sexta-feira, 31 de julho de 2009

Deus e o governo dos Estados Unidos (2001)

Circulou a notícia, no triste onze de setembro, que a Força Aérea dos Estados Unidos havia abatido um avião, pilotado por seqüestradores. Nenhum apresentador ou comentarista, sob qualquer razão ético-filosófica, refletiu sobre o valor da vida dos viajantes da aeronave ou sobre a dor que tal ato provocaria em seus familiares e amigos. O ato seria legítimo, afinal, a morte de algumas dezenas de passageiros num lugar deserto seria menos ruim do que a de centenas ou milhares, abrigadas, provavelmente, num símbolo de poder, a Casablanca.

Posteriormente, passou a ser veiculada a versão de que a queda do referido avião não teria se dado por abatimento mas, provavelmente, por um ato heróico de seus passageiros que, percebendo não haver saída, melhor seria arriscarem-se, a permitir a morte de outros. Essa versão predominou e os passageiros passaram a ser aclamados como heróis.

Parece-nos compreensível que o governo dos Estados Unidos poderia ter decidido sobre a vida alheia, abatendo um avião, uma vez que interesses maiores estariam em jogo. No caso do avião seqüestrado, o raciocínio matemático, norteado pela relação custo/benefício, seria inquestionável: perder algumas dezenas de vidas é menos ruim do que perder centenas, além de outros prejuízos. Porém, sequer admitimos pensar que Deus possa agir no mundo regido pela mesma lógica. Mesmo para os que defendem a Bíblia como parâmetro em termos de ética e doutrina teológica, é difícil aceitar, por exemplo, o texto denunciante do profeta Habacuque. Para o profeta, gostemos ou não, Deus teria usado os Caldeus, para punir o povo de Judá. Se o governo dos Estados Unidos é soberano para autorizar a morte de dezenas, visando proteger a vida e os interesses de milhares, não poderia Deus fazer o mesmo, como denunciou Habacuque, para brecar a política egoísta comandada pelos Estados Unidos, que tem levado, diária e silenciosamente, milhões à morte, sem o foco das câmeras de televisão? Será que, por exemplo, a política mortífera do atual governo, de continuar emitindo poluentes nocivos à camada de ozônio ou de não participar dos esforços anti-racismo, está sendo aprovada por Deus? Será que a dor dos que morreram no atentado é maior ou vale mais do que a dor dos que morrem em outras partes da Terra, em face da injustiça social?

É fácil aceitar como ato heróico, o dos passageiros seqüestrados que teriam decidido morrer para evitar danos maiores ao seu país e classificar como ato terrorista, o dos que deram suas vidas em defesa das causas do seu povo. Reconhecemos que há diferenças entre a situação dos “kamikases” e dos passageiros e nem pretendemos aqui, apoiar atos terroristas. Ser contra o terrorismo é um dever ético de todos nós. Porém, o sentimento de ambos não foi diferente. Apenas, enquanto um – os passageiros – não tinha opção melhor, o outro - os kamikases – perderam a confiança nos valores e mecanismos que regem as relações sociais e internacionais e foram ensinados, por sua religião, a crer em galardões celestiais para atos dessa natureza.

Pela influência da cultura cinematográfica importada pela televisão, cresci acreditando que, na colonização da América do Norte, os índios eram “bandidos” e o Exército, “mocinho”. Depois descobri que, nesse caso, classificar como “bandido” ou “mocinho” depende do ponto em que se está, das informações que se tem de cada lado, dos valores que se cultiva e de múltiplas conveniências.

Proclamar uma guerra como sendo do Bem contra o Mal, como fez Bush, é um equívoco. Diante da catástrofe, em vez de apregoar a vingança seria mais coerente com a sua tradição religiosa, fazer uma avaliação de suas políticas, especialmente em relação a outros povos. Reunir-se num templo para homenagear os que morreram, para pedir pelos que estão sofrendo ou orar pela paz é um ato bonito. Porém, a adoção de políticas socialmente justas é muito mais significativo para Deus e para a humanidade.

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