecessem no poder ¿mais um pouco... estariam carregando etiquetas com a indicação de quanto valem: uma jóia, uma vaca ou uma quantia em dinheiro¿. (Asne Seierstad, Revista Veja, Ed. 1973, 13.09.2006). Tudo isso solidamente fundamentado em estruturas sagradas, digo, escrituras sagradas.
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