Aprendiz de pastor (2004)
Era quinta-feira, 29 de abril. Estava me sentindo entristecido. Encontrei o carteiro ao chegar em meu apartamento, conversamos um pouco e ele entregou-me uma correspondência registrada. Ao abrí-la, sentei-me em minha cama e ri. Era meu certificado de Especialização em Ministério Pastoral, acompanhado do Histórico Escolar do Curso de Mestrado em Teologia do Seminário do Norte. O histórico apontava que meu aproveitamento, considerando-se a soma das notas obtidas, representava 92,5% da pontuação possível nas disciplinas das quais participei. Mas não recebi o título de Mestre por não ter entregue a dissertação final. A mudança de país e suas implicações tornaram impraticável o cumprimento do prazo acordado.
Você deve estar se perguntando: que relação teria tristeza, risada e um título de especialista? Tentarei explicar.
Durante mais de vinte anos de ministério, nunca parei de estudar. Quando não estava envolvido em algum curso oficial, me envolvia em cursos de curta duração, palestras, conferências, seminários ou em leituras que me ajudassem a fazer melhor aquilo a que me propunha. Pastoreei duas maravilhosas igrejas e dirigi um colégio batista. Atuei em praticamente todos os níveis da estrutura denominacional, sem precisar me oferecer ou fazer campanhas. Nunca precisei correr atrás de emprego. Convites sempre surgiram, inclusive comerciais, em contextos que me permitiam decidir aceitar ou não, sem pressões.
A última igreja na qual fui pastor – Emanuel em Boa Viagem, Recife, por duas vezes – é o que chamaria de igreja completa. Estrutura física próxima do desejável, estrutura organizacional flexível ao desenvolvimento ministerial, liderança qualificada e comprometida com a causa, recursos financeiros acima da média regional, localização privilegiada no bairro mais populoso e com maior renda per capta da cidade e membrezia na casa dos 1000. Lá, tudo o que aprendi e ensinei em termos de administração eclesiástica podia ser praticado.
De repente, me vejo numa realidade missionária, despreparado técnica e psicologicamente para tal. Diametralmente em situação oposta a que vivia anteriormente, me encontro trabalhando com uma comunidade que se reúne em templo alheio; mal dispõe de recursos financeiros para custear o mínimo necessário para funcionar; seus membros, conquanto pessoas amáveis, não são, em sua maioria absoluta, disponíveis para realizar a obra; o pastor é o único remunerado, em condições econômico-financeiras inferiores a anterior e, para ver o trabalho andar, realiza o papel de professor de Escola Bíblica, secretário, office-boy, corista...
Diga-se de passagem, quando me graduava em Teologia, aproveitei para estudar teoria musical, regência e, acreditem, dois semestres de piano. Acreditava que iria pastorear igrejas pequenas e isso ajudaria. Depois de duas décadas, pensava que não mais usaria isso, especialmente quando pastoreava igreja que até escola de música tinha. E não é que aqui já precisei reger, ajudar ensaiar vozes no coral e até voltar a tocar violão em reuniões!
Se não bastasse isso, o perfil psico-social da membrezia é totalmente diferente. O fato de 80% das famílias estarem em situação ilegal no país e boa parte cultivar o pensamento de juntar dinheiro e voltar para o Brasil ou se preparar para eventual deportação, faz com que tempo para igreja, preocupação com crescimento pessoal ou investimento em relações sociais, inclusive familiares, sejam secundários.
Entende agora meu momento de tristeza? Entende porque ri ao receber um Certificado de Especialista? Não que estivesse totalmente desanimado mas, pelo fato das coisas não andarem na velocidade a que estava acostumado, às vezes a tristeza toma conta e até chorar já chorei (o que não é novidade para pastor...). Ri porque estou convencido, como nunca, de que, apesar da experiência ministerial e de um certificado acadêmico de especialista, as circunstâncias exigem, como nunca, que continue um aprendiz.
P.S. Conheci, no início de maio, o Pr. Joed e Ida Venturine, missionários dos batistas brasileiros no interior do Guiné Bissau. Percebi, então, que sou analfabeto em abnegação. Estou chorando de barriga cheia, se comparado às circunstâcias deles!
Você deve estar se perguntando: que relação teria tristeza, risada e um título de especialista? Tentarei explicar.
Durante mais de vinte anos de ministério, nunca parei de estudar. Quando não estava envolvido em algum curso oficial, me envolvia em cursos de curta duração, palestras, conferências, seminários ou em leituras que me ajudassem a fazer melhor aquilo a que me propunha. Pastoreei duas maravilhosas igrejas e dirigi um colégio batista. Atuei em praticamente todos os níveis da estrutura denominacional, sem precisar me oferecer ou fazer campanhas. Nunca precisei correr atrás de emprego. Convites sempre surgiram, inclusive comerciais, em contextos que me permitiam decidir aceitar ou não, sem pressões.
A última igreja na qual fui pastor – Emanuel em Boa Viagem, Recife, por duas vezes – é o que chamaria de igreja completa. Estrutura física próxima do desejável, estrutura organizacional flexível ao desenvolvimento ministerial, liderança qualificada e comprometida com a causa, recursos financeiros acima da média regional, localização privilegiada no bairro mais populoso e com maior renda per capta da cidade e membrezia na casa dos 1000. Lá, tudo o que aprendi e ensinei em termos de administração eclesiástica podia ser praticado.
De repente, me vejo numa realidade missionária, despreparado técnica e psicologicamente para tal. Diametralmente em situação oposta a que vivia anteriormente, me encontro trabalhando com uma comunidade que se reúne em templo alheio; mal dispõe de recursos financeiros para custear o mínimo necessário para funcionar; seus membros, conquanto pessoas amáveis, não são, em sua maioria absoluta, disponíveis para realizar a obra; o pastor é o único remunerado, em condições econômico-financeiras inferiores a anterior e, para ver o trabalho andar, realiza o papel de professor de Escola Bíblica, secretário, office-boy, corista...
Diga-se de passagem, quando me graduava em Teologia, aproveitei para estudar teoria musical, regência e, acreditem, dois semestres de piano. Acreditava que iria pastorear igrejas pequenas e isso ajudaria. Depois de duas décadas, pensava que não mais usaria isso, especialmente quando pastoreava igreja que até escola de música tinha. E não é que aqui já precisei reger, ajudar ensaiar vozes no coral e até voltar a tocar violão em reuniões!
Se não bastasse isso, o perfil psico-social da membrezia é totalmente diferente. O fato de 80% das famílias estarem em situação ilegal no país e boa parte cultivar o pensamento de juntar dinheiro e voltar para o Brasil ou se preparar para eventual deportação, faz com que tempo para igreja, preocupação com crescimento pessoal ou investimento em relações sociais, inclusive familiares, sejam secundários.
Entende agora meu momento de tristeza? Entende porque ri ao receber um Certificado de Especialista? Não que estivesse totalmente desanimado mas, pelo fato das coisas não andarem na velocidade a que estava acostumado, às vezes a tristeza toma conta e até chorar já chorei (o que não é novidade para pastor...). Ri porque estou convencido, como nunca, de que, apesar da experiência ministerial e de um certificado acadêmico de especialista, as circunstâncias exigem, como nunca, que continue um aprendiz.
P.S. Conheci, no início de maio, o Pr. Joed e Ida Venturine, missionários dos batistas brasileiros no interior do Guiné Bissau. Percebi, então, que sou analfabeto em abnegação. Estou chorando de barriga cheia, se comparado às circunstâcias deles!
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