sexta-feira, 31 de julho de 2009

G 12 (04.2005)

A Missão Carismática Internacional, fundada em março de 1983, em Bogotá, Colômbia, pelo Pr. César Dominguez Castellanos, é o berço do G12 , uma estratégia mistificada de crescimento baseada no modelo de células criado pelo coreano Paul Yonggi Cho. Porém, segundo Castellanos, o modelo de Cho não produzia o crescimento desejado. Por isso, a partir de 1991, após uma "revelação divina", ele decidiu trabalhar com grupos (células) de doze pessoas, sendo, o crescimento, a partir daí, extraordinário.

Seria dispensável falarmos em contribuição ao pensamento teológico brasileiro, da Missão Carismática Internacional, uma vez que sua preocupação não parece ser com a implementação de um pensamento teológico e sim com o crescimento numérico de fiéis. A presença, porém, da MCI em nosso meio, não deve preocupar só por estar causando divisões nas igrejas e fortes reações denominacionais, mas também, por fortalecer práticas sincretistas e, teologicamente, fundamentalistas.

I. O perfil teológico

O perfil teológico da MCI se aproxima do perfil encontrado nas Igrejas classificadas como neopentecostais que mantém fundamentos teológicos presentes nas igrejas pentecostais clássicas, porém apresenta diferenças, por exemplo, em estratégias de crescimento, estilo litúrgico, costumes, inserção na sociedade e estrutura organizacional empresarial.

O misticismo dos dirigentes da MCI revela um fato interessante: há uma série de experiências que revelam, provavelmente de forma inconsciente, a necessidade de reproduzirem experiências vividas por Jesus com é o caso do batismo da pastora Cláudia Fajardo no Jordão, por alguém que incorporou a missão de reproduzir o ministério de João Batista; a necessidade de passar provações no deserto; os ataques de Satanás; a escolha de doze pessoas para desenvolver o ministério e a presença de um "traidor" no grupo inicial.

Quanto à salvação, a crença é de que ela significa "a proteção espiritual, física e material que Deus tem para seus filhos, e estende aos seus familiares". A confirmação da salvação extensiva à família pode ser notada na narração da conversão da Pastora Cláudia Fajardo, aos 14 anos, quando ela diz que sua família foi liberta de muitas maldições. Quanto ao meio de salvação, Cláudia deixa dúvidas quanto à eficácia de sua conversão inicial ao afirmar que sua vida mudou a partir do segundo batismo, nas águas do Jordão. Portanto, o meio de salvação é confuso pois, hora aparece numa experiência sacramentalista de batismo, hora parece depender da participação em Encontros e da libertação de pecados dos antepassados.

A ênfase na questão da maldição, é ponto central na pregação da MCI. Ela – a maldição - "é o castigo pronunciado por Deus, como conseqüência do pecado". Porém, não seria apenas fruto dos pecados da própria pessoa mas também seria conseqüência de pecados cometidos por antepassados, tese que contraria os ensinamentos gerais da Bíblia sobre o assunto.

Quanto ao conceito de prosperidade Castellanos se contradiz. Primeiro afirma: "Compreendemos que os problemas financeiros derivavam de que alguns de nossos avós não haviam levado vidas retas”. Depois, numa visão menos mística, diz que "devemos evitar cair no engano do inimigo de considerar que a prosperidade vem da noite para o dia; ela chega paulatinamente, com trabalho consistente, com uma clara visão do futuro e uma meta específica”.

A MCI defende uma classificação de tipos de demônios que atuam em áreas da vida humana e impedem o desenvolvimento da vida cristã autêntica. Assim, a regressão ao passado da vida (não a vidas passadas como no espiritismo), técnica da psicanálise usada no tratamento de problemas emocionais, é descrita, na MCI, com uma linguagem mistificada, visando libertar indivíduos de demônios. A palavra insight é substituída por revelação e a causa de traumas emocionais é interpretada como entrada de demônios no corpo da pessoa. Se na psicologia a música é usada no tratamento de problemas emocionais, na MCI, o louvor, numa espécie de amuleto, é usado como um meio de libertação demoníaca.

Quanto ao modo de se multiplicar e estruturar, a MCI não apresenta novidade positiva. Enquanto os batistas, por exemplo, se multiplicam organizando igrejas autônomas com governo congregacional e número ilimitado de membros, a MCI organiza células subordinadas a um poder central. A centralização do poder e de recursos e a manutenção da uniformidade de visão, em função de um comando forte, produz resultados rápidos, porém de consistência espiritual e doutrinária duvidosa. Por seu modo de se multiplicar e se estruturar, a MCI perde os característicos de uma igreja local - concepção neotestamentária - assemelhando-se mais a uma denominação.

O governo da igreja, segundo Castellanos, deve ser empresarial; não há espaço para uma forma de governo congregacional. A opção por esta forma de governo não está firmada em bases bíblicas. Enquanto a democracia batista, por exemplo, se sustenta, entre outros, no Sacerdócio Individual do Crente e na Livre Interpretação das Escrituras, a forma de governo da MCI se sustenta no auto-convencimento de Castellanos. É o auto-convencimento e não uma reflexão bíblico-teológica coletiva que define a forma de governo. Logo, é algo subjetivo que não pode ser verificado e muito menos questionado. É o Espírito Santo quem fala e o pastor é quem ouve e torna-se porta-voz da mensagem, autoridade a ser seguida. O texto bíblico, passível de verificação, é substituído pela revelação subjetiva do Espírito, restando à igreja, obedecer ou ser considerada rebelde.

II. As estratégias de crescimento

A utilização de um linguajar místico para fundamentar práticas e, talvez, legitimar sua autoridade espiritual, a exemplo do que ocorre com boa parte dos líderes carismáticos ou pentecostais, faz parte do estilo Castellanos. A definição do nome da Igreja foi fruto de uma estratégia de marketing, explicada, porém, como "revelação". A preocupação foi encontrar um nome que não provocasse reação contrária no "mercado consumidor".

Os "Encontros" têm sido o ponto mais polêmico dentro do conjunto de estratégias adotadas pela MCI. Eles “são retiros de três dias, durante os quais o novo crente compreende a dimensão exata do significado do arrependimento, recebe cura interior e é liberto de qualquer maldição que tenha imperado em sua vida. Logo a seguir se capacita como guerreiro espiritual, com a ministração do enchimento do Espírito Santo". A polêmica não gira em torno do "encontro" mas das técnicas e conteúdos nele adotados.

O G12, principal estratégia de crescimento da MCI, funciona, teoricamente, de forma simples: escolhe-se doze pessoas para reproduzir nelas a visão ministerial e crenças teológicas; cada uma delas escolhe outras doze com o mesmo propósito e assim sucessivamente. Não havendo quebra no processo, a multiplicação é excepcional. O G12 seria uma "evolução" do modelo celular. Por isso, na MCI, células de doze e células com qualquer número convivem paralelamente como estratégia de crescimento. Do ponto de vista estratégico, portanto, o G12 não apresenta novidade pois é uma reprodução aperfeiçoada do modelo de Paul Cho, bastante badalado no Brasil, no início da década de oitenta. A diferença, talvez, do "sucesso", esteja na determinação que moveu Castellanos, na sua habilidade para implementar o projeto e na manipulação do misticismo e carência populares. O problema central do G12 está na concepção teológica sincretista em que se sustenta, nos práticas e doutrinas que nele se defende e nas consequências negativas que isso produz na vida dos indivíduos, das igrejas e da sociedade.


III. A Visão Social

A visão social da MCI se enquadra na análise feita por Ricardo Mariano(1999) quando diz: " A função social dessa religião é eminentemente 'nomizadora'... Cumpriria o papel de capacitar o crente para enfrentar a pobreza, as agruras dos empregos de baixa qualificação, os efeitos angustiantes das mudanças socioculturais e do impersonalismo típico das relações interpessoais nos grandes centros urbanos."

Não fica claro se a MCI tem um projeto político mas dá a entender que tem quando, referindo-se à sua esposa senadora, Castellanos afirma que sua experiência no campo político seria canalizada por Deus para apoiar "a visão" na política. Seus sonhos de justiça, honestidade e prosperidade não apresentam diferença dos de qualquer cidadão de bem de países empobrecidos.

Castellanos não deixa claro qual seria a sua percepção de nação abençoada por Deus. Ao mesmo tempo em que enfatiza a estabilidade e prosperidade financeira como sendo o alvo desejável, informa uma chamada recebida, por ele e esposa, para curar o governo dos Estados Unidos, país estável e próspero financeiramente.

Do ponto de vista social, a presença da MCI no Brasil não apresenta perspectivas de que os principais problemas sociais identificados no país poderiam sofrer influência positiva. A leitura que faz da realidade econômica e política, no que se refere aos culpados pelos problemas sociais, parece ser invertida e até ingênua. Sua compreensão dos problemas da Colômbia, por exemplo, em relação ao resto do mundo comprova tal tese. Se é verdade que a Colômbia tem sido o centro do mundo em produção de narcotráfico é verdade também que isto ocorre porque há um mercado consumidor, principalmente nos Estados Unidos. Há corruptores porque há quem que tenha motivos para se deixar corromper. Um não existe sem o outro e, portanto, ambos são, em tese, igualmente culpados pela proliferação das drogas. Além disso, a influência nefasta das políticas econômicas do Primeiro Mundo, em relação à Colômbia e ao Terceiro Mundo, não são consideradas por ele. Portanto, seu sentimento de culpa, em relação aos danos que os Colombianos causariam ao mundo, merece maior reflexão e aprofundamento em termos sociológicos.

Concordamos em parte com ele quando, referindo-se aos problemas da Colômbia, diz: "As vezes se comete o erro de lançar queixas contra o governo, mas a culpa não é dele, é nossa..." É verdade que dependência paternalista não soluciona problemas sociais e que a responsabilidade não é só dos governos. Porem, daí a assumir "como pessoais, os pecados da nação" como forma de superar os problemas sociais é um profundo equívoco teológico e sociológico. Equívoco teológico porque não há fundamentação bíblica, em bases hermenêuticas sólidas, que justifique tal ato. Sociológico, porque se é verdade que a postura espiritual é importante no desenvolvimento sócio-econômico dos povos, é verdade também que tal desenvolvimento não está vinculado necessariamente à filiação doutrinário-religiosa da população. Isto pode ser comprovado nos casos de países em que predomina uma população atéia, na teoria ou na prática, ou de não cristãos, cuja situação econômico-financeira e estabilidade social são invejáveis.

Pedagogicamente o modelo G12 é tradicional pois visa reproduzir formas de pensar e agir à medida em que cada líder reproduz sua visão nos liderados. Assim, em vez de contribuir para uma cidadania solidária, baseada na autonomia de seres pensantes, fundamenta-se na simples reprodução do pensamento, uma forma antiga de dominação.

Parece, portanto, que a ânsia pelo crescimento e sua priorização sufoca as bases doutrinárias de sustentação da MCI. Por isso, ela não é um bom modelo a ser seguido por aqueles que desejam um crescimento fundamentado nos ensinos de Jesus.


FONTES BIBLIOGRÁFICAS:

CASTELLANOS, César Dominguez. Sonha e ganharás o mundo, Palavra da Fé Produções Ltda, SP, 1999
MARIANO, Ricardo. Neopentecostais, Sociologia do no pentecostalismo no Brasil, Ed. Loyola, SP, 1999








0 comentários: