sexta-feira, 31 de julho de 2009

Sucesso sem vida (2003)

Só há uma alternativa à vida sem fracasso: é o sucesso sem vida” (Paul Tillich)

O professor Merval Rosa, muito digno reitor interino do STBNB (vinte anos depois do desejo dominante na comunidade seminarial), disse certa vez, seriamente, sorrindo, que sabia o caminho do sucesso na denominação, mas preferia não trilhar por ele. Ele não nos revelou o caminho, por isso perguntávamos: que caminho seria esse? Hoje, depois de algumas décadas de participação ativa em todos os níveis de decisão, na estrutura denominacional, penso ter descoberto algumas pistas e passo a “recomendá-las” àqueles que almejam sucesso, em detrimento de preciosos valores do Reino de Deus.


1. Abuse da expressão “é/não é bíblico”. Fale de música bíblica, ainda que não existam partituras delas; fale de culto bíblico, ainda que não existam esboços de liturgia na Bíblia; fale de estrutura eclesiástica bíblica, ainda que a igreja de então, em fase embrionária, era mais um movimento. Sempre que precisar combater pensamentos divergentes, especialmente diante de um público evangélico, diga que o pensamento do outro não é – abracadabra! – bíblico. Exagere! Diante dessa expressão, a razão, o senso crítico, dá lugar ao respeito místico por sua pessoa. Assim, além de dominar facilmente os incautos, você passa a imagem de que é espiritual e seu “Ibope” sobe;


2. Nunca dê sinais de que está em dúvida ou de que não sabe. “O diabo é o pai da dúvida” e você, logicamente, não deve ser identificado como filho dele. Além disso, dúvida é sinal de insegurança, fraqueza e pastores, especialmente, devem sempre fazer de conta que são seguros, fortes e imbatíveis;


3. Nos plenários de Assembléias Convencionais, evite aproximar-se do microfone, exceto para manifestar-se sobre o óbvio, sobre temas que não são polêmicos. Se tiver que usar da palavra, perceba primeiro a tendência da maioria e siga com ela! Se não acredita nessa “dica”, passe a observar a postura de alguns “presidenciáveis” bons de urna;


4. Sempre que surgir oportunidade pública, reafirme posturas tradicionais (oriundas de Deus se manifestando como Jesus). Evite sinais de carismatismo (oriundos de Deus se manifestando como Espírito Santo) ou de liberalismo (oriundos de Deus se manifestando como criador);


5. Descubra o que os líderes estão combatendo ou apoiando e entre na luta... ao lado deles. Descubra o que eles pensam, em que crêem e afine-se a eles ou então, faça exatamente o oposto para destacar-se no outro extremo, na esperança de que, um dia, talvez, o povo se canse da situação e resolva dar uma oportunidade à oposição - como ao Presidente Lula - e você chegará ao topo;


6. Não torne público seus pensamentos. Isso cria oposição. Guarde seus pensamentos para si. Ninguém será contra você enquanto não souber o que você pensa;


7. Não inove, exceto no superficial. O senso de conservadorismo é forte e mudanças sempre geram resistências, conflitos e oposições;


8. Não ande sem paletó e gravata, pois eles representam, também, riqueza e poder; é um significativo diferencial em relação à maioria absoluta da população empobrecida, impotente e carente de referenciais “elevados”, “sagrados”, para seguir e perseguir;


9. Passe a impressão de que você é uma pessoa muito ocupada e requisitada. Não perca oportunidade para falar de como sua agenda é cheia; fale de suas viagens, especialmente ao exterior, afinal, se você é muito convidado, você é muito bom! Acumule muitas funções de destaque e não se esqueça de fundamentar essa política pessoal – abracadabra! - biblicamente: “Quem tem, mais será dado...” (Mt. 25.29);


10. Fale de seus feitos. Aproveite todas as oportunidades, públicas ou privadas, para falar das obras grandiosas de suas mãos, fruto de sua brilhante inteligência, perspicácia e capacidade de articulação e mobilização. Alguns lhe escutarão com ouvidos clínicos, percebendo as doenças de sua alma e as incoerências – abracadabra! – bíblicas de suas posturas, mas não se incomode, serão minoria; a maioria fica tão literalmente encantada que sempre aplaudirá, cega, emocionada;


11. Fortaleça seu nome; ele é sua marca; ela é seu maior patrimônio. Repita-o insistentemente. Publique-o dezenas de vezes no Boletim de sua igreja, em jornais... Refira-se a si mesmo como se fosse outra pessoa em sinal de auto-reverência, como o Edson trata o Pelé. Assim você estará criando e alimentando um mito. Se o povo precisa de mitos, por que não, você?;


12. Mesmo que não seja necessário, mesmo que haja vocabulário suficiente, na língua portuguesa, para explicitar seus pensamentos e sentimentos, abuse do vocabulário de outras línguas. Cite o latim, o grego, o hebraico e, sobretudo, o inglês. Isso causa impressão de riqueza cultural;


13. Esqueça que a avaliação de Deus não é como a do homem; que Ele vê o coração; que a Ele prestaremos contas de tudo. Cauterize sua consciência. O importante é ser visto pelos homens, afinal, são eles que decidem tudo, na maioria das vezes, à revelia de Deus. Deus não existe; é apenas uma criação dos poderosos para dominar o povo. Convença-se de que você é Deus!

11 comentários:

Waldir 17 de março de 2011 às 12:52  

Edvar, isso tudo dá náusea, mas é a pura realidade. Parabéns pela fina percepção desse "sucesso" tão buscado por tantos "santos".

Um abraço,

Waldir

Francis Alencar 17 de março de 2011 às 14:07  

Milton Nascimento, em uma de suas canções, diante de uma bela canção que ouvira, disse: "como não foi eu que fiz...".
Pude passear em minhas memórias e vislumbrar alguns personagens denominacionais enquadrados nestas grades descritas. Infelizmente!
Prefiro "perder a vida" a trilhar por estes caminhos.

Obrigado pela percepção
Em Cristo

Matheus Guerra 18 de março de 2011 às 23:48  

Querido pastor,
Muito obrigado por essa aula...
Infelizmente já vejo essa realidade... mesmo tendo ainda poucos anos de caminhada...
Uma pena...
abraços,
Matheus.

Unknown 22 de março de 2011 às 07:51  

Nobre amigo, Edvar.
Conseguiste dizer muito das entranhas institucionais. Parabéns pela profundidade deste texto e da realidade diária deste comportamento macabro de muitos "homens de Deus". Continue pensando: mas escreva e diga. Um abraço forte,

Alfrêdo Oliveira 17 de fevereiro de 2012 às 11:12  

Cada vez que leio este texto, parece que ele acabou de ser escrito - sempre atual.

Adriano Pereira 17 de fevereiro de 2012 às 11:57  

O que eu tenho dito muitas vezes e em muitos lugares é que ao me aproximar dos 69 anos de idade, 49 de crente batista e 40 de pastor batista, chego à conclusão de que o essencial para um cristão viver feliz é praticar o Pai Nosso ensinado por Jesus e aceitar o Credo dos Apóstolos como doutrina fundamental, coisas que aprendi na minha infância.

Abraços a todos!

Pr. Adriano Pereira de Oliveira, Tapiraí, SP.

www.pastordri.zip.net
www.pastordri.blogspot.com

Ana Estevão 17 de fevereiro de 2012 às 12:59  

Certa vez um missionário encontrou-se com Mahatma Gandhi na Índia, e perguntou:
“Senhor Gandhi, sempre cita as palavras do Cristo, por que resiste tão duramente e rejeita tornar-se seu seguidor”?

Ao que respondeu Gandhi: "Ó! Eu não rejeito seu Cristo. Eu amo seu Cristo. Apenas creio que muitos de vocês cristãos são bem diferentes do vosso Cristo".

Na realidade não são muitos cristãos que são diferentes de Cristo, mas o cristianismo como um todo é muito diferente do Cristo. Creio que existem homens que realmente entenderão a Mensagem de Cristo e como Cristo estão por todo mundo disseminando a única mensagem que Cristo deixou: o AMOR.
Fora desta mensagem é falácia de homens gananciosos e desviados da verdade que pensam ser a Mensagem de Cristo sua fonte de lucro.
Ana Estevão

Vitor Sosua 17 de fevereiro de 2012 às 14:21  

Que preciosidade, Edvar! Sinto-me feliz e aliviado porque, mesmo com pouco tempo de caminhada, já trilho passos distantes desse "sucesso"!

Abração!

Fco.Araújo 17 de fevereiro de 2012 às 21:21  

Prezado Edvar. Muito bom o texto. Tenho visto muita gente seguindo esse roteiro. Quem deseja crescer na denominação tem que investir tempo, dinheiro e humildemente se relacionar com os poderosos. Muitos são os chamados, pouco os escolhidos.É lamentável que isso ocorra, mas não tem jeito de mudar. Gondim se rebelou e saiu. Cansou de ser chefiado, agora ele vai ser chefe dele mesmo.Sera? E Você Edvar, escreveu este texto como mero observador ou ele é fruto de sua experiencia pessoal? Afinal vc na Denominação é um pastor de sucesso, inclusive ainda jovem foi orador da Convenção Batista Brasileira e muitos pastores já idosos, que nunca deixaram de ir a esse encontro, nem para oração silenciosa foram convidados, até hoje. Admiro a sua inteligencia, conheço o seu caráter e não estou lhe criticando, afina de contas vc não é inimigo meu. Gostei do artigo pois assim como eu existem muitos colegas desejosos de deixarem a planície para subirem "MONTE DOS ESCOLHIDOS" e dar uns "pitacos santos" prá ver as coisas mudarem para melhor, na nossa Denominação Batista. Com esses 13 passos aquele que tem idade,sabedoria, força de vontade, disciplina e jogo de cintura, poderá alcançar o cume do monte. Obrigado irmão! Valeu!!! Att.FcoAraújo

edvardeoliveira@gmail.com 20 de fevereiro de 2012 às 20:57  

Prezado Colega Francisco,

Obrigado por suas observações.

Publico a seguir, parte de um diálogo travado com um colega que fez observações, via e-mail, sobre o texto, o qual pode responder, pelo menos em parte, suas indagações.

...

Quando me refiro a "sucesso na denominação", faço uso da ironia como instrumento de retórica, objetivando produzir reação, acomodação (no sentido usado por Jean Piaget), desenvolvimento do conhecimento e melhora na qualidade dos motivos e motivações que norteiam nossa caminhada denominacional.

Nesse sentido, uma leitura inversa dos 13 pontos por mim levantados aponta o que seria sucesso com vida, em oposição ao que tenho percebido como "sucesso sem vida" na denominação ( = Conjunto de organizações - igrejas, associações, convenções... - norteadas por princípios comuns que, visualizadas em organograma de círculos concêntricos, incluem desde igrejas locais (no centro) até a Aliança Batista Mundial (na "periferia" mais ampla)).

É "sucesso", porque se é bem-sucedido naquilo que se propõe. É "sem vida" porque, usando as palavras de Harold Kushner ("Quando tudo não é o bastante"), corrói "nosso relacionamento com os outros" e nos leva a "enxergar os outros em função do que podem fazer por nós".

Entendo perfeitamente que ninguém tem o fracasso como objetivo de vida, mas também nem deve visar o sucesso desconsiderando o que seria eticamente saudável.

Lamentavelmente, porém, para cada ponto levantado em meu texto, poderia mencionar "n" casos como exemplos, incluindo as fortíssimas tentações que eu mesmo experimentei nesses 40 anos atuando em cargos ou funções de liderança na denominação, do quais 29 como pastor (e ocasionalmente como executivo e professor), às quais até, talvez, tenha caído, mas não sem tempo de ser levantado e de conscientizar-me de que, se não permanecer vigilante, o abismo mora ao lado.

A denominação pode tornar-se para o pastor, em termos profissionais, o que uma empresa é para o trabalhador: espaço de progressão profissional.

O problema é que, se na empresa, o trabalhador visa promoções para cargos que lhes ofereçam maiores condições financeiras e de reconhecimento, na denominação, por sua natureza e motivação, deveríamos focar no serviço altruísta.

Porém, somos tentados a enxergar nela oportunidade de maior ganho de prestígio, poder, fama e, ainda que em casos excepcionaios, dinheiro, mesmo sacrificando os valores claros na vida daquele que anunciamos como Senhor e Salvador, Jesus.

...

Sempre aberto a considerações,
Abs,

Igreja Batista Central.cbb 22 de fevereiro de 2012 às 15:38  

Meu bom amigo e irmão, meu bom colega Edvar, parabéns por esta e outras percepções, por este e outros entendimentos. É muito óbvio que esta visão arquetipada da nossa federação batista já é por demais antiga para que o conteúdo esboçado tivesse a viscosidade que se nos apresenta. Acredito que saiba muito mais do que mostrou e tem requisitado em seus textos a respeito do assunto. Fato é que não acredito em culpa de pessoas, mas de uma estrutura errônea que nosso passado denominacional providenciou e a vaidade natural, mesmo em salvos, fez manter, já que as decisões nas Assembleias sempre ficam sob os interesses destes que atendem aos itens da sua atual reflexão. Nossa estrutura é má, perversa, baseada no "cada um por si, e Deus por todos"; nossa estrutura se baseia em precisar das igrejas para um pseudo grande trabalho missionário, e promover poder sem resultados aos que chegam e se mantém às Presidências convencionais.

Nossa estrutura tem produzido, ao longo do tempo, uma quebra de identidade e de unidade no nosso meio. Para incharmos nossas bancadas, e os números que tanto fazem bem ao poder exercido pela liderança de sempre, independente de quem sejam, tornou-se necessário imitar, reproduzir, fazer nosso povo ser parecido com todo tipo de gente, de crença, de prática, de tudo que atraia todo tipo de adorador interessado em um tipo de satisfação humanista, pseudo-espiritual; gente que tanto faz estar num culto batista, ou de qualquer outro chamado cristão, evangélico, gospel. Neste ambiente decomposto, aos poucos, mesmo que culpando um ou outro, fomos perdendo o respeito, o "orgulho", a ideia de denominação, nosso patrimônio, nossa Juerp, nossos outros órgãos e entidades, nossa vontade e sonhos; temos perdido tudo, e nossa liderança, por causa disto tudo, está formando uma geração de batistas, pastores e lideranças que não sabem nada sobre o que fomos, o que fizemos, sempre voltados a serem meros reclinadores do que os outros etão fazendo e aparentemente obtendo os resultados que querem e que os fazem grandes mercadores da fé brasileira e mundial.

Nossa estrutura, por consequência, tem vivido uma enorme falta de unidade. Para sermos razoáveis e otimistas, hoje somos capazes de formar, dentro do nosso arraial, umas oito a dez denominações com doutrina, liturgia, prática e convivências diferentes que assustariam, com facilidade, nossa história e nossas conquistas.

Acredito que não adianta descobrirmos nossas falhas, a que chegamos com tanta quebra de identidade e unidade, mas está na hora de mobilizarmo-nos em busca de como mudar estra estrutura estúpida e anti-bíblica, onde não crescemos em função do todo, mas de um ou outro, onde as pessoas são membros da igreja local e não da igreja batista brasileira, mundial. Gente como você e outros muitos que estão por aí, estão mais que na hora de sentar para descobrir soluções, e mesmo que percamos mais da metade dos chamados batistas, voltemos ao que precisamos ser para que tenhamos a alegria e a realização de ainda dizer que somos os batistas de sempre.