domingo, 10 de maio de 2009

Contadores de Histórias


Pelo esforço intelectual e diploma alcançado, eles têm reconhecimento e respeito social, mas continuam sendo seres de carne e osso. Os longos anos de estudo lhes dão ar de autoridade, possibilitam técnicas especializadas de pesquisa e linguagem rebuscada, mas continuam susceptíveis às mesmas paixões que cegam ou distorcem a visão de todo mortal. Refiro-me aos Contadores de histórias ou Historiadores ou como alguns preferem, Pesquisadores de história.

Quando um Contador de história toma a decisão de narrar determinado acontecimento jamais é destituído de sentimentos motivadores. Um dos mais pobres seria contar histórias simplesmente para entrar para a história como Contador de histórias. Outros, mais nobres, seriam o desejo de resgatar verdades, de promover justiça, aperfeiçoamento ou de oferecer subsídios para quem quer refletir e influenciar os rumos de seu mundo.

Sendo humanos, eles não são, absolutamente, neutros. Ainda que treinados, suas idiossincrasias influenciam suas narrativas. Se as histórias contadas aconteceram em sua própria época, a neutralidade é comprometida pelo envolvimento político-emocional. Se são de um passado distante, além de reproduzirem a ótica dos autores do material usado, a própria seleção desse material se limita a objetivos pré-estabelecidos. Curiosidade: se gostam dos atores historiados, enche-os de elogios, esconde seus pecados; se não...

Alguns Contadores não diferenciam o fenômeno social chamado história, da simples tentativa de se narrar, linearmente, a cronologia dos acontecimentos. A história como um fenômeno social acontece de forma ¿desordenada¿, num intrincado jogo de relacionamentos marcados por interesses difusos. Já a narrativa é o ponto de vista de alguém que tenta estabelecer uma ordem cronológica, destacando aquilo que interessa a seus olhos, de acordo com o objetivo de seu trabalho.

É relativamente fácil colocar acontecimentos em ordem cronológica, sem considerar quem eram seus atores, em que contexto social seus papéis foram desempenhados e quais interesses estavam em conflito. Esse tipo de narrativa tem seu valor, mas pouca ou nenhuma contribuição dá à compreensão dos acontecimentos e ao aprendizado que conduz as leitoras a uma reflexão e revisão de posicionamentos.

Quem conta um conto pode aumentar um ponto ou mesmo dar um desconto. Tudo depende da inteligência e dos sentimentos motivadores. Por isso, quem lê histórias deve procurar o maior número possível de pontos-de-vista, a fim de que, num exercício de senso crítico, entenda, inclusive, o que estava por detrás daquilo que não foi explicitamente narrado ou o que se diz através do que não se disse. Como história não se faz somente com documentos é fundamental que se saiba algo a respeito de quem os produziu, para qual finalidade e porque foram destacados.

Motivo e finalidade da narrativa determinam a seleção do material. Tomemos a história de Jesus como exemplo. Que quantidade de informações temos sobre sua vida afetiva, educacional, econômica ou de lazer, por exemplo ? Por que o material disponível se refere predominantemente à dimensão espiritual de sua vida? A resposta está na finalidade dos contadores da história. A ênfase, certamente seria outra, se o objetivo não fosse religioso ou se fosse contada pela ótica de seus opositores.

Se o primeiro solo pisado pelos descobridores do Brasil foi Porto Seguro, pelos portugueses, ou Cabo de Santo Agostinho, pelos espanhóis, é outro exemplo. Os interesses político-econômicos atuais falam mais alto, dizem, do que a documentação que comprova a cronologia dos fatos.

Da mesma forma, por que há polêmica entre qual teria sido a primeira igreja batista no Brasil (ou brasileira)? A controvérsia, certamente, não é somente pela verdade cronológica. Há outras motivações que dificilmente seriam verbalizadas. Tais motivações não são, necessariamente, dos Contadores de história, mas daqueles que tirariam proveito da narrativa para demarcar territórios político-econômicos, conquistar prestígio, fazer prevalecer ou negar certa identidade...

No mundo adulto dos Contadores de história, tem ainda a história dos contadores oficiais. Eles existem, geralmente, para enaltecer acontecimentos relacionados a atores aliados, instituições para qual trabalham ou grupo ao qual pertencem. Consequentemente, desvalorizam, omitem ou mesmo denigrem a imagem dos opositores. Cabe aos que têm interesses contrários à história narrada, provar que os fatos não se deram como são oficialmente contados, tarefa nem sempre fácil.

Se contar história é comunicar-se, deve-se considerar, finalmente, o problema da comunicação. Há diferença entre "o que se quer dizer, o que se diz, o que o outro escuta, o que o outro pensa do que escuta, o que o outro diz sobre o que se disse e o que se crê que o outro disse sobre o que se disse" .

Por tudo isso, fique de olho nos Contadores de história, sejam eles o filho narrando a briga com um irmãozinho; o pastor ou ovelha contando sua versão de um conflito eclesiástico; o cônjuge narrando problemas conjugais a um conselheiro; o empregado dando relatório ao patrão; o jornalista fazendo uma reportagem ou mesmo a narrativa do especialista que passou pelos bancos de faculdade de história.

Lembre-se de que nem sempre o Contador de história explicita suas finalidades e motivações e, certamente, sua versão é uma versão. Há outras que podem até ser diametralmente opostas.

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