Pensando no Dito Cujo (2004)
É final de tarde em ínicio de primavera. O por do sol é cinematográfico no Sul da Flórida. A combinação de vento gelado com o calor do astro-rei provocam uma sensação deliciosa no corpo. Estou envolvido em mais uma caminhada diária e solitária. A presença de muito verde, flores, pássaros e lagos faz com que me sinta no paraiso. E por pensar no paraíso, fui levado a lembrar-me do Dito Cujo. Isso mesmo, aquele que, em forma de serpente, com um bom papo, conquistou Eva (1).
Sem saber quem me fez a pergunta, eis que me pego tentando encontrar a resposta: se era o paraíso, o que ele fazia lá? Afinal, os teólogos do rei sempre ensinaram que o paraiso seria um lugar de paz, onde Deus reina soberano. Então, o que ele fazia lá? De onde surgiu? Entrou sem permissão? Ou será que quem permitu que ele estivesse lá, tinha um propósito? Seria para testar a qualidade do caráter humano?
O danado é que nossa mente reage como um sistema de computação. Uma palavra chama outras similares. Lembrei-me então do profeta Micaias (2) . Sim, exatamente aquele de quem o rei - olha o rei de novo - de Israel não gostava porque suas profecias não lhes eram favoráveis. Diante de toda a pressão que lhe foi imposta, para não desafinar (3) profetizando contra a vontade do Rei, e até para justificar sua posição divergente, ele conta uma história de arrepiar. Diz que Deus, numa reunião com seu exército celestial (4) , decide enviar um espírito mentiroso para enganar o Rei. Ué! A mentira não é filha do Diacho (5)? Pior ainda: será que os fins - a morte de Acabe - justificariam os meios - a mentira?
Como a caminhada era longa e a Bíblia estava na memória, eis que lembrei-me de Jó. Lembrei-me porque foi num destes bate-papos de Deus com o Demo (6) que surgiu a infeliz - pelo menos para Jó - idéia de submeter o homem paciente a um teste de qualidade, tendo como agente nada mais, nada menos que Ele, o famigerado. E com a devida permissão de Deus, Satanás só não pôde tirar a vida de Jó. Jó passou no teste e entrou prá história bíblica como um exemplo de paciência(7) , apesar da inconformação. Ninguém é de ferro!
Se não bastasse isso, fui transportado ao Novo Testamento. E então me recordei que foi o Espírito que conduziu Jesus ao deserto(8) . Conduzido pelo Espírito vamos a qualquer lugar, não é mesmo? Quem não gosta de ser identificado como pessoa cuja vida é conduzida pelo Espírito? Só que dessa vez o Espírito conduziu Jesus para uma situação desagradável. Levou o mestre para ser tentado. Isso mesmo, foi o Espírito quem conduziu Jesus à presença do Capeta. Muito estranho! Fica a impressão de que a idéia que se tinha do Coisa-Ruim nos tempos bíblicos era diferente da construída a partir da Idade Média e que, ainda hoje, prevalece em alguns círculos religiosos. Parece que havia uma crença de que o Cabra da Peste estava a serviço de Deus, muito mais do que imaginamos.
Depois de mais de uma hora ainda me perguntava, afinal por que e para que ele estava lá? E mais: se ele continua ao derredor, bramando, buscando a quem possa tragar (9), por que essa ação lhe seria permitida? Estaria também, nesse caso, a serviço do Criador? Estaria também fazendo o papel de testador?
Pensei em tudo isso. Levantei diversas perguntas, mas não deixei que a falta de respostas me incomodasse por uma razão simples: sujeitar-se a Deus e resistir ao Valente é um remédio infalível(10) . E mais: além de não permitir que sejamos expostos à tentação insuportável, Deus providencia meios para nos libertarmos dela (11).
1. Gênesis 3.1
2. I Reis 22.8
3. I Reis 22.13
4. I Reis 22.19-23
5. João 8.44
6. Jó 1.6-12
7. Tiago 5.11
8. Mateus 4.1
9. I Pedro 5.8
10. Tiago 4.7
11. I Coríntios 10.13
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